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2.3 PRINCÍPIOS DA NARRATIVA TRANSMÍDIA

2.3.2 Imersão X Capacidade de Extração

O princípio constituído dos elementos imersão X capacidade de extração está diretamente ligado ao universo ficcional. Quanto mais rico o universo ficcional, mais facilmente a franquia transmídia pode trabalhar com a imersão e a capacidade de extração, dois elementos relacionados com a experiência aprofundada. A imersão, segundo Jenkins (2009b), faz com que o público entre no mundo da história. Já a extração está ligada à retirada de algum elemento da narrativa e a sua incorporação no dia-a-dia do consumidor.

Quando descreve a imersão, Jenkins (2009b) comenta que não é difícil ser transportado para o interior dos micromundos ficcionais, como, por exemplo, nos museus e nos parques temáticos101. Mas o autor destaca que é possível ter uma nova experiência narrativa ao jogar, citando, assim, a importância dos videogames contemporâneos para a NT. Para melhor explicar a importância da imersão para a narrativa, abordam-se as concepções de realidade alternativa de Murray (1999), de imersão textual de Ryan (2004) e os graus e imersão no ciberespaço de Santaella (2004).

Murray (1999) compara a imersão com a entrada em uma piscina ou no oceano, provocando “a sensação de estarmos rodeados por uma realidade completamente diferente” (p. 111)102. A autora enfatiza que o computador, por sua característica participativa, permite uma forma diferente de imersão, relacionada com a representação de um mundo real. Murray (1999) considera que há, nesse caso, imersão multissensorial, a qual pode ser pensada como uma visita com limites espaço-temporais. A autora acrescenta que o entorno digital reforça a verossimilhança e oportuniza a participação ativa na criação do mundo ficcional. Essa ideia

101Davidson et al. (2010) consideram a “mídia ambiental” como um conjunto de recursos para contar histórias e expandir franquias. Entre as “mídia ambientais” consideradas pelos autores estariam os parques temáticos. 102No original:“la sensación de estar rodeados por una realidad completamente diferente” [Tradução do autor da dissertação].

está relacionada tanto com as práticas de realidade virtual quanto com a simples navegação pelos links e lexias de um hipertexto.

A imersão também está no texto. Para Ryan (2004), “a linguagem tem o poder de selecionar objetos do mundo textual, dando-lhes propriedades de insuflar vida aos personagens e ao cenário, em resumo, de conjurar sua presença na imaginação” (p. 118)103. Quanto mais familiar o texto, mais imersivo ele é. Ryan (2004) destaca três formas de imersão relacionadas com a narrativa: (1) espacial ou resposta ao cenário, que corresponde à geografia textual, à descrição do universo; (2) temporal ou resposta ao argumento, ligada ao envolvimento com o tempo da narrativa; e (3) emocional ou resposta à personagem, que compreende as reações do público à história. Ainda existe a imersão espaço-temporal, combinação das duas primeiras experiências imersivas, na qual o leitor é transportado ao cenário da história.

O estudo da imersão do leitor no ciberespaço é uma das preocupações de Santaella (2004), que denomina esse tipo de leitura de imersiva104. Para a autora, o internauta é um leitor mais livre e “em estado de prontidão, conectado entre nós e nexos, num roteiro multilinear, multissequencial e labiríntico que ele próprio ajudou a construir ao interagir com os nós entre palavras, imagens, documentação, músicas, vídeos etc.” (SANTAELLA, 2004, p. 33). A autora detecta quatro graus distintos de imersão no ciberespaço. De forma crescente, segundo Santaella (2004), tem-se: (1) imersão quando se conecta à rede, que simboliza a entrada em um mundo paralelo, imaterial e feito de bits; (2) imersão representativa, associada à representação do internauta no ciberespaço, mas não de forma tridimensional; (3) a telepresença, na qual a tecnologia de realidade virtual está associada “a um sistema robótico fisicamente presente em alguma locação a distância” (SANTAELLA, 2004, p. 46); e (4) imersão perceptiva, que pressupõe experiência mais aprofundada e tridimensional por meio da realidade virtual.

Apesar de Jenkins (2009a) citar a importância da imersão textual para a construção do universo ficcional, o autor (2009b), quando descreve os princípios da NT, destaca a experiência aprofundada. Assim, pode-se relacionar a imersão da NT com a sensação de realidade alternativa descrita por Murray (1999) e com as formas mais avançadas de imersão

103No original: “el linguaje tiene la función de seleccionar objetos del mundo textual, darles unas propiedades, insuflar vida a los personajes y al escenario, en resumen, de conjurar su presencia en la imaginación” [Tradução nossa].

