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I. Diagnóstico social

2. A Institucionalização

2.5. Impacto da institucionalização nas crianças e jovens

De acordo com Alberto (2003, p. 227), pensar no impacto do acolhimento institucional a crianças e jovens em perigo “é considerar os fundamentos, as possibilidades e os limites

subjacentes a esta política de intervenção, é ultrapassar a generalidade do conceito e reconhecer a diversidade das instituições, o seu tamanho, objetivos, a sua dinâmica interna e os apoios que tem”. Embora a principal intenção do acolhimento institucional seja proteger a

criança e criar-lhe condições de bem-estar e de desenvolvimento, ao promover o seu afastamento do contexto familiar pode trazer novos riscos, acrescentar traumas e acarretar graves consequências negativas para as crianças e jovens que se encontram, já, numa situação de forte vulnerabilidade e de carências múltiplas.

Segundo Machado e Gonçalves (2003) é necessário ter em atenção quatro aspetos relacionados ao processo de institucionalização que poderão ter consequências negativas nas crianças e jovens. O primeiro aspeto negativo a evidenciar é o sentimento de punição, que decorre do facto de a criança presumir que, ao estar a ser afastada do seu seio familiar, está a sofrer uma punição. O segundo aspeto diz respeito à diminuição/demissão da

responsabilidade familiar, pois, ao retirar-se a criança/jovem, vai-se assistindo a uma

desqualificação gradual da família em matéria de responsabilidades educativas, de desenvolvimento de competências e de predisposição para as assumir. O terceiro aspeto a destacar é a estigmatização e discriminação social, que se refere não só ao desenvolvimento de preconceitos e à conceção de estereótipos sobre as crianças e jovens institucionalizados, mas também às repercussões dos mesmos em matéria de desenvolvimento da

20 autodiscriminação e autodesvalorização.O quarto aspeto negativo a considerar é o contributo da institucionalização para a reprodução das desigualdades sociais, na medida em que atinge sobretudo crianças provenientes de contextos sociais mais desfavorecidos. Ou seja, embora a institucionalização se preocupe com as crianças e jovens, também protege as famílias dos grupos culturais e sociais mais desfavorecidos.

Apesar das crianças e jovens institucionalizados sentirem, por um lado, que as instituições as afastam do contacto e convívio com o seio familiar, por outro lado, reconhecem que estas lhes oferecem meios necessários para a sua segurança e bem-estar. Daí que utilizem, frequentemente, as expressões “lá dentro” referindo-se à instituição e “lá fora” referindo-se ao mundo quotidiano, como se fossem dois mundos desagregados/opostos (Moura, Guerra e Costa, 2005). Como referem Marques & Queiroz “ (…) ao serem

submetidos a uma sociabilidade obrigatória nascida da necessidade de sobreviver num espaço a que o exterior atribui má reputação, na base de uma série de estereótipos prontamente accionáveis sem necessidade de verificação, os indivíduos acabam por ficar enredados numa contradição muito difícil de superar: entre o desejo de ser outro, de esconder o lugar de onde se vem e a solidariedade com os iguais que os impede a aderir funcionalmente ao grupo que, assim, lhes é imposto.” (2014, p.14).

Atendendo, portanto, aos efeitos nefastos da institucionalização não podemos deixar de referenciar os contributos de Goffman (1961) sobre o que denomina de “instituições totais”. Tais instituições caracterizam-se por terem sistemas de funcionamento muito autoritários e inflexíveis, separando os indivíduos da sociedade exterior. Segundo o autor, exemplos que retratam a realidade de uma instituição totalitária são as prisões, os conventos e os hospitais psiquiátricos (idem). Quando entra numa instituição, o indivíduo já tem uma identidade construída, baseada no seu mundo cultural anterior. No entanto, na instituição totalitária essa identidade cultural acaba por sofrer aquilo que Goffman (idem) denomina de “mortificação do eu”, isto é, a existência de um obstáculo entre o mundo exterior e o mundo da instituição. Tal obstáculo leva a que o individuo modifique as suas crenças, quer de si próprio, quer dos seus significativos. As instituições totalitárias não permitem também que os indivíduos tenham, em sua posse, os seus bens pessoais e substituem-nos por outros, dados pela instituição, e que são iguais para todos os usuários. Ou seja, este tipo de instituições não permite que cada individuo tenha os seus bens privados e o seu espaço, enfatizando, portanto, a falta de liberdade e privacidade.

Ainda que não possamos considerar as instituições de acolhimento de crianças retiradas às famílias como instituições totalitárias, no sentido que Goffman (idem) lhe atribui,

21 não podemos deixar de equacionar os efeitos do processo de institucionalização pois, e como refere Silva, “A verdade é que, quando estes são retirados às famílias e são colocados numa

instituição, sofrem a denominada “mortificação do eu”, no sentido em que, muitas vezes, deixam de ter contacto, por completo, com os familiares e com o contexto em que estavam inseridos.” (2016, p. 58). Por exemplo, assim como já mencionado anteriormente, alguns dos efeitos negativos visíveis nas instituições de acolhimento de crianças/jovens passam pela falta de liberdade, pela rutura com o mundo exterior, pela falta de privacidade, pela impossibilidade de decorar o seu espaço à sua maneira, etc.

Segundo Cansado (2009), as crianças e jovens institucionalizados sofrem de um contínuo desassossego e mal-estar psicológico proporcionado pelo abandono, pelos abusos ou pela negligência do seio familiar. Berger (2003) indica que quando existe uma separação dos pais biológicos com a criança, o funcionamento psíquico da criança fica destabilizado e fazendo com esta tenha de “repensar as suas origens e (re) construir uma nova identidade” (p.123). Sentimentos como solidão e perda são os mais difíceis de enfrentar principalmente se tais sentimentos forem sentidos em relação ao seio familiar mais próximo, como os pais. No entanto, e embora algumas crianças e jovens institucionalizados tenham consciência da sua situação, mantêm viva a esperança de voltarem a viver com os seus pais. Porém, quando mais tarde percebem que esse “sonho” não passou de uma mera idealização, desenvolvam sentimentos de revolta e angústia.