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I. Diagnóstico social

3. A importância da aprendizagem de valores

3.1. O que podemos entender por valores?

Quando decidimos fazer algo estamos a realizar uma escolha e, quando fazemos essa escolha estamos a manifestar determinadas preferências por certas coisas e não por outras, evocando motivos para justificar essas mesmas decisões. Neste sentido, embora todos esses motivos sejam apoiados em factos, são os valores que legitimam e justificam verdadeiramente as nossas preferências. Ou seja, os valores “são critérios segundo os quais preferimos ou não

preferimos as coisas, são razões que justificam ou motivam as nossas ações, tornando-as preferíveis a outras.” (Santos, 2008, p. 19)

Na filosofia, o estudo da problemática dos valores é muitas vezes denominado de “axiologia”. Dendo um termo derivado do grego, “axia” significa “valor”. Os valores humanos são constituídos com base na realidade concreta em processos de movimento, de desenvolvimento e de renovação. Desse modo, facilmente podemos apresentá-los a partir das compreensões produzidas pelos filósofos Sócrates, Platão e Aristóteles e terminando nas compreensões concebidas na era contemporânea.

Resumidamente, Sócrates foi o primeiro filósofo a refletir acerca de assuntos estritamente humanos e Platão, seu discípulo, continuou o seu pensamento defendendo que os valores existem como realidades absolutas e que são independentes do mundo material e das limitações da sensação humana, ou seja, afirma que os valores morais são conceitos racionais eternos e imutáveis, exigindo a noção de que existe um conceito de bem (“o bem em si”), um conceito de mal (“o mal em si”) e as ideias racionais que caracterizam imutavelmente qualquer noção de valor moral possível. Em contrapartida, Aristóteles instituiu um campo de estudo intitulado de “ética”, responsável por estudar, qualificar e estabelecer as diferenças morais, organizando-as sob um sistema racional que diferencia o que deve do que não deve ser feito, defendendo que o homem é moldado conforme as suas escolhas sofrendo as consequências, boas ou más, dessas mesmas escolhas. Já na idade média, os filósofos rendem- se à moral cristã como a única verdadeira e possível em que o homem passa a estar dividido entre o bem e o mal. “No mundo moderno, a noção subjetiva de valor é retomada por Thomas

Hobbes (1588-1679) que dizia que o valor não é absoluto, mas depende da necessidade de um juízo. Valor, portanto, é aquilo que é estimado como tal através de um juízo.” (Goergen,

2005, p. 987). Segundo Kant, a realidade move-se em torno dos valores da nossa consciência moral, “ (…) o valor é o dever ser de uma norma (portanto, um a priori) que pode não ter

realização prática, mas que atribui verdade, bondade e beleza às coisas julgáveis. Nesse sentido, os valores não têm realidade ou ser, mas são o dever ser.” (Goergen, 2005, p. 987).

23 masà emoção, uma vez que o homem forte é aquele que não se submete a moral demagógica e repressora.

Neste âmbito, podemos afirmar que o conceito de valor é de definição difícil e dele apenas podemos fazer uma aproximação etimológica. “Existem três âmbitos distintos nos

quais podemos utilizar a palavra «valor»: no âmbito de vivência, e aí estamos no domínio da consciência, da Psicologia; como qualidade, sob o ponto de vista do modo de ser das coisas, e como ideia, à semelhança de Platão, que coisificou os valores.” (Santos, 2008, p. 27).

É da essência do ser humano emitir “juízos de valor” e valorar, o que está associado àquilo que definimos como valioso, e, por isso “valor moral é tudo aquilo que satisfaz as

nossas necessidades ou exigências morais” (Santos, 2008, p. 27).

A determinação do valor está sempre associada a um sujeito: “valor é sempre valor

para alguém. Valor – pode dizer-se – é a qualidade de uma coisa, que só pode pertencer-lhe em função de um sujeito dotado de uma certa consciência capaz de a registar” (Hessen,

2001, p. 23). Porém, quando referimos “sujeito” não estamos a referirmo-nos a um indivíduo, mas sim à espécie humana, pois os valores correspondem ao que existe de comum em todos os homens. Por isso, os valores situam-se no lugar dos objetos não-sensíveis, “na medida em

que os principais caracteres destes objectos são a irrealidade fáctica (têm ser mas não têm existência), intemporalidade (estão para além da extinção temporal), e a objectividade (não existem para este ou para aquele homem, mas para todos os homens). A particular maneira de ser do valor é o seu valer” (Santos, 2008, p. 29).

A problemática dos valores é também descrita na psicologia e nesta vertente destacamos Piaget que estudou esta problemática através do desenvolvimento cognitivo da criança abordando, particularmente, um sistema de mudanças em diversos estágios de desenvolvimento. Isto porque, segundo o mesmoautor, o desenvolvimento moral é o sistema de mudança de relação afetiva que a criança tem com as normas, com a noção do certo e do errado, com as regras e com a consciência dos seus próprios atos, pois “toda a moral consiste

num sistema de regras, e a essência de toda moralidade deve ser procurada no respeito que o indivíduo adquire por essas regras.” (Piaget, 1994, p. 23).

