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Fonte: C.V.M., Empresas de Secutitização de Recebíveis

e Fundos de Pensão. Base Cartográfica Digital e Geoprocessamento: Prof. Dr. Reinaldo P Pérez Machado. Dados de 2002 a 2004.

Org.: Reinaldo P Pérez Machado e Adriano Botelho. © 2005

Dessa forma, como empreendimentos de mercado, voltados para as camadas de rendimentos mais altos da população, acentuam o caráter de fragmentação e hierarquização do espaço urbano, ao concentrarem seus investimentos em áreas já valorizadas, aumentado a distância sócio-econômica que separa essas áreas do restante da cidade. E o poder de intervenção no espaço urbano das empresas do setor imobiliário se amplia com a aliança com o setor financeiro, garantindo recursos necessários tanto para a superação da barreira colocada pelos altos preços da terra urbana quanto para a aceleração do tempo de rotação do capital no setor da construção. Por outro lado, complexifica-se a questão da segregação sócio-espacial, pois os empreendimentos em questão (principalmente os grandes condomínios residenciais e centros empresariais) muitas vezes encontram-se isolados de seu entorno, formado por áreas pobres ou de favelas, tornando-se verdadeiras fortalezas muradas e dependentes de um forte aparato de segurança para garantir a tranqüilidade de seus moradores, como é o caso do Bairro Panamby.

O Fundo de Investimento Imobiliário Panamby

a) Histórico da área e de formação do Fundo.

Para se entender a formação do Fundo de Investimento Imobiliário Panamby faz-se necessário uma análise do histórico da área onde foi implementado, sobretudo no que diz respeito à propriedade do terreno e do dispendioso processo de sua aprovação, enquanto empreendimento imobiliário, pela administração municipal.

A área na qual o Bairro Panamby foi projetado possui uma história peculiar. Trata-se de uma grande gleba (cerca de 482.215 m²) denominada Chácara Tangará, localizada no vetor de maior valorização imobiliária da cidade de São Paulo (vetor sudoeste), próxima à Marginal Pinheiros, entre as Pontes João Dias e Morumbi, e que contava com uma cobertura vegetal secundária em avançado estágio de recuperação, com várias espécies de vegetação (pau-ferro, jequitibá, jacarandá paulista, ipês, embaúba, quaresmeira, etc.), que a caracterizava como sendo um dos últimos testemunhos representativos da Mata Atlântica dentro da área urbana do município de São Paulo. A área conta também com uma nascente de um córrego que deságua no Rio Pinheiros, caracterizando-se, até a década de 1990, como um raro exemplo de curso d’água não poluído no município de São Paulo (AGB,

1989). A área também contava com edificações históricas: uma casa de taipa do século XIX e uma residência inacabada projetada pelo arquiteto Oscar Niemeyer, datada de 1955, cujo jardim foi projetado pelo paisagista Burle Max.

O terreno, parte de uma antiga fazenda, foi propriedade da rica família Pignatari. Nos idos da década de 1950, Baby Pignatari (Francisco Pignatari) imaginara uma mansão de sete mil metros quadrados desenhada por Oscar Niemeyer e com jardins traçados por Burle Marx, que incluía piscinas e uma sala de projeção para 500 pessoas, para acolher sua noiva, a princesa Ira Furstemberg. Para tanto, entre 1952 e 1957 ele comprou os terrenos dos antigos proprietários da área, como membros das famílias Oliveira, Almeida, José Mello Alves, Júlio Bouquet, entre outros, sendo que a última parcela (de 84.456 m²) formadora da gleba atual foi adquirida por ele bem mais tarde, em 1968, sendo de propriedade da então Light – Serviços de Eletricidade S.A. (herdeira da São Paulo Tramway, Light and Power Company, Limited)81. Com o fim da relação, Pignatari abandonou o projeto e o terreno ficou sem uso, até ser comprado pela Lubeca S.A. – uma empresa ligada ao Moinho Santista Indústrias Gerais, que por sua vez pertencia ao grupo argentino Bunge & Born - do Espólio de Francisco Pignatari em 1986. Essa empresa planejava desenvolver no local um ambicioso projeto envolvendo de 10 a 12 torres de escritórios e de 30 a 35 edifícios de apartamentos de alto padrão, com 20 andares cada um, além de um hotel cinco estrelas, avaliado em cerca de 600 milhões de dólares na década de 1980, para uma área construída de aproximadamente 600 mil m² (Biancarelli, 09/06/1989). Associada à Lubeca estava a construtora e incorporadora Birmann S.A., que comprou cerca de ¼ do terreno em 1986, segundo Rafael Birmann82.

