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ILÊ AXÉ ODÉ TOKE JI LODEM: A FOGUEIRA DE XANGÔ

ANEXO X – Ofício CONDER: Atendimento ao Ofício com envio da Base

3 A PEDRA NO CONTEXTO DA DIÁSPORA AFRICANA

4 RITUAIS DOS TERREIROS DE CANDOMBLÉ DE CAJAZEIRAS E SUA RELAÇÃO COM A PEDRA DE XANGÔ

4.2 ILÊ AXÉ ODÉ TOKE JI LODEM: A FOGUEIRA DE XANGÔ

Ilê Axé Odé Toke Ji Lodem o Terreiro do Caçador que acordou ou levantou sobre o alto.Tem como fundação o ano de 2005 e liderança de Jeferson Silva Cardoso.77 O terreiro é da nação Ketu. O patrono da casa é Oxóssi e a cumeeira é de Oxum. O terreiro possui dois acessos. O principal (figura 29) localiza-se na Avenida Engenheiro Raimundo Carlos Nery, Caminho 5 - Casa 13. O acesso secundário dá-se pela Avenida Assis Valente (figura 30). Calendário de festas: Janeiro - festa de Exu; Junho - Feijoada de Ogum; Julho – Fogueira de Xangô; Outubro - obrigações dos filhos da casa; Novembro - festa de Iansã e da Cabocla Jurema.

Figura 29: Acesso principal do Ilê Axé Odé Toke Ji Lodem.

Foto: Maria Alice Silva, 2015.

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Pai Jeferson Cardoso é filho de Pai Gilmar Pereira da Silvado Terreiro Axé Oxalufã em Jaguaribe. Pai Jeferson Cardoso tem 36 anos de idade, 22 anos de iniciado e 9 anos de Babalorixá. Desde os 3 anos de idade mora em Cajazeiras. Disse que gostava de brincar debaixo da pedra. Para chegar à pedra de Xangô fazia o seguinte percurso: descia o Campo da Pronaica, entrava pela Quadra E, Fazenda Grande I, adentrava pelos matos, descia uma trilha e já estava na pedra. Ao redor da pedra tinha um cajueiro, uma mangueira e uma jaqueira, além de um rio. Costumava pendurar-se em um cipó, se balançava e caía no rio.Quando foi morar em Cajazeiras só existiam Cajazeira X e Cajazeira V.

Figura 30: Localização do Ilê Axé Odé Toke Ji Lodem.

Fonte: Google Earth, 2015.

O terreiro é constituído dos seguintes cômodos: um quarto para os orixás, banheiro, barracão, camarinha, cozinha, um espaço destinado à Cabocla Jurema e dois espaços destinados a Exu. Os espaços matos não atendem às necessidades religiosas da casa, o que obriga Pai Jeferson Cardoso a socorrer-se dos espaços mato do entorno da Pedra de Xangô.

O Ilê Axé Odé Toke Ji Lodem é o único terreiro na Avenida Assis Valente e cujas atividades religiosas estão estreitamente relacionadas à Pedra de Xangô e ao seu entorno. É no lugar da Pedra de Xangô e em seus arredores que o sacerdote colhe as folhas sagradas para a realização dos atos litúrgicos e realiza as mais diversas manifestações para o sagrado, como: oferenda de milho branco com coco para o orixá das matas Oxóssi; um amalá para Xangô; um acará para Iansã; um padê para o dono das encruzilhadas – Exu; uma abóbora para Cabocla Jurema ou um inhame para Ogun para abrir os caminhos e pacificar as estradas.

No ritual da Fogueira de Xangô, realizada sempre no mês de julho, o Ilê Axé Odé Toke Ji Lodem, como ato preparatório, oferece um amalá na Pedra de Xangô. Numa quarta- feira, dia de Xangô, o Babalorixá reuniu os seus filhos para em cortejo levar um gamela com a comida votiva do rei (ver mapa 4). Com o séere na mão, acompanhado de uma filha que conduzia o adjá, Pai Jeferson Cardoso entoou o oriki (cântico) do orixá e seguiu a pé rumo à Pedra de Xangô. Ao final da tarde, eram ouvidos apenas os sons do séere, do adjá e do cântico para Xangô. Todos muitos contritos. Parecia que o mundo havia parado naquele instante para assistir ao espetáculo. Nem a passagem esporádica de veículos perturbava a concentração do grupo religioso. Ao chegar à Pedra de Xangô, o cortejo entoou mais cânticos. O séere e o adjá foram tocados com mais intensidade. Um filho de santo sobe na Pedra de Xangô para colocar o amalá.

Três dias depois, no sábado, o ritual continua emobiliza a comunidade. O babalorixá determina as tarefas. A preparação das comidas, a montagem da fogueira e a decoração do barracão são distribuídas entre os filhos e filhas de santo. O teto do barracão foi decorado com bandeirolas vermelhas e brancas. No piso foram jogadas muitas folhas compondo um tapete verde. No centro do barracão, os emblemas (figura 31) do orixá Xangô noticiavam a festa do rei.

Figura 31: Emblemas do orixá Xangô

Foto: Juscelino Pacheco. Acervo: Maria Alice Silva, 2016.

