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3. NORMA GERAL ANTIELISIVA E PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS

3.2 Dos princípios constitucionais

3.2.1 Legalidade e Tipicidade

O princípio da legalidade remonta à Carta Magna Inglesa de 1215, outorgada por João Sem Terra, quando os barões ingleses determinaram a necessidade de autorização prévia dos súditos para que o monarca instituísse tributos, nascendo assim o brocardo no taxation without representation. A partir do surgimento dos Estados de Direito, o poder de tributar do Estado passou a sofrer uma série de limitações, dentre as quais a que exige seu exercício por meio de lei criada pelos representantes do povo eleitos para tanto. Sustentando esse ponto de vista, Roque Antônio Carrazza assevera:

O Estado de Direito limita os poderes públicos, isto é, concretiza-se numa

proibição de agir em desfavor das pessoas. Por isso, nele, para melhor defesa dos direitos individuais, sociais, coletivos e difusos, a Constituição vincula não só o administrador e o juiz, mas o próprio

68 CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário. 21ª ed. São Pauo: Malheiros, 2005, p.

36.

69 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 20. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p.

legislador. De fato, tais direitos são protegidos também diante da lei, que deve se ajustar aos preceitos constitucionais. A garantia disso está no controle da constitucionalidade que, na maioria dos ordenamentos jurídicos, é levado a efeito pelo Poder Judiciário. 70

No Estado de Direito brasileiro, o princípio da legalidade geral vem enunciado no art. 5º, inciso II da Constituição Federal: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Este mesmo princípio, “uma das mais importantes colunas sobre as quais se sustenta o edifício do direito tributário” 71, está consagrado no inciso I do art. 150 da Carta Magna, quando se estabelece que “sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça”: é o princípio da estrita legalidade, expressão do aforismo nullum tributum sine lege.

O princípio em comento revela a necessidade de que todos os elementos determinantes da relação tributária entre contribuinte e Fisco devam estar previamente descritos em lei. Desse modo, a exigibilidade ou não dos tributos decorre da consumação da situação descrita em lei como necessária para a incidência tributária.

Nas lições de Heleno Tôrres, existem três funções do princípio da legalidade conferidas pela Constituição Federal:

i) como princípio da “reserva de lei” formal, quanto às matérias para as quais a Constituição exige lei específica (agregue-se a reserva de lei complementar); ii) como princípio da “tipicidade”, ou legalidade material, quanto à tipificação exaustiva dos critérios materiais (exemplo art. 150, I, CF); e iii) como princípio da “vinculatividade”, ou princípio da preeminência, como prefere Alberto Xavier, a exigir submissão de todos os atos administrativos ao império da vontade legislativa (cf.: art. 37, CF), afinal, a vontade da administração não é representação de ordem, mas cumprimento da vontade do povo. 72

Observa-se das lições exaradas pelo jurista pernambucano, que o princípio da legalidade vai além do conceito de reserva de lei, ou seja, a instituição de um tributo, bem como sua majoração, não pauta-se tão somente na exigência de uma lei. Conforme aponta Alberto Xavier, a lei tributária, ao contrário, deverá conter o fundamento da conduta da Administração e o critério de decisão do órgão de aplicação do Direito no caso concreto – é a

70 CARRAZZA, Roque Antônio. op., cit., 2005, p. 238. 71 Ibid. Ibidem, p. 241.

chamada reserva absoluta da lei que traduz o princípio da legalidade da tributação no princípio da tipicidade. 73

Portanto, o princípio da tipicidade consagra a idéia da reserva absoluta da lei formal na definição em abstrato de todos os elementos necessários à tributação, de forma precisa e determinada, impedindo que o Fisco, enquanto órgão de aplicação do direito, não possa introduzir critérios subjetivos de apreciação na aplicação concreta da lei.

No direito tributário brasileiro, elegeu-se o princípio da tipicidade fechada, ou seja, na norma tributária não poderá existir conceitos vagos e ambíguos, mas sim precisos e determinados para que haja a segurança na relação jurídica contribuinte-Estado.

Valiosas são as lições de Alberto Xavier, o qual considera que o princípio da tipicidade tem como corolários o princípio da seleção, o princípio do numerus clausus, o princípio do exclusivismo e o princípio da determinação ou da tipicidade fechada.

O princípio da seleção significa que o legislador não pode descrever o tributo pela utilização de conceito ou cláusula geral abrangendo todo o quadro das situações tributáveis, ou seja, as reveladoras de capacidade contributiva, da mesma forma que não é também possível a incriminação com base num conceito ou cláusula geral de crime. Pelo contrário, os tributos devem constar de uma tipologia, isto é, devem ser descritos em tipos ou modelos, que exprimam, uma seleção, pelo legislador, das realidades que pretende tributar, dentro do quadro mais vasto das que apresentam aptidão para tanto. (...)

O princípio do “numerus clausus” especifica um tanto mais o princípio da seleção, pois, enquanto este se limita a ordenar que o legislador elabore os tributos através de uma tipologia, aquele esclarece que, de entre as três formas possíveis de tipologia – a exemplificativa, a taxativa e a delimitativa – a tipologia tributária é inegavelmente

taxativa. Quer isto dizer que o fato tributário é um fato típico o qual, para produzir

os seus efeitos, necessário se torna corresponda, em todos os seus elementos, ao tipo abstrato descrito na lei: basta a não-verificação de um deles para que não haja, pela ausência de tipicidade, lugar à tributação.

