• Nenhum resultado encontrado

Segunda Parte

Capítulo 5 São Paulo: Da cidade à metrópole A trajetória do mercado imobiliário paulistano.

O objetivo do presente capítulo é o de discutir a formação do mercado imobiliário paulistano como forma de subsidiar os capítulos seguintes, que tratam de casos específicos de produção imobiliária em diferentes áreas do município. Não se trata, assim, de reconstituir a história da cidade de São Paulo, nem de seu mercado de terras, mas apenas indicar as linhas principais de seu desenvolvimento e apresentar ações significativas de agentes do setor imobiliário na cidade, bem como da configuração das áreas de valorização da terra na cidade.

A formação do mercado fundiário e os eixos de valorização imobiliária em São Paulo

A formação de um mercado de terras na cidade de São Paulo somente se inicia com as grandes transformações econômicas e sociais pelas quais a sociedade brasileira passa a partir da segunda metade do século XIX. No caso paulistano, tais transformações estiveram intimamente relacionadas com a expansão da cafeicultura, sobretudo no denominado Oeste Paulista a partir de meados do século XIX (Martins, 2002: 140).

Formalmente é a partir de 1850, com a Lei n. 601, também conhecida como Lei de Terras, que tal mercado passa a ter existência, pois se institui como único meio legal de acesso à propriedade fundiária a compra desta, extinguindo legalmente o sistema vigente anteriormente de doações de datas e sesmarias. Trata-se da instituição da absolutização da propriedade no mercado fundiário e da distinção entre o uso e a posse da propriedade legal da terra.

Segundo Langenbuch (1968: 13), aproximadamente até a década de 1890, a cidade de São Paulo era circundada por um cinturão de chácaras, que além de fins agrícolas encerravam importante função residencial para as famílias abastadas. Essas chácaras

formavam um bloco relativamente compacto, que circundava a cidade51, estendendo-se até as atuais áreas de Ponte Grande, Pari, Brás, Mooca, Cambuci, Vila Mariana, Jardim Paulista, Vila América, Santa Cecília, Barra Funda e Bom Retiro. Foram loteadas por seus proprietários, desde fins do Império, e parece pertinente notar que o desmembramento das antigas chácaras de São Paulo, “mais do que indicar os vetores de crescimento da cidade,

expressa uma mudança de mentalidade e de interesse sobre o valor do solo urbano”

(Costa, 2003: 60).

Pode-se dizer que a partir de 1880 algumas circunstâncias levaram os imóveis urbanos a tornarem-se uma das mais interessantes opções de investimentos (Brito, 2000: 101): a disponibilidade de capitais, que vinha se configurando pelo menos desde 1850, com a proibição do tráfico de escravos, liberando os recursos aí imobilizados por parte dos comerciantes e fazendeiros; o crescimento demográfico e econômico da capital, com o aumento do fluxo de imigrantes e a instalação de proprietários rurais na cidade, o que aumentou bastante a demanda por imóveis por parte de todas as classes de renda; a busca por aplicações seguras em uma conjuntura política incerta nos últimos anos do Império e início da República. Vale lembrar que a economia cafeeira era sujeita a muitas oscilações (problemas climáticos, crises externas, superprodução e oferta excessiva etc.), o que fortalecia o papel da terra urbana como reserva de valor para os capitais excedentes. Outro elemento importante para o aquecimento da atividade imobiliária nos primeiros anos da República foi o chamado “Encilhamento” (1889-1891), que teve em São Paulo o efeito de criar 15 bancos e 207 companhias, muitas delas baseando seus negócios na atividade imobiliária (Barbosa, 1987: 180). Nesses dois anos, 14 companhias dedicadas à construção civil iniciaram suas atividades na cidade, além da constituição de sete imobiliárias e quatro empreendimentos ligados à produção de material de construção, como cerâmica, telha e tijolos.

Logo após a Proclamação da República, o Governo Provisório criou o sistema de propriedades denominado de “Registro Torrens”, “o que permitiu mais uma vez a

apropriação de terras de posseiros e do patrimônio público, possibilitando que o

51

Formaram-se duas faixas concêntricas circundando o centro de São Paulo: o “cinturão das chácaras” e o “cinturão caipira”. O “cinturão das chácaras” foi afetado pela expansão propriamente urbana de São Paulo, já o “cinturão caipira” foi abrangido pela expansão suburbana da metrópole, mais tarde, já no século XX (Langenbuch, 1968: 97). Para uma melhor caracterização das chácaras paulistanas verCanabrava, s.d.

