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ILÊ AXÉ OXALUFÃ: A FESTA DE XANGÔ

ANEXO X – Ofício CONDER: Atendimento ao Ofício com envio da Base

3 A PEDRA NO CONTEXTO DA DIÁSPORA AFRICANA

4 RITUAIS DOS TERREIROS DE CANDOMBLÉ DE CAJAZEIRAS E SUA RELAÇÃO COM A PEDRA DE XANGÔ

4.3 ILÊ AXÉ OXALUFÃ: A FESTA DE XANGÔ

Ilê Axé Oxalufã significa. A casa da força de Oxalufã. Tendo como patrono o orixá Oxalufan e cumeeira o orixá Xangô, o terreiro foi fundado em 1993 pelo babalorixá Gilmar Pereira da Silva79. Da nação Keto. Está localizado na Rua Jaguaribe I – Caminho 6 – Casa 26 - Fazenda Grande II (figuras 35 e 36). O calendário litúrgico do terreiro é: Festa de Oxalufã – maio; Feijoada de Ogum – junho; Olubajé – Iansã Badé e Xangô – setembro.

O Ilê Axé Oxalufã, para os estudiosos do candomblé, poderia ser classificado como um típico “terreiro de laje”, ou seja, aquele templo que foi verticalizado para atender às necessidades ritualísticas. Composto de quatro pavimentos, os espaços sagrados são assim distribuídos: no térreo, o barracão, o quarto do orixá Exu, a camarinha, cozinha, banheiros e área externa.

Figura 35: Ilê Axé Oxalufã

Foto: Juscelino Pacheco. Acervo: Maria Alice Silva, 2016.

79

. O Babalorixá Gilmar Pereira da Silva cuja dijina é OdéIbóToji, é filho de santo deNilton Ramos dos Santos, do município de São Francisco do Conde – Bahia.

Figura 36: Localização áerea do Ilê Axé Oxalufã.

Fonte: Google Earth, 2016.

O espaço mato (figura 37) resume-se a um canteiro de um metro de largura por dezesseis metros de comprimento. Neste local foram plantadas seis espécies de folhas sagradas: akokô, folha da costa, sangue lavou, aroeira, ewe e ebó - a floresta sagrada do terreiro. No primeiro andar, a casa do babalorixá. No segundo andar, quartos do jogo, das equedes, dos ogans, das iaôs e a casa do orixá Ogun. No terceiro andar: a casa do Orixá Oxalufã.

Figura 37: Ilê Axé Oxalufã

Acervo: Ilê Axé Oxalufã, 2016.

O terreiro de Pai Gilmar Silva celebra o orixá Xangô, até porque a cumeeira da casa lhe pertence. Existe uma afinidade entre Xangô e Oxalá e o mito a seguir relatado dá a dimensão desse vínculo:

[...] A história conta que Oxalufã – o velho Oxalá(Oxalufon ou Obatalá em Ifé) - apesar da negativa do oráculo de Ifá, decidiu visitar seu amigo Xangô. Ifá recomendara que ele suportasse todas as adversidades com paciência. No caminho, Oxalá teve três encontros com Exu (a divindade trapaceira dos iorubás), que maliciosamente derramou azeite de dendê (e outros produtos de acordo com algumas versões) em suas vestes brancas. Oxalá trocou-as e seguiu sem reclamar. Enfim alcançando o reino de Xangô, encontrou um cavalo dos cavalos do rei que havia escapado. Os servos de Xangô apareceram nesse momento e, pensando que Oxalá tentava roubar o animal, o capturaram e o aprisionaram por sete anos. Enquanto este permaneceu na prisão, o reino enfrentou todo tipo de infortúnio, epidemias e enfermidades. As mulheres ficaram estéreis, o solo tornou-se infértil, e assim por diante. Sem saber do aprisionamento de Oxalá, Xangô consultou Ifá e foi informado

de que um velho homem fora injustamente encarcerado no seu reino. Então, ele encontrou seu velho amigo e exigiu sua soltura de imediato. Envergonhado desse terrível erro, Xangô ordenou que seus servos banhassem Oxalá e o vestissem de branco outra vez. A Oxalá foram ofertados presentes e ele voltou para casa. (PARÉS, 2014, p.165).