O princípio do exclusivismo exprime que a conformação das situações jurídicas aos tipos legais tributários é não só absolutamente necessário como também suficiente à tributação. É o fenômeno que em lógica jurídica se denomina de “implicação intensiva” e que o art. 114 do Código Tributário Nacional descreve, com rara felicidade e rigor, ao definir o fato gerador da obrigação principal como a “situação definida em lei como necessária e suficiente à sua ocorrência”. Trata-se, pois, de uma tipicidade fechada (na terminologia de LARENZ), enquanto não admite quaisquer elementos adicionais não completamente contidos na descrição normativa. O princípio da determinação ou da tipicidade fechada (o Grundsatz der

Bestimmtheit de que fala FRIEDRICH) exige que os elementos integrantes do tipo

sejam de tal modo precisos e determinados na sua formulação legal que o órgão de aplicação do direito não possa introduzir critérios subjetivos de apreciação na sua aplicação concreta. 74 (grifos no original)

73 XAVIER, Alberto, op. cit., 2002, p.17. 74 XAVIER, Alberto, op. cit., 2002, p.18-19.

O princípio da tipicidade foi consagrado pelo Texto Constitucional na alínea a, inciso III do seu art. 146, que assim dispõe:

Art. 146: Cabe à lei complementar: (...)

III – estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:

a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes.

Pela leitura do dispositivo legal supracitado, infere-se que a criação de tributos no sistema jurídico brasileiro vai muito além da simples rotulação do imposto, mas a lei deverá descrever, especificamente, seu fato gerador, base de cálculo, bem como seus sujeitos ativo e passivo. Nesse sentido, compara-se a tipicidade do Direito Tributário aos corolários formulados no Direito Penal, ressaltando Roque Antônio Carrazza que esse princípio pode ainda ser mais rigoroso na seara tributária:

Aliás, a tipicidade, no direito tributário, é, por assim dizer, mais rigorosa do que no próprio direito penal. Neste, a lei confere ao julgador, no momento da imposição da pena, uma considerável dose de subjetivismo. Já, naquele, a lei indica, peremptoriamente, ao seu aplicador, não só o fundamento da decisão, como o critério de decidir e as medidas que está autorizado a adotar, para que a arrecadação do tributo se processe com exatidão. 75

O princípio da tipicidade é essencial para proteger o cidadão, enquanto contribuinte, contra possíveis artifícios jurídicos arranjados pelo Poder Executivo para a criação de tributos não previstos em lei. Editou-se, inclusive, a Emenda Constitucional nº 32, de 11 de setembro de 2001, incluindo no texto do art. 62 a proibição expressa da edição de medidas provisórias sobre matéria reservada à lei complementar, no claro intuito de coibir a gana do Poder Executivo em criar tributos através de medidas provisórias. 76

O retromencionado inciso I do art. 150 da Carta Magna, ao vedar a exigência ou aumento de tributo sem uma lei que o estabeleça, teve o intuito maior de assegurar ao cidadão brasileiro a garantia constitucional da liberdade de contratar. Esse direito fundamental está

75 CARRAZZA, Roque Antônio. op., cit., 2005, p. 257.

76 Art. 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com

força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional. §1º É vedada a edição de medidas provisórias sobre matéria: (...) III – reservada à lei complementar.

reconhecido no direito à livre iniciativa e à liberdade econômica, eleitos pelo constituinte originário como fundamentos da República Federativa do Brasil77 e da ordem econômica78.

Desta feita, o planejamento fiscal é o exercício do direito fundamental à liberdade de contratar. Ora, se dentro dos tipos legais tributários existem comportamentos não previstos como fatos geradores de tributos, os cidadãos terão o direito de agir livremente dentro desse campo de não-incidência, realizando negócios que não estarão insertos num tipo tributário. Afinal, “a liberdade de ação dos cidadãos está garantida também pelo princípio da tipicidade, como uma extensão de seu direito subjetivo, denominada pela doutrina alemã de direito de defesa (Abwehrrecht). 79

Em suma, os princípios da legalidade e da tipicidade são corolários da liberdade de contratar, pois buscam limitar a atuação do Fisco às prescrições legais, impedindo que este imponha obrigações tributárias sobre negócios jurídicos não descritos em lei como geradores de tributos.

Pois bem. A cláusula geral antielisiva insculpida no parágrafo único do artigo 116 do CTN fere frontalmente tais princípios, pois dá à Administração Pública o poder para construir normas tributárias com base em conceitos jurídicos indeterminados.

Oportuna é a visão do mestre Ives Gandra da Silva Martins, para o qual o princípio da legalidade não pode ser transposto por uma norma infraconstitucional:

A legalidade, portanto, é princípio constitucional intransponível por outra norma que venha a ser inserida e regulamentada no direito positivo pátrio.

Na norma antielisiva isso ocorreria, pois o princípio da legalidade será afrontado, sobreposto, ao veicular analogia ou obrigar fictamente o contribuinte a incorrer em fatos geradores que ele discricionariamente tenha optado evitar, mesmo que o motivo único dessa conduta seja uma desoneração tributária. 80

Conforme se verá no capitulo pertinente, o parágrafo único do artigo 116 do CTN deve ter sua inconstitucionalidade declarada, haja vista não guardar conformidade com o

77 Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do

Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (...) IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa.

78 Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim

assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

79 XAVIER, Alberto, op. cit., 2002, p.32.

80 MARTINS, Ives Gandra da Silva e MARONE, José Rubens. Elisão e evasão de tributos – estudo de casos. In:

YAMASHITA, Douglas (Coord). Planejamento tributário à luz da jurisprudência. São Paulo: Lex Editora, 2007, p. 142.

princípio da tipicidade face à sua intencional busca de tributação para além do tipo tributário delimitado constitucionalmente.

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