104Santaella (2004) defende um conceito distinto de leitura em função das modificações do contexto semiótico do código escrito, a mescla com outros signos, outros suportes e expansão para outras situações. Dentro dessa perspectiva, existe o leitor contemplativo que pratica uma leitura silenciosa e meditativa; o leitor movente acostumado com dinamicidade e fragmentos; e o leitor imersivo que pratica a leitura nos espaços virtuais.

descritas por Santaella (2004), que são perceptiva, telepresença e representativa. A noção de imersão espaço-temporal (RYAN, 2004) também é válida para colocar em prática a finalidade desse princípio da NT, a partir da sensação de verossimilhança, de sentir que se está dentro do universo da história. Assim, alguns produtos midiáticos são mais imersivos que outros.

No entretenimento, portanto, a imersão pode ocorrer em parques e museus temáticos, que transportam o público para dentro do universo da narrativa, ou em extensões midiáticas que exploram graus mais avançados de imersão (perceptiva, telepresença e representativa), como os videogames ou jogos de computador, o cinema 3D, os ARG's e a realidade virtual.

Já a capacidade de extração ocorre quando a audiência se apropria de algum aspecto da NT e o utiliza como um recurso no dia-a-dia. Jenkins (2009b) ressalta que a “extração” de conteúdo é antiga, citando que o documentário Nanook, o Esquimó (Nanook of the North), de 1922, introduziu o Eskimo Pie, um tipo de picolé de baunilha coberto com chocolate nos Estados Unidos. Jenkins (2009a) cita, ainda, que é possível encontrar diversos exemplos ligados a Mickey Mouse, Gato Félix e Charles Chaplin.

Além da produção ou da comercialização de comidas105, bebidas e objetos que fazem parte do universo ficcional da narrativa, a extração pode se manifestar a partir de fantoches e figuras de ação, dos jogos de realidade alternativa (RPG e ARG), dos jogos de tabuleiro e/ou cartas, das práticas de cosplay, dos flash mobs e dos smart mobs.

Os fantoches e figuras de ação propiciam a construção de histórias a partir de personagens existentes em uma NT. Independente das histórias construídas pela criança estarem ou não relacionadas com a NT, é uma forma de extração. Também com finalidade lúdica e comercial podem ser lançados jogos de cartas ou de tabuleiro relacionados com o universo da história.

Os jogos de interpretação de personagem (RPG/MMORPG) ou de realidade alternativa (ARG), utilizados como extensões midiáticas, também permitem que o público se aproprie da história de maneira mais aprofundada e participativa.

No caso do cosplay, as motivações podem se expressar na identificação com personagem, com a história ou com a franquia, ou ainda causar algum tipo de relação entre o mundo real e o ficcional. O cosplay costuma ocorrer em convenções de quadrinhos e de outros eventos ligados ao entretenimento.

105 Concorda-se com Long (2007) a respeito de que caixas de cereal e outros produtos com personagens estampadas na embalagem não podem ser consideradas como parte da narrativa transmídia, pois não faz parte da história. Esse tipo de produto pode, sim, ser considerado como marca transmídia. A comida, a bebida ou o objeto só é uma forma de extração transmídia se fizer parte do universo ficcional, se estiver inserida na história e se for exclusiva dela. Com isso, também se afasta qualquer associação de merchandising com extração da NT.

Os flash mobs são manifestações efêmeras organizadas a partir do ambiente digital, que ocorrem em grandes centros e locais movimentados sem grandes pretensões e, muitas vezes, com participantes que não se conhecem. Um exemplo de flash mob é Zombie Walk, que reúne fãs caracterizados com personagens de filmes de terror, como zumbis, vampiros e lobisomens.

Diferentemente dos flash mob, os smart mobs têm um intuito de mobilização política. Conforme Lemos e Lévy (2010), mesmo que os participantes do smart mob não se conheçam, defendem causas em comum. É possível utilizar e extrair elementos de alguma narrativa para fazer uma manifestação ativista. Neste ano, por exemplo, um grupo de palestinos se pintou de azul e utilizou demais recursos para se caracterizar como as personagens do filme Avatar. A intenção dos palestinos da localidade de Bil’in106 foi protestar contra a opressão dos soldados israelenses. A escolha de Avatar faz sentido, pois trata da destruição de um povoado fictício com características tribais e sem poder armamentista.

Em resumo, imersão e capacidade de extração permitem ao público se apropriem de distintas formas do universo ficcional e tenha experiências mais intensas, seja ao entrar no mundo ficcional ou dele extrair elementos para os mais distintos fins.