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IV. Projeto de intervenção

1. Espírito em Grupo

1.1. Atividades alusivas ao respeito, empatia, reconhecimento, compreensão, aceitação e

1.1.3. Os “rótulos”

Podemos afirmar que um preconceito é um juízo pré-concebido geralmente manifesto de forma discriminatória, colocando em prática aquilo que denominados de “rótulos”, ou seja, etiquetas usadas para definir alguém ou um grupo. A rotulagem não só afeta a maneira como os outros vêm o indivíduo, mas também afeta o modo como o indivíduo se vê a si próprio. Ora, se, muitas vezes, os rótulos positivos influenciam o desenvolvimento de uma criança/jovem, os rótulos negativos dificultarão muito mais o seu potencial de desenvolvimento. Ou seja, podemos afirmar que um rótulo é um estereótipo e estereótipos são generalizações que os indivíduos fazem acerca de características e comportamentos de outros. Estes, normalmente, são conceitos infundados baseados em opiniões pouco ou nada sustentadas, tornando-as verdadeiras.

Deste modo, esta atividade teve como principal fundamento sensibilizar as crianças e jovens no que diz respeito aos estereótipos, preconceitos e etiquetagens impostos às outras

87 pessoas, mostrando-lhes que tais rótulos deixam marcas muito profundas na vida do indivíduo.

Sentados em círculo, cada participante recebeu um papel com uma frase escrita; 1) és

mudo: só podes falar por gestos; 2) ouves mal: só consegues falar a gritar; 3) és vaidoso, tens de mostrar que só tu é que sabes; 4) és surdo: não ouves nada; 5) és gago: tens de falar a gaguejar; 6) és envergonhado: tens de falar pouco; 7) és mau: tens de falar e meter medo aos outros; 8) és distraído: não estás atento à conversa; 9) és o engraçadinho: tens de mandar piadas sobre o tema e rir-te; 10) és super empenhado: tens de querer estar sempre a falar;

11) és antipático: tens de falar mal para toda a gente; 12) és de outro país: não podes falar

português mas sim outra língua à tua escolha11. Nalguns casos a frase repetia-se, pois, apenas

foram criadas 12 frases. Depois da primeira discussão e representação, procedeu-se à troca de frases entre colegas, de modo a que ninguém voltasse a ficar com a mesma.

Depois de todos terem a frase, iniciou-se uma discussão sobre o tema dos malefícios que o consumo de drogas faz ao desenvolvimento do ser humano. Cada um apresentou a sua visão enfatizando a situação descrita na frase que lhe havia sido distribuída. Foi necessário apoiar os mais novos que revelavam alguma dificuldade no exercício do rótulo que lhes havia calhado.

Assim, após discutirem sobre o tema das drogas, todos os participantes partilharam entre si as dificuldades que sentiram na representação do rótulo, especialmente devido à não identificação com os mesmos. Por exemplo, aqueles que são mais envergonhados tiveram dificuldades em desempenhar o rótulo “és vaidoso, tens de mostrar que só tu é que sabes” ou o rótulo “és mau: tens de falar e meter medo aos outros”. Assim como aqueles que são mais extrovertidos e curiosos sentiram mais dificuldade em executar o rótulo “és envergonhado:

tens de falar pouco