A noite, o ritual prossegue. O xirê é formado. Sob o toque do rum, rumpi,lé, aguidavis e agogô, inicia-se a música. A dança toma conta do barracão. Canta-se e toca-se para o patrono da casa Oxóssi, para Iansã, Oxum, Obá, Iamassê e demais orixás do panteão. Por último canta-se para Xangô. O sacerdote sinaliza que chegou a hora de reverenciar o orixá do fogo.

O alabê conduz os músicos para a parte externa do terreiro onde se realizará a fogueira. As filhas de santo em cortejo dirigem-se à cozinha. Retornam com os pratos preferidos de Xangô (figura 32) e da sua realeza e os colocam no entorno da fogueira. Xangô é conhecido como “aquele que come mil quiabos de uma vez”. (LODY, 2010, p. 87).

Figura 32: Oferendas para o rei Xangô e sua corte.

Foto: Juscelino Pacheco. Acervo: Maria Alice Silva, 2016.

O quiabo (figura 33) é um alimento unificador, presente nas oferendas dosorixás relacionados ao fogo e aos fenômenos meteorológicos, a exemplo de Xangô, Iansã, Ibejis, dentre outros.

“Quiabo e dendê fazem as bases dos alimentos, são fundamentais aos vínculos entre o terreiro e o sagrado. Significam fartura, que, por sua vez, significa hierarquia. Hierarquia de Obá, de Xangô [...]”. (LODY, 2010, p.88).

O quiabo é outro ponto comum desses orixás, que têm nesse alimento um sentido de coesão, unidade o que, aliás, caracteriza as funções e patronatos de deuses, sempre intercomplementares em famílias, reinos, territórios e em aspectos mais gerais, uma leitura profundamente integradora entre homem, natureza, ancestralidade e orixás. (LODY, 2010, p. 88).

Os adeptos e visitantes se posicionam ao redor da fogueira. Um dos adeptos chega mais próximo e contempla o ritual. Segura um pedaço de madeira, dando a impressão que estava a fazer os seus pedidos a Xangô.

Figura 33: Oferendas para o rei Xangô e sua corte

Foto: Juscelino Pacheco. Acervo: Maria Alice Silva, 2016.

É chegado o momento de acender o fogo (figura 34). O fogo que alimenta, que aquece, que une as pessoas, que ilumina e que, se utilizado irresponsavelmente, destrói. Os adeptos se reúnem ao redor da fogueira para saudar o rei. Os sacerdotes presentes cortam o orogbo78 e fazem seus pedidos.

O fogo é a representação do raio e do relâmpago, e é o elemento capaz de ressignificar a virtude do sol na madeira, quando se ergue a fogueira, local do encontro mais profundo o eu primeiro, inaugural na capacidade de transformar. É, sem dúvida, o triunfo do dia sobre a noite, do que há de sacrificial e hierarquicamente poderoso; dessa maneira entende-se Xangô, sua fogueira cerimonial, seu fogo pessoal e fundamental à condição real e de mando, de Alafim. (LODY, 2010, p. 21).

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Figura 34: Ritual da Fogueira de Xangô

Foto: Juscelino Pacheco. Acervo: Maria Alice Silva, 2016.

O ápice do rito se dá com a chegada de Xangô no Aiyê. Xangô ao chegar em dança e sai para vestir seus paramentos. Retorna e abençoa os seus filhos. O clima é de alegria, exultação. “Viva Xangô, Káwô Kabiesilê”. O amalá começa a ser servido. Pai Jeferson surge com uma gamela na cabeça, cheia de moedas e joga no barracão. Xangô é rei, riqueza. Com este ato, o babalorixá pede para não faltaro pão de cada dia, emprego e saúde a todos que ali estão a saudar o grande rei.

O mapa 4 apresenta, também, o trajeto percorrido pelos filhos do terreiro para a colheita de folhas e a realização de atos litúrgicos, notadamente, na festa da Fogueira de Xangô. Lugar marcado pela presença de população de diversos credos. A comunidade convive diariamente com as práticas de intolerância religiosa, grilagem e as incômodas lagoas de estabilização da Empresa Baiana de Águas e Saneamento S. A (Embasa) que descaracterizam o ambiente.

O ritual da Festa da Fogueira de Xangô, no Ilê Axé Odé Toke Ji Lodem, estabelece e tece a teia de ligação do terreiro com a Pedra de Xangô, tornando esta um lugar sagrado, um espaço descontínuo, criando lugares sagrados, em rede, através doato ritual do cortejo que prepara e sacraliza o Amalá de Xangô. Este é conduzido pelas ruas e matas de Cajazeiras, em

cânticos sagrados – fluxo de axé, até oferecê-lo e arriá-lo aos pés de Xangô, em sua pedra. Xangô satisfeito com o ato público se faz presente no sábado, saindo do orun para o Aiyê, visitando e dançando com seus filhos em volta da fogueira, onde é arriado um amalá, agora sob a luz da fogueira, em sua devoção.

O amalá arriado na Pedra de Xangô, na quarta feira, e o amalá arriado aos pés da fogueira de Xangô no espaço interno do terreiro em frente ao barracão, através do ritual, estabelecem a ligação e a continuidade da pedra para dentro do terreiro, assim como o terreiro se faz presente na Pedra de Xangô.

Mapa 4: Percurso entre o Ilê Axé Odé Toke Ji Lodem e a Pedra de Xangô no ritual da festa da Fogueira de Xangô.