Encilhamento em São Paulo fosse baseado na especulação com terrenos urbanos” (Glezer,

1994/95: 25). Como exemplo do processo de valorização das terras na cidade tem-se o caso de Frederico Glette e Vitor Nothmann que, ao lotearem a Chácara Mauá, antigo Campo Redondo, para famílias de cafeicultores, gastaram cerca de cem contos na aquisição do terreno e auferiram um resultado final de oitocentos contos na venda dos lotes (Toledo, 1978: 25). Campos Elíseos foi o primeiro de uma série de bairros exclusivos da burguesia paulista, que, para Flávio Villaça (1978, p.178), iriam tornar-se comuns e famosos ao longo das décadas subseqüentes, sendo “um representativo produto da especulação imobiliária que já

então grassava violentamente pela cidade” (Idem, ibidem).

Assim, como apurou Mônica Silveira Brito (2000, p.101), os bons rendimentos oferecidos pelo mercado imobiliário e o incentivo oficial aos planos de adequação material dos núcleos urbanos motivaram o surgimento de muitas empresas voltadas para as atividades urbanizadoras, especialmente a compra e venda de terrenos. Dentre as formas de articulação dos empreendedores imobiliários, que revelam alto grau de racionalidade capitalista, temos: a reunião de capitais individuais em sociedades anônimas voltadas à atividade urbanizadora; a combinação de diferentes atividades por parte de uma mesma companhia ou por companhias interligadas, como a compra e venda de imóveis urbanos, a produção e/ou importação de materiais de construção, a exploração de privilégios, tanto para a implementação de infra- estrutura e a prestação de serviços urbanos52; a tentativa, por parte dos empresários voltados ao mercado imobiliário, de estender suas operações à produção e/ou importação de materiais e ao oferecimento de crédito para a construção; a combinação entre o desenvolvimento de atividades urbanizadoras e atividades em outras áreas, sem qualquer vínculo direto com as primeiras, por uma mesma empresa ou por empresários atuantes nessas frentes; a articulação entre empresários e o setor público, pois muitos dos grandes empresários envolvidos em atividades urbanizadoras detiveram cargos públicos ou mantiveram vínculos estreitos (inclusive familiares) com seus detentores, o que lhes permitia participar ativamente do estabelecimento das políticas que diziam respeito à definição dos trabalhos de dotação material urbana a serem implementados e das áreas a

52 Essas empresas, atuando em vários setores, tinham por objetivo, segundo conclusão de Mônica Silveira Brito (2000: 22), explorar as diferentes possibilidades de renda e lucro envolvidos no mercado imobiliário, ou ao menos se propor a isso, articulando a abertura de loteamentos com a construção das habitações, a instalação e exploração de serviços urbanos como abastecimento de água e transporte coletivo, a produção / comercialização de materiais para construção e a cessão de crédito para aquisição dos imóveis.

serem privilegiadas, bem como conseguir privilégios dos órgãos públicos; o número restrito de empreendedores envolvidos nas atividades urbanizadoras53 conferia a eles um controle mais efetivo, seja sobre as etapas a serem vencidas para a viabilização de seus empreendimentos, seja sobre a definição dos lugares a serem objeto de investimentos em infra-estrutura, serviços e outros melhoramentos; a obtenção de monopólios na exploração de serviços urbanos, como o transporte e o abastecimento de água, articulando tais atividades com seus loteamentos; esses mesmos empresários eram ainda proprietários fundiários na cidade, e a terra urbana, do centro ou da periferia, estava concentrada em suas mãos (Brito, 2000: 191-193).

Nas últimas décadas do século XIX a cidade começava a se expandir para as várzeas, ultrapassando os limites da “colina original”. O antigo núcleo urbano transformava-se num centro de negócios que as grandes famílias deixavam para construir em bairros novos. Teve início uma diferenciação funcional de diferentes parcelas da cidade: o comércio, os bancos e as pequenas oficinas passaram a ser dominantes na área central, fazendo com que as residências das famílias ricas se deslocassem para os “bairros novos”; nas terras baixas do Tamanduateí, junto às estações ferroviárias e ao longo das vias férreas instalaram-se os primeiros “bairros-operários”, fazendo com que o Brás viesse a se tornar o distrito urbano mais populoso da cidade; a oeste surgiram “bairros residenciais finos”, particularmente os Campos Elíseos e Higienópolis (Azevedo, 1961: 37-38). Concomitantemente a esse processo de expansão da cidade, ocorreu, segundo apurou Mônica Silveira Brito (2000: 131), um processo de concentração da propriedade da terra no seu entorno, no qual Victor Nothmann, Joaquim Eugenio de Lima, os Paes de Barros, Antonio Proost Rodovalho, tiveram papel destacado.