Tal área foi rebatizada pela Lubeca como Panamby, que quer dizer em tupi-guarani “borboleta azul”, em referência à quantidade de borboletas na área e a um projeto da Lubeca, na época do lançamento do empreendimento imobiliário, de criar um berçário de borboletas nativas da região.

Porém, dados seus atributos naturais, históricos e arquitetônicos e tendo em vista a ação de desmatamento realizada pela Lubeca, a área em questão teve seu tombamento

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Tal terreno fora adquirido pela Light em 1945 no bojo de suas prerrogativas de preferência de compra das terras situadas na linha de enchentes do rio Pinheiros. Para mais detalhes sobre a atuação da Light em São Paulo, em especial sua atuação no mercado imobiliário, ver a fundamental tese de Seabra (1987).

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pedido pela Associação de Geógrafos Brasileiros (AGB – Seção São Paulo) no ano de 1989, pedido reforçado pelo, na época, deputado federal Fábio Feldmann (PSDB), pelo deputado federal Ivan Valente (PT) e pelos vereadores Roberto Trípoli (PV), Mauricio Faria (PT) e Adriano Diogo (PT). Conjuntamente com a AGB, outras entidades, como a Oikos (União dos Defensores da Terra), o Sindicato dos Geólogos de São Paulo, o Sindicato dos Arquitetos de São Paulo, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), entre outros, formaram o Movimento Pró-Parque Tangará como forma de pressionar a prefeitura e o CONDEPHAAT (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado) para o tombamento da área e a sua transformação em um parque, o Parque Tangará.

A empresa Lubeca alegava, na época do pedido de tombamento, que havia realizado os Estudos de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) devidamente aprovados pelo IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) e pelo CONSEMA (Conselho de Avaliação de Relatórios de Impacto Ambiental) em abril de 1989, de autoria da empresa KRAF Planejamento Ambiental S/C. Ltda., e de uso e ocupação do solo requeridos, realizado por Aflalo e Gasperini Arquitetos Ltda., e que e o projeto havia sido aprovado pelos órgãos competentes da gestão municipal anterior (1984- 1987). Porém, segundo relatório da AGB (1989), no projeto aprovado originalmente, apenas 20% da vegetação seria preservada, em três parques (dois públicos e um particular) e o uso democrático do espaço ficaria seriamente comprometido, bem como a função ambiental da área seria totalmente descaracterizada.

Em 03 de julho de 1989, a Equipe de Áreas Naturais do CONDEPHAAT concluiu relatório favorável ao início do processo de tombamento da Chácara Tangará, que foi iniciado em 17 de julho de 1989 por decisão do Colegiado do CONDEPHAAT (processo 27.096/89), sendo notificada a empresa, em 19 de julho do mesmo ano de que não poderia avançar com as modificações na área até a conclusão do processo. Porém, apesar dessa proibição a empresa requereu, ao longo do andamento do processo, uma série de autorizações para o desmembramento em glebas (alegando ter sido tal desmembramento aprovado pela CETESB – Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental) e a realização de obras viárias e de terraplenagem, que foram autorizadas, o que levou à

contraditória situação de uma área que era alvo de tombamento estar sendo constantemente modificada pela ação de tratores e máquinas pesadas.

Em agosto de 1989 um relatório anexado ao processo pela Lubeca e realizado a pedido da Prefeitura Municipal de São Paulo, assinado pelo Professor Titular do Instituto de Biologia da UNICAMP, Hermógenes de Freitas Leitão Filho, em contraposição às análises realizadas anteriormente pela AGB e outras entidades envolvidas no pedido de tombamento, bem como ao relatório realizado pela citada Equipe de Áreas Naturais, concluiu que a área da Chácara Tangará era uma área que apresentava “manchas de

vegetação florestal com elevados índices de perturbação” cuja recuperação seria muito

difícil, sendo a parte digna de preservação composta por duas áreas menores de encosta, sendo favorável, portanto, à implantação do projeto imobiliário como uma forma de viabilizar a recuperação dessas áreas. Em documento divulgado à época pela Prefeitura Municipal de São Paulo, foram repudiadas as acusações de favorecimento à Lubeca e ressaltados os ganhos, à população como um todo, representados pela doação maior de terrenos ao Município do que o previsto no projeto original da Lubeca, a preservação de 55% da área como “área verde” (parques e áreas privadas) e a não necessidade de gastos em desapropriação da área a ser preservada e aberta ao público.