A relação dos rituais do terreiro Ilê Axé Oxalufã com a Pedra de Xangô éde ordem mítica, histórica, política, organizacional e existencial, pois a realização dos atos litúrgicos, a preservação dos mitos, a manutenção do axé da casa dependem das matas, nascentes e pedras existentes no entorno do monumento lítico. Pai Gilmar Silva relata como e quando conheceu a Pedra de Xangô. Vejamos:

Conheci a Pedra de Xangô depois que abriu a pista – Avenida Assis Valente, mas já trabalhava naquele local para coleta de folhas, trabalhos espirituais, oferendas de ruas, inclusive iniciei dois filhos meus de Oxumarê por lá. Vinicius Correia Brito – dijina Dan Reci -iniciado em 2004 foi um deles. Dan Reci teria que ser iniciado nas águas e o jogo indicou as nascentes próximo à Pedra de Xangô. Muitas das folhas utilizadas no ritual só foram encontradas lá, no momento da iniciação80.

Mas é o próprio Vinicius Correia Brito, o Babalossaim Dan Reci, 30 anos, que, ao ser entrevistado, forneceu com maiores detalhes a sua relação, enquanto filho de santo do terreiro Oxalufã com a Pedra de Xangô:

Cheguei a Cajazeiras em 1989. Conheci a Pedra de Xangô em 1996 quando fui morar na Fazenda Grande II, Quadra C, Via Local C. O fundo do meu prédio dava para a Pedra de Xangô, também conhecida como Pedra da Godia. Era toda uma área de mata fechada, só tinha trilhas. Para passar de um lado a outro tinha que passar por dentro da pedra. Era só rio e trilhas que davamacesso para as outras Cajazeiras, Cajazeiras 10, Fazenda Grande I e II. Não era uma área urbana. Na pedra tinha muitos pássaros, micos e sagüins, após a construção do Pistão eles desapareceram.Tinham pessoas que criavam boi. No acesso a barragem tinha muitos lagos.Tinha muitos agdás. Eu sempre pegava os queimados e frutas para chupar. Na minha feitura de santo, havia a necessidade de água corrente e foi próximo a pedra que fui iniciado. Eu não vou esquecer nunca,colocaram me sentado numa pedra em formato de banco, á água batia na altura do meu ombro, as folhas que faltavam só foram encontradas ali, com a força da água as folhas vieram aos meuspés acompanhadas de uma cobra, ao ponto do meu pai pequeno dizer Gilmar esse menino tem santo. Foi um momento único, de muito

80 Pai Gilmar Pereira da Silva, sacerdote do Ilê Axé Odé Oxalufã, Salvador, entrevista concedida a pesquisadora

significado, eu morri para o mundo e nasci para o santo. É um lugar sagrado, nunca mais voltei lá81.

A preparação da festa de Xangô é realizada durante uma semana. O rito começa na segunda feira, todos os filhos devem estar na roça. Na terça feira, o rito continua com os ossés - limpeza dos pejis e pepelês82.

Por não possuir espaço mato, Pai Gilmar Silva (figura 38) e o seus filhos vão buscar as folhas específicas para Xangô (folha de mangueira, bambu, mariowô etc.)nas proximidades da Pedra de Xangô. As folhas são o sangue branco, a seiva, o líquido (ver mapa 5).

Na quarta feira, o ritual avança com o orô (sacrifício dos animais) e o preparo das comidas de Xangô que são colocadas aos pés do orixá, em seu assento. Na quinta feira,são suspensas as oferendas a serem colocadas na Pedra de Xangô. Na sexta feira, o ritual segue com todos os filhos recolhidos.

Figura 38: Babalorixá Gilmar Silva

Acervo: Ilê Axé Oxalufã, 2016.

81Babalossaim, Vinicius Correia Brito, 30 anos, Salvador, entrevista concedida a pesquisadora, em 2016. 82 Pepelê – banco de terra

O ápice do rital ocorre no sábado com a festa pública. O terreiro é ornamentado atendendo ao repertório simbólico do orixá. Assim, no centro do barracão, um pilão revestido de tecidos branco e vermelho e demais insígnias de Xangô (figura 39) anuncia que a festa é do Orixá da justiça, do fogo.

Figura 39: Símbolos do orixá Xangô

Foto: Juscelino Pacheco. Acervo: Maria Alice Silva, 2016.

Forma-se o Xirê (figura 40), a grande roda. Inicia-se a grande festa. Agô Ilê. Pede-se licença. Os caminhos por onde o orixá passou no Ayê são ritualizados, mas antes é preciso convidar os outros orixás. Toca-se e canta-se para Ogum, o dono do caminho; para Oxóssi que traz a caça e a fartura; para Ossaim o senhor das folhas; para Oxumarê, o senhor do arco íris, as iabás, Iemanjá, Iansã, Obá, Oxum e demais orixás do panteão. “As danças do xirê, que se realizam em roda [...] têm como função separar a esfera sagrada da profana ao tempo em que transformam o centro do barracão no palco da dança”. (SANTOS, 2012, p.147)

Figura 40: Xirê

Foto: Juscelino Pacheco. Acervo: Maria Alice Silva, 2016.