Neste sentido, “estar em grupo” é uma das principais e inerentes características do ser humano e sendo o homem um ser social, a comunicação entre os indivíduos revela uma grande importância nas relações humanas, por isso podemos afirmar que o conceito de valor está relacionado com o produto da socialização (Kluckhohn 1951). Isto porque “valor é uma

concepção (construção lógica), explícita ou implícita, própria de um indivíduo ou característica de um grupo, sobre o desejável, que permite a vida social” (Adler e Silva,

24 2013, p. 22). Assim, através das orientações de valor, tanto as dimensões afetivas como as dimensões cognitivas ganham coerência, formando um aglomerado de proposições interligadas que alcançam os elementos existenciais e valorativos. Trata-se, portanto, de uma “filosofia” que orienta a vida do ser humano, sendo que os valores são a base de construção dessa “filosofia”. Por sua vez, Rokeach (1973) defende que os valores pertencem tanto ao sujeito como ao resultado da sua socialização, visto que o “valor é uma crença, relativamente

duradoura, de que uma conduta ou finalidade de existência é pessoal ou socialmente preferível a um modo oposto ou inverso de conduta ou finalidade de existência” (Kluckhohn,

1951, p.5 – tradução de Adler e Silva, 2013, p. 23), sendo que essas crenças contêm elementos afetivos, comportamentais e cognitivos. De acordo com o autor, um sistema de valores tem como objetivo classificar o preferível numa importância relativa contínua, em que os valores justificam as ações do individuo, perante si e perante os outros. Por isso, tais como os valores, os sistemas de valores são relativamente duradouros. “Relativamente” porque se os valores fossem variáveis e instáveis não poderia existir nenhum tipo de continuidade e, se fossem estáveis seriam inalteráveis, o que impossibilitaria a evolução das sociedades.

Os valores, depois de apreendidos, começam a fazer parte de um sistema de valores organizados hierarquicamente, existindo, porém, uma dualidade já que “pode-se argumentar

que o número total de valores é aproximadamente igual ou limitado pela maquiagem social e biológica do homem e, mais particularmente, por suas necessidades” (Rokeach, 1973, p. 11 –

tradução de Adler e Silva, 2013, p. 23). Neste âmbito, os valores, além de orientarem as decisões, são uma representação da necessidade humana fornecendo, portanto, uma base racional para que o individuo justifique o seu comportamento, perante si e perante os outros.

Já Schwartz (1992, 1999) expõe os valores como criações do desejável, guiando as ações dos indivíduos através das avaliações que são feitas. Desta forma, os valores são critérios intrassubjetivos uma vez que são empregues em situações distintas. O autor afirma, ainda, que o facto de os diferentes grupos sociais compartilharem experiências contribui para que determinados valores sociais sejam compartilhados. Assim, no decorrer do processo de socialização e de adaptação à realidade social, existe uma troca de experiências de valores suscetível de influenciar a hierarquização de valores.

Segundo Rohan (2000), os sistemas de valores possibilitam a compreensão de atitudes e comportamentos/decisões escolhidos na priorização de tipo de valores. Assim, os indivíduos apresentam dois sistemas de valores: os valores pessoais que se referem às prioridades de valor de cada individuo e, os valores sociais que dizem respeito à perceção que se tem das prioridades de valor dos outros indivíduos. No entanto, o indivíduo ao pertencer a vários

25 grupos pode ter mais do que um sistema de valores. Para a autora, o valor é tido como um princípio analógico, isto é, faculta o significado de novas experiências tornando-as coerentes devido à anterior acumulação de conhecimentos. Permite, deste modo, identificar o comportamento considerado como mais adequado a partir do julgamento daquilo que permite ao indivíduo viver melhor.

Brunner e Zeltner (1994, p. 272) afirmam que os valores são “constituídos pelos

fenômenos, relações e situações ou condições que são de especial importância ou desejáveis para um indivíduo ou grupo” sendo caracterizados como “a descrição da relação de uma pessoa com objetos, situações, ambientes ou aspectos do modo de ser e agir pessoais.” Ou

seja, os valores, além de assumirem o caráter valorativo que ajuda a definir gostos, sentimentos, sensações, opiniões, julgamentos, que, posteriormente indicará, por exemplo o sentimento de dor ou gozo, são, também, as manifestações objetivas e/ou subjetivas de alguém (são a importância que se atribuiu a determinadas “coisas”).

Deste modo, “se os valores ocupam um papel central em nossas vidas, então essa

necessidade de alcançar padrões de excelência passa a estar conceptualmente vinculada à nossa necessidade de manter e robustecer o amor próprio” (Reigh e Adgogk, 1976, p. 25).

Por exemplo, se um indivíduo atribuir um elevado valor à honestidade, todas as suas ações no sentido de ser honesto afetam, necessariamente, a avaliação que este faz da sua pessoa. Para além disso, quando os outros indivíduos compartilham do seu valor de honestidade e se apercebem da sua conduta honesta, o amor-próprio do indivíduo será fortalecido pelas suas reações.