Paralelamente, a prefeitura começou um processo de negociação com a Lubeca para a doação de áreas para uso institucional e de preservação de parte significativa da vegetação. Logo se percebeu, tanto no âmbito da administração municipal, como no próprio movimento que pedia o tombamento da área, que seria inviável a sua desapropriação, dado o alto custo do terreno e os perigos de abertura da área ao público sem os cuidados necessários. Dessa forma, a saída encontrada foi a negociação com e empresa, buscando-se a preservação dos edifícios significativos e da vegetação nativa, ao mesmo tempo em que tornava-se atrativo para a empresa e existência dessa área preservada, devido à valorização do empreendimento em decorrência da existência de uma significativa área verde preservada na forma de um parque. A prefeitura chegou a retirar o embargo às obras viárias do projeto após acordo com a Lubeca, sem comunicar ao CONDEPHAAT. Na época, estourou um escândalo (“caso Lubeca”) envolvendo a empresa e o então vice- prefeito e Secretário de Negócios Extraordinários, Luiz Eduardo Greenhalgh, acusado de pedir “propina” à empresa para a campanha eleitoral presidencial do partido em 1989, no

valor de US$ 200 mil83. Pode-se questionar, então, até que ponto a administração municipal estava envolvida com o processo de tombamento.

Em dezembro de 1990, tendo em vista as modificações já realizadas na área, os pareceres de especialistas em botânica e as negociações realizadas entre a administração municipal e a Lubeca, a Equipe de Áreas Naturais modificou seu parecer de tombamento, restringindo-o apenas às áreas do parque, com considerações de limitação do gabarito dos futuros edifícios em 25 andares para evitar maior sombreamento na área de vegetação, a respeito da ocupação das áreas que faziam divisa com a Marginal Pinheiros e sobre a recuperação e preservação das áreas verdes remanescentes. Em 17 de dezembro de 1990, o Colegiado do CONDEPHAAT deliberou aprovar o parecer favorável ao tombamento das porções da Chácara Tangará definidas como Parque Público, respaldando, assim, as negociações entre a prefeitura e a Lubeca. Mas é somente com a Resolução da Secretaria da Cultura datada de 06 de abril de 1994 que, oficialmente, as áreas de parque da antiga Chácara Tangará são consideradas como tombadas, encerrando o processo. A inscrição da área foi realizada então no Livro de Tombo Paisagístico do CONDEPHAAT, sob o número 28, p. 309, em 23/05/1994 (CONDEPHAAT, processo 27.096/89).

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O chamado caso Lubeca foi investigado em três frentes: na comissão de averiguação da prefeitura criada pela prefeita, na época Luiza Erundina, na CEI (Comissão Especial de Inquérito) da Câmara Municipal e num inquérito da Polícia Civil. Todas as três investigações foram arquivadas sob alegação de falta de provas conclusivas.

Figura 3 – Chácara Tangará - Área tombada pelo CONDEPHAAT, 1994.

Fonte: CONDEPHAAT, Processo 27.096/89.

Na figura abaixo, pode-se comparar a área que fora inicialmente considerada como alvo de tombamento com o que efetivamente foi tombado (Figura 3).

Figura 4 – Área de pedido inicial de tombamento da Chácara Tangará, 1989.

Fonte: CONDEPHAAT, Processo 27.096/89.

Assim, percebe-se que logo após a abertura do processo, as partes convergiram para um acordo que, desconsiderando o movimento inicial de tombamento e os trabalhos dos técnicos do CONDEPHAAT, liberava o projeto imobiliário em troca da preservação de uma parte da área e da doação de áreas institucionais para a prefeitura.

No acordo realizado no início de setembro de 1989, entre a administração municipal e a Lubeca, ficou decidido que a empresa cederia ao Município uma área para uso institucional de 24.110,78 m² e para parques de 138.279,22 m², bem como recuperaria o jardim desenhado por Burle Marx, plantaria mudas de árvores na Administração Regional de Campo Limpo, cercaria com grades o futuro parque, e construiria uma creche padrão de 600 m² em outra área (Longo, 26/09/89; Ata da Reunião entre a Lubeca e Grupo de Trabalho da Prefeitura do Município de São Paulo, 04/09/1989). Porém a empresa obteve o direito de computar o equivalente da área doada no cálculo do coeficiente de aproveitamento no que excedia às doações obrigatórias por Lei para qualquer empreendimento de grande porte, bem como a alteração da posição do viaduto projetado para a via de ligação desde a Estrada do Morumbi até a Marginal do Rio Pinheiros.