Uma nova tendência, que iria caracterizar a cidade de São Paulo nas décadas seguintes, começa a partir da década de 1890 (Langenbuch, 1968: 121): trata-se do surgimento de arruamentos isolados, completamente separados da cidade propriamente dita por áreas ainda não loteadas, como foi o caso de Santana, Vila Gomes Cardim, Vila

53

Dos dados pesquisados por Mônica Silveira Brito (2000: 22), podemos inferir como era centralizado o setor no final do século XIX e início do XX: Victor Nothmann foi acionista de 13 de 44 companhias estruturadas sob a forma de sociedade anônima vinculadas à compra e venda de terrenos, loteamentos e construções de moradias no período em questão; Francisco de Paula Ramos de Azevedo em oito delas; os Dias da Silva e Antonio Proost Rodovalho, aparecem em sete; Pedro Vicente de Azevedo em seis; Cícero Bastos em cinco; Domingos Sertório, os Paes de Barros, os Mello Oliveira, entre outros, estão associados a quatro delas.

Prudente, Ipiranga e Vila Cerqueira César. A antiga Freguesia da Penha de França apresentava um arruamento bastante amplo, o que denota que também fora afetada pela expansão da cidade, o mesmo acontecendo com o povoado de Pinheiros, antigo aldeamento indígena e com a freguesia de Nossa Senhora do Ó, porém em escalas mais reduzidas em ambos os casos.

Essa tendência de formação de loteamentos isolados do núcleo mais compacto teria como causa principal a especulação imobiliária, agora forte na cidade que crescia rapidamente, e “que repousava em grande parte na certeza de que os terrenos tinham sua

valorização assegurada, em função do crescimento urbano” (Langenbuch, 1968: 122). O

comprador dos lotes isolados tinha a consciência de que a cidade não tardaria em alcançar o local, valorizando-o.

Segundo Raquel Rolnik (2001: 17), é nesse momento que se constrói um dos primeiros fundamentos da ordem urbanística que governa a cidade até o momento histórico atual: uma região central investida pelo urbanismo (com infra-estrutura, destinada exclusivamente às elites) contraposta a um espaço puramente funcional, normalmente “sem regras”, distante desse centro, onde se misturam o mundo do trabalho e o da moradia dos pobres. Dessa forma, os loteamentos em São Paulo do final do século XIX e início do século XX já revelam um espaço segregado entre ricos e pobres54.

É com a imigração de trabalhadores livres55 que ocorre uma demarcação espacial mais nítida entre classes, entre os patrões e os trabalhadores. A ocupação dos chamados “bairros operários” de fins do século XIX e começo do século XX fez parte dessa estratégia de se segregar os mais pobres, no caso de São Paulo, em direção às várzeas alagadiças, consideradas insalubres e sujeitas a inundações, em oposição às colinas, áreas dos loteamentos das camadas de maiores rendimentos.

54

Segundo Nabil Bonduki (1982: 108), não se pode considerar que São Paulo, no final do século XIX e início do século XX (até 1914) fosse uma cidade estruturalmente segregada. Para ele, o que ocorre neste período é o início de um processo que se acelerará a partir de meados da década de 30 e 40. A segregação da burguesia, no período analisado no presente item, segundo ele, não era uma intenção de fácil realização, pois a própria dimensão da cidade e a forma predominante de habitação popular baseada em cortiços e moradias de aluguel, impediriam uma completa segregação de classes e atividades urbanas.

55 Segundo Rolinik (1999: 30),

a São Paulo escravista era pouco segregada: nas colinas entre os rios Tamanduateí e Anhangabaú, localizavam-se as residências senhoriais e as casas populares, o comércio, os armazéns, os mercados, as oficinas, em um espaço profundamente marcado pela presença dos escravos. Ou seja, o espaço do escravo estava inserido no território do senhor, dominado pela força e violência físicas, marcado por diferenças culturais e pela cor de sua pele, desumanizado pelo discurso etnocêntrico.