Chega o momento do ritual de reverência ao dono da festa. Xangô através de seu filho, chega em terra. O momento é só dele e de sua fiel companheira, Iansã. Xangô e Iansã dançam, desfilam com o fogo no meio do barracão (figura 41).

Figura 41: Festa de Xangô

Segundo Santos, (2012, p. 147-148):

O mito que serve de referência às danças rituais da cerimônia do ajerê narra como Xangô conquistou o fogo. Quando o rei de Alafim morreu, houve muita confusão na indicação do sucessor. Contrariando os interesses dos grupos que disputavam o trono entre si, a família real escolheu o jovem Xangô, um simples escravo, para suceder ao rei, o que provocou muitos descontentamentos. Almejando reverter a situação, Xangô envia uma de suas três esposas à terra de Bariba em busca de um trabalho mágico que o fizesse ganhar prestígio entre os súditos. Por ser a mais fiel e compamnheira das consortes, Iansã é a escolhida para a missão. No caminho de volta com a porção mágica, Iansã resolve experimentá-la, e, ao fazê-lo, sente imediatamente seus efeitos, passando a soltar fogo pela boca. Ela conta o ocorrido a Xangô que, muito enfurecido, toma o restante da porção quelhe usurpara. Em seguida parte com Iansã para falar aos seus súditos, diante dos quais, numa demonstração de força e poder, lança fogo pela boca com muita fúria, provocando grandes destruições. Com isso, o povo reconheceu a sua potência e o aclamou rei.

Em seguida Xangô e Iansã surgem no salão com as gamelas com o Amalá de Xangô e depositam no centro do barracão (figura 42).

Figura 42: Gamelas com o Amalá de Xangô

Depois desses rituais, Xangô e Iansã retiram-se e vão vestir seus paramentos, suas roupas de gala para tomar o run e serem homenageados. Santos faz uma reflexão sobre a festa no candomblé e vai buscar em Duvignaud uma citação que resume o que é a festa no candomblé. Vejamos: “o mito expresso em gesto é ainda mais rico que o mito narrado, não só porque ele aparenta um „como se da existência e nos engaja na vida imaginária, mas, sobretudo, porque extrai o mito da linguagem e o substitui na rede de comunicação”. (SANTOS, 2012, p.148).

A situação espacial do Ilê Axé Oxalufã é emblemática. O terreiro está cercado pelos conjuntos habitacionais do BNH. As áreas verdes estão em pequeno número. É curta a distância do percurso entre o terreiro e a Pedra ( ver mapa 5). Diferencia-se dos demais pela sua arquitetura em pavimentos, conhecida popularmente como “terreiro de laje”e possui três andares. É o mais diferenciado dos terreiros, necessita de atenção pela inexistência do verde tão importante para os seus rituais.83

O ritual da festa de Xangô no Ilê Axé Oxalufã, que se realiza durante uma semana, desvela a presença, a morada de Xangô em três lugares: a Pedra de Xangô; o assento de Xangô no quarto da divindade em seu interior e o pilão de Xangô no centro do barracão. É o ritual, o fluxo de axé que conecta o assento de Xangô no terreiro. Na quarta feira, são arriadas as comidas sagradas aos pés da Pedra de Xangô; na quinta feira, a comunidade faz as oferendas de comidas sagradas no monumento e, no centro do barracão, é arriado o amalá nas gamelas aos pés do pilão – símbolo de Xangô. Ao redor dele, Xangô dança com o fogo nas mãos ao som do alujá. O rito agrega a arquitetura verticalizada da casa. Uma dimensão horizontal transforma um espaço contínuo em uma configuração em rede, teia na qual o sentido de um lugar remete e ressignifica o outro. O rito faz com que o assento de Xangô no barracão e a Pedra de Xangô sejam uma coisa só, uma unidade invisível inseparável são as moradas de Xangô.

83 “A noção africana de um espaço plástico, que se refaz simbolicamente, tornou-se bastante operativa na

escassez imobiliária carioca. O terreiro – que já é um espaço refeito, com vistas às especificidades territoriais brasileiras – passou a conter-se em apenas uma casa, às vezes numa parte da casa ou em pequena sala anexa a um barraco residencial. Por mais comum que fosse, o espaço sacralizava-se por meio de rituais adequados e pela presença de representações mítico-religiosas de origem negra (eguns e orixás reelaborados: pretos-velhos, caboclos, boiadeiros, exus, encantados) ou branco-católica (São Jorge, São Cosme e São Damião, São Sebastião e outros) analogicamente aproveitada”. (SODRÉ, 2002, p.80).

Mapa 5: Percurso entre Ilê Axé Oxalufã e a Pedra de Xangô no ritual da Festa de Xangô.