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ANEXO X – Ofício CONDER: Atendimento ao Ofício com envio da Base

3 A PEDRA NO CONTEXTO DA DIÁSPORA AFRICANA

3.2 A PEDRA NA COSMOVISÃO AFRO-BRASILEIRA

A pedra na cosmovisão afro-brasileira pode variar de tamanho, cor, textura, composição. Pode ser uma “pedrinha miudinha de Aruanda ê42”, assentada e cultuada com seus emblemas, búzios, contas, quartinhas, pratos, dentre outros componentes ou um grande e vistoso monumento. O que importa é o que ela significa para o povo de santo. Já diziam os mais velhos, o lajedo pode ser muito grande, mas pode ser de pedrinha miudinha, o importante é a energia, o axé que dela emana que move mar, céu, terra, fogo e ar.

A substância mineral pedra já era assunto investigado por Nina Rodrigues em 1896 que a ela se referia como símbolo sagrado. Eis a sua narrativa: “O meteorito ou pedra de raio, segundo parece, é tido na África por objeto sagrado e, como tal, venerado. Entre nós, porém, o meteorito não é somente um objeto sagrado, mas o ídolo-fetiche do próprio Sangô como tal adorado.” (RODRIGUES, 2006, p.42).

No texto acima, Rodrigues, ao se referir ao elemento pedra como ídolo-fetiche, demonstra uma visão eurocêntrica, calcada nas teorias evolucionistas da época43. Todavia, ele foi pioneiro nos estudos sobre o universo do candomblé. Seus trabalhos científicos deixaram importantes contribuições para a análise dos aspectos estruturantes e simbólicos da religião.

Na sua narrativa, Rodrigues acrescenta a “adoração é dirigida diretamente ao meteorito [...] O Santo ou orisá é a pedra de raio em que, como lhe explicara uma negra, o santo está encantado. Sangô é, assim, a manifestação mais clara da litholatria bahiana.” (RODRIGUES, 2006, p.42).

42 A cantiga Pedrinha Miudinha/ História Pro Sinhozinho é de domínio público e de autoria anônima. É muito

conhecida nos circuitos de Candomblé de Caboclos. Tornou-se popular na voz da cantora Maria Bethânia.

43“As ciências humanas daquela época foram marcadas por um pensamento evolucionista. O homem era

considerado o mais evoluído dos animais e a raça branca a mais avançada dentre os seres humanos. Por outro lado, houve uma corrente preocupada com sobrevivências culturais, buscando registrar as características dos povos colocados em extinção pela expansão da cultura europeia. Esses traços do pensamento social da época ficam claros em Os africanos no Brasil. Rodrigues demonstra que compreendeu o africano como intelectualmente inferior ao europeu e considerava as desigualdades sociais entre brancos e negros no Brasil como consequências naturais. Mas o racismo de tal perspectiva foi acompanhado por uma nostalgia paradoxal pela perda dos africanos no Brasil e uma solidariedade paternalista para com a religiosidade africana, a qual o levou a reivindicar o fim da perseguição aos candomblés. No seu raciocínio, a persistência das praticas religiosas afro-brasileiras e a “ilusão da catequese” resultaram da incapacidade do africano de compreender as complexidades do monoteísmo cristão. Desta forma, argumentou ele, o “fetichismo” do negro era inevitável e, portanto, devia ser tolerado”. (CASTILHO, 2010, p.105).

É frequente encontrar nos campos “pedras sagradas que de ordinário tiram a sua procedência divina das dimensões ou irregularidades de formas”. (RODRIGUES, 2006, p. 42). A pedra de Ogun é uma delas localizada entre:

[...] os engenhos d‟Agua e de Baixo, no município de S.Francisco. De fórma de parallelepípedo irregular e collocada na encosta de um valle, à margem da estrada, a pedra tem face voltada para o sul, enterrada no sólo até quasi o meio, mas a face norte com mais de dois metros de altura, está toda descoberta. A pedra tem mais de tres metros de comprimento e apresenta na face norte uma escavação ou entalhe natural que se estende até à face superior. Sobre esta pedra encontram-se contínuos vestígios ou restos de sacrifícios, sangue, penas de aves, conchas marinhas etc. [...] (RODRIGUES, 2006, p.43).

Bastide, em o “Candomblé da Bahia: rito nagô”, ao discorrer a respeito da sacralidade de monumentos naturais fora dos terreiros de candomblés, diz que existem outros lugares considerados sagrados pelos africanos a exemplo da pedra de Ogum, do tempo de Nina Rodrigues, (BASTIDE, 2001, p. 81) que era palco de rituais litúrgicos e, também, da pedra de Oxumarê. Eis sua descrição:

Na Bahia mesmo existe ainda a pedra de Oxumarê, perto do mar, que apresenta anfractuosidade semelhante a uma pia de água benta; as jovens mães ali vão para de certo modo batizar os filhos, a concavidade estando sempre cheia de água da chuva e de ondas misturadas. Sinal feliz é nesse momento aparecer no céu um arco-íris: Oxumarê está abençoando a criança que lhe apresentam. (BASTIDE, 2001, p.82).

Serpa (1996, p.183) em “Ponto convergente de utopias e culturas: o Parque de São Bartolomeu” noticia a presença de duas grandes pedras: uma consagrada ao orixá Obaluaiê e a outra consagrada ao orixá Tempo.

Mais recentemente, o estudo de Velame, “Arquitetura da Ventura: os terreiros de Candomblé de Cachoeira e São Félix” faz referência à famosa festa da Pedra da Baleia (figura 14) - morada de Iemanjá que ali se instalou para zelar por todo o povo-de-santo do Recôncavo Baiano (VELAME, 2012, p. 441). Eis o relato:

A Pedra da Baleia sempre foi um lugar sagrado e dedicado ao culto de Iemanjá [...] esse culto era feito de forma isolada pelos terreiros, cada templo afro-brasileiro de Cachoeira e São Félix tinha dentro do calendário de sua casa uma data específica para depositar os presentes nessa pedra, um lugar que pertencia a todos os terreiros da região [...] Segundo o mito local contado por Gaiaku Luiza, Iemanjá ouvindo os clamores, as súplicas e os

chamados de seus filhos nos porões dos navios negreiros que saiam da Costa dos Escravos na África transformou-se em uma Baleia. Iemanjá em seu devir baleia, seguiu os navios negreiros, de perto, em sua travessia pelo Oceano Atlântico até o porto de Salvador, repousando da longa viagem nas águas da Baia de Todos os Santos, onde assistiu a seus filhos sendo vendidos e examinados como mercadorias. Em seguida, acompanhou os navios adentro do Rio Paraguaçu, levando a salvo seus filhos até o cativeiro e zelando por eles em suas novas vidas, em suas condições de escravos no Recôncavo Baiano. Nessa tarefa de guardiã, ela havia se transformado em uma pedra no meio do Rio Paraguaçu, a pedra tornou-se morada de Iemanjá Ogunté, que ao longo do ano recebe diversos presentes ofertados pelos seus filhos zelosos. Além da história local, a denominação deve-se, também, ao fato da pedra assemelhar-se a uma baleia quando o Rio Paraguaçu está com a maré baixa. (VELAME, 2012, p.452-453).

Figura 14: A Pedra da Baleia/ Bahia / Cachoeira - Brasil

Disponível em: < www.portalaponte.com>. Acesso em: 24 de dez. 2016.

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A Pedra do Sal (figura 15) situada na região central do Rio de Janeiro, mais precisamente no bairro da Saúde, é outro exemplo. Ponto de desembarque de navios negreiros, a Pedra do Sal foi tombada pelo Instituto Estadual de Patrimônio Cultural do Rio de Janeiro –INEPAC,em 20 de novembro de 1984. (MANSUR;CARVALHO; DELPHIM E BARROSO, 2008, p.18) A pedra é considerada um monumento sagrado, espaço litúrgico, reduto do samba, do partido alto, da capoeira, do Candomblé.

Figura 15: A Pedra do Sal / Rio de Janeiro - Brasil

Disponível em: <www.ceerte.org.br>. Acesso em: 22 de dez. 2016.

“A pedra do Sal é pedra e cultura, é matéria e espírito. Ela protege os moradores e é protegida por eles. A sua existência concreta e simbólica alimenta a consciência preservacionista [...] e contribui para a constante atualização e reconstrução e da memória da localidade”. (CHAGAS, M. e CHAGAS, V., 2008).

A obra de Velame revela, também, a existência da Pedra do Cavalo e da Pedra Rachada, no Recôncavo Baiano. Vejamos:

[...] morada dos caboclos [...] nesses lugares são cultuados os donos da terra, os índios, notadamente, os Tupinambás que habitaram a região [...] são realizadas as obrigações e oferendas aos donos da terra pelos corpos itinerantes do povo-de-santo de São Félix [...]. (VELAME, 2012, p.441)

O Olumo Rock (Pedra Grande em Abeokuta-Ogun/Nigéria), as Pedras Negras de Pungo Andongo (Pedra grande em Cacuso – Malanje – Angola) e a Pedra de Xangô (Pedra Grande em Salvador-Bahia-Brasil), guardadas as suas particularidades, reúnem uma série de

dramas sociais, passados traumáticos, conflitos religiosos e tensões geo-politicas que fizeram delas palcos de disputas dos mais variados segmentos. O Olumo Rock, por exemplo, foi abrigo, utensílios, morada, do povo Egba; foi, também, alvo de conflito entre líderes religiosos: como o pastor que roubou pedaço da pedra e sacerdotisas que lá atuavam e desejavam salvaguardar o monumento natural considerado símbolo das suas crenças.

Pedra de Ogum, Pedra de Oxumarê, Pedra da Baleia, Pedra do Sal, Pedra do Cavalo, Pedra Rachada todas estas e mais outras são Otás afro – brasileiros – pontes, moradas dos deuses, lugares sagrados indispensáveis às práticas religiosas. Cada uma possui um enredo e traz consigo a sua história e a dos homens que as incorporaram à sua vida, estabelecendo uma relação de encontro, de natureza espiritual entre o mundo metafísico (invisível) e o mundo físico (visível).

A Pedra de Xangô em Cajazeiras também faz parte desse rol de lugares sagrados. Segundo o imaginário popular, o sítio natural foi palco de luta, resistência, rota de fuga de escravizados fugidios, remanescentes de quilombos, morada dos índios tupinambás, dos orixás, voduns, inquices e caboclos. Mas, antes de adentrarmos no tema propriamente dito, é importante conhecer os atributos e o universo simbólico que mantêm vivos e reatualizam os mitos referentes a Xangô, Nzazi, Sogbo, aos caboclos e às pedras.