Outro fator importante que tem seu fundamento lançado nesse momento de evolução da cidade é a valorização do setor sudoeste da cidade, desenhado inicialmente pelo percurso Campos Elíseos / Higienópolis / Paulista56, e que se prolongará com o transcorrer do século XX, configurando uma centralidade da elite da cidade, “o espaço que

historicamente concentra valores imobiliários altos, o comércio mais elegante, as mansões e apartamentos mais opulentos, o consumo cultural da moda e a maior concentração de investimentos públicos. Na Primeira República, a imagem dessa topografia social é feita de colinas secas arejadas e iluminadas, de palacetes que olham para as baixadas úmidas e pantanosas, onde se aglomera a pobreza” (Rolnik, 2001: 21).

A “marcha do território rico” (Rolnik, 1981: 28), vai abandonando áreas que ficaram encurraladas entre zonas populares, como os Campos Elíseos, espremido entre uma Barra Funda e um Bom Retiro operários e Santa Ifigênia que se encortiçava. A ida para Higienópolis e Avenida Paulista tinha por objetivo o afastamento “do fedor, febres e toda

sorte de “contaminações” das vizinhanças indesejáveis. Neste caminhar vai marcando áreas de fronteira, regiões de transição, onde se misturam territórios ricos e zonas populares” (Idem, Ibidem).

Além de grandes companhias loteadoras, no mercado imobiliário dos subúrbios populares atuava outro tipo de investidor, que associava investimentos na montagem de uma indústria ao desenvolvimento imobiliário da área onde se inseria, como foi o caso de Antonio Álvares Penteado que construiu, em 1889, na rua Flórida, no Brás, a Fábrica de Tecidos Santana, e construiu, na mesma rua, casas e vilas operárias. Os Irmãos Falchi, em 1890, fundaram a Vila Prudente, onde montaram uma olaria e uma vila fabril, e o industrial Jafet, no Ipiranga, instalou uma tecelagem e envolveu-se no arruamento do bairro nos primeiros anos do século XX (Rolnik, 1999: 117-118)57.

56

Segundo Villaça (1978: 179), a burguesia, após a ocupação dos Campos Elíseos, não prosseguiu na direção nitidamente oeste, pois isso significaria continuar junto à estrada de ferro cujas imediações já começavam a ser ocupadas por indústrias e bairros populares como a Barra Funda e o Bom Retiro. Ocorreu então, um “desvio” em direção ao sul de Campos Elíseos e da atual avenida São João, o que indica a procura de sítios mais altos, pois esse desvio marca o início da subida da encosta do espigão da Avenida Paulista, que é o ponto mais alto da região. Na última década do século XIX, a burguesia paulistana demonstrou a preferência por esse desvio formando os bairros de Vila Buarque, Santa Cecília e Higienópolis, sendo este último o segundo bairro exclusivo que surgiu em São Paulo, sucedendo-se ao de Campos Elíseos.

57

Muitos proprietários/empreendedores residiam no interior do próprio empreendimento localizados nos subúrbios populares (Rolnik, 1999: 118), mas esse não era o caso dos grandes empresários, como, entre outros, Antonio Álvares Penteado, Jorge Street ou Francisco Matarazzo.

Pequenos artesãos e comerciantes, que se estabeleciam nos subúrbios populares com quitandas, vendas e oficinas acabavam por edificar, também, de acordo com Raquel Rolnik (1999: 118), nos fundos do lote ou através da compra de novos lotes, casinhas para alugar. Muitos imigrantes, sobretudo portugueses e italianos, utilizavam essa estratégia como modo de aplicar suas poupanças.

Assim, ao findar o século XIX, já se havia estabelecido na cidade de São Paulo um mercado imobiliário considerável, constituído por casas, oficinas e quartos para aluguel e loteamentos de antigas chácaras. Entre 1887 e 1890 o preço médio dos terrenos em São Paulo teria triplicado (Raffard, 1892: 178). O crescimento demográfico decorrente principalmente da imigração e a diversificação econômica decorrente da riqueza gerada pela atividade cafeeira – que se intensificaram a partir do último quartel do século XIX – acirraram a disputa por localizações na cidade, gerando um promissor mercado de venda de terras e aluguel de edificações. No final desse século, já existia uma segmentação desse mercado em submercados: as casas de negócio do centro histórico, os quartos e casas de aluguel residencial em vários bairros da cidade, os loteamentos elegantes e as glebas para lotear.