Em 31 de agosto de 1993, já na administração municipal de Paulo Maluf (1992- 1995), foi assinado um Termo de Assunção entre a prefeitura e a Panamby

Empreendimentos Ltda. (nome assumido pela empresa responsável pelo projeto em 1993,

sucedendo a Lubeca no empreendimento84), no qual os termos do acordo estabelecido com a prefeitura foram oficializados. Em 08 de agosto de 1994, a creche de 600 m² teve sua localização definida, sendo construída na Favela Água Branca, entre a Marginal esquerda do Tietê e a Avenida Marquês de São Vicente, sendo, na prática, parte do Cingapura construído na área, obra de maior visibilidade política do prefeito Paulo Maluf.

Mas como o projeto acabou envolvido em polêmicas de todo o tipo, bem como sofreu processo de tombamento, o que retardou a sua aprovação por oito anos, a empresa Lubeca, que possuía apenas esse terreno como atuação imobiliária em São Paulo, acabou perdendo o interesse em levar adiante as obras do Panamby, colocando à venda a gleba. Mas tal área tinha um preço muito alto, dadas as suas dimensões e localização, e o potencial comprador deveria também assumir as obrigações assinadas pela Panamby Empreendimentos com a prefeitura, além daquelas assumidas com as concessionárias públicas, como fazer a rede de

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A Lubeca S.A. Empreendimentos e Administração comprou o terreno do Espólio de Francisco Pignatari em 1986. Em 1990 mudou sua razão social para Lubeca Desenvolvimento Imobiliário S.A. Em 10 de março de 1992 novamente alterou sua razão social para Santista Desenvolvimentos Imobiliários S.A., sendo em 1993 incorporada à Panamby Empreendimentos e Administração Ltda. Posteriormente, em 30 de março de 1994, essa empresa passou a configurar a Syntechrom-Panamby Indústria, Comércio e Empreendimentos Ltda, vendendo, em 1995, o terreno para o Banco Brascan S.A., representante do Fundo de Investimento Imobiliário Panamby.

energia, de água, de esgoto e de iluminação, o que restringia os interessados, como relatou a arquiteta ligada ao atual proprietário do empreendimento (o Fundo de Investimento Imobiliário Panamby), Maria Olide85.

Dadas as dificuldades em questão, em 1995 foi lançada a idéia de formação de um Fundo de Investimento Imobiliário para reunir os capitais necessários para a concretização do negócio, tendo à frente de tal iniciativa os Bancos Bradesco e BRASCAN S.A. Segundo Sérgio Belleza Filho, da Coinvalores, o Bradesco tinha interesse na venda do terreno, pois o grupo Bunge, proprietário da Lubeca (depois Panamby Empreendimentos) poderia quitar parte de uma dívida com esse banco se vendesse o terreno em questão.

Dessa forma, com a organização do Fundo Imobiliário, o terreno foi vendido sob forma de propriedade fiduciária ao Banco Brascan S.A86 em 1995 por R$ 61.950.000,00. É bom ter em conta que nesse ano a moeda brasileira era equivalente ao dólar (chegando um real a valer mais que um dólar no mercado de câmbio), ou seja, o terreno, na época, custou mais de 60 milhões de dólares. Além do alto preço, os custos estimados, em 1994, pela

Panamby Empreendimentos para a execução das obrigações assinadas com o Município

(recuperação da vegetação, construção de um viaduto e de uma passarela para pedestres, manutenção e equipamento dos parques e construção da creche) e com as concessionárias de serviços públicos (água, esgoto, gás, iluminação pública, energia elétrica, águas pluviais) chegavam a R$ 3.870.000,00.

A melhor saída encontrada pelos agentes do mercado imobiliário e financeiro para o terreno da antiga Chácara Tangará foi a constituição de um Fundo de Investimento Imobiliário reunindo capitais de investidores institucionais, principalmente os Fundo de Pensão. Tratava-se de uma verdadeira inovação no mercado imobiliário, na medida em que as barreiras colocadas pela propriedade da terra e pelo processo de regulamentação do empreendimento foram levantadas pelo capital financeiro autonomizado, dando lugar a um ambicioso projeto imobiliário e urbanístico. A seguir será analisada com mais detalhes a estrutura do fundo de investimento imobiliário.

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Entrevista concedida em 19/01/2005.

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Por propriedade fiduciária entende-se o regime de propriedade no qual o adquirente se compromete a manter em separado de seu patrimônio anterior o bem adquirido, não o integrando ao seu ativo. Dessa forma, tal bem não faz parte da lista de bens e direitos para fins de liquidação judicial ou extrajudicial do adquirente, não podendo ser dado em garantia de débito de operação do adquirente, não sendo também passível de execução por quaisquer credores.