Nos primeiros anos do século XX o processo de industrialização já se encontra consolidado na capital paulista e a racionalidade do capital monopolista já se manifesta nas grandes concessionárias de serviços públicos, na incorporação de novas tecnologias importadas do exterior (iluminação, bondes elétricos) e nas grandes companhias loteadoras. Segundo Pasquale Petrone (1955: 127), nos primeiros cinqüenta anos do século XX, o processo de industrialização transformou a “metrópole do café” na dinâmica e movimentada “metrópole industrial”, sendo que no final dos anos 30, São Paulo já era o maior centro industrial da América do Sul.

Isso não significa, porém, que a economia paulista e nacional já estivesse sendo liderada pela indústria, ou mesmo que esse setor já possuísse autonomia de crescimento nos primeiros anos do século XX. Na verdade, até 1930 a dinâmica econômica teve a cafeicultura como atividade principal. De acordo com Wilson Cano (1998: 98),

“efetivamente foi a reprodução do capital cafeeiro a essência do processo de acumulação da economia brasileira até 1930, isto é, ele foi dominante durante o transcorrer desse processo”. Foi a atividade cafeeira que possibilitou o acúmulo de capitais até 1930, a

formação de um mercado de trabalho com baixos salários, a criação de uma infra-estrutura para a produção (transportes ferroviários, porto marítimo, comunicações e urbanização), determinando também a capacidade de importar da economia brasileira.

No início do processo de industrialização da capital, a terra passa a ser um elemento fundamental para a capitalização dos pequenos empreendimentos fabris ou comerciais. Em 1902 as terras urbanas foram formalmente incluídas entre os bens possíveis de serem tomados como garantia de crédito, mas a terra urbana já vinha, desde pelo menos o início da década de 1890, ainda que extra-oficialmente, servindo como garantia de crédito, por intermédio dos chamados “agentes comerciais” (Brito, 2000: 118). Segundo Raffard (1892: 177), os imigrantes, pouco depois de terem chegado a São Paulo, efetuavam a compra de um pequeno terreno, que logo hipotecavam, a fim de principiar a construção de sua habitação. Após a conclusão desta com suas economias, reformavam a hipoteca para terem o capital inicial de um pequeno empreendimento industrial ou comercial. Mas essa era uma das relações que o desenvolvimento industrial estabeleceu com o mercado imobiliário.

Em termos de estruturação espacial, as primeiras décadas do século XX consolidaram a tendência observada a partir de 1880, ou seja, a formação dos bairros operários ou proletários, nas áreas das várzeas, e dos bairros burgueses, nas áreas mais altas, em geral de colinas, sem esquecer do centro, que acumulava as funções administrativas e comerciais de maior porte da cidade. E, seguindo a lógica do capital, de ampliar, ao lado da riqueza, o número de trabalhadores ativos e de reserva, os bairros populares tiveram um crescimento populacional muito grande nesse período.

O centro caracterizava-se inteiramente como zona comercial e de administração pública, sobretudo do comércio varejista, ao mesmo tempo em que o comércio atacadista passava a instalar-se nas vertentes do Tamanduateí, junto à colina histórica e à própria várzea.

A zona industrial encontrava-se principalmente nos bairros de várzea, não longe das vias férreas: Brás, Belenzinho, Tatuapé, Comendador Ermelino e São Miguel Paulista ao longo dos trilhos da Central do Brasil; Brás, Pari, Mooca, Ipiranga, São Caetano do Sul e Santo André, acompanhando a Santos-Jundiaí; Barra Funda, Água Branca, Lapa e Osasco, servidos tanto por esta última ferrovia como pela Sorocabana (Petrone, 1955: 129).

A área residencial, que já estava praticamente afastada do Triângulo, aparecia bem caracterizada no restante da cidade: com as modalidades de bairros de classe média, na periferia e no centro e, ainda, em pontos mais ou menos afastados; os bairros operários, localizados nas vizinhanças da zona industrial (configurando áreas mistas de moradia e produção industrial); e os bairros burgueses (ou “aristocráticos”), desde os Campos Elíseos até a Avenida Paulista, junto ao então nascente Jardim América.

Além dessas três áreas da cidade, havia também aquela composta pelos “distritos suburbanos”, que contava com cerca de 22,4% da população paulistana, segundo Bertolli Filho (2003: 46), sendo constituída pelos atuais Cambuci, Santana, Lapa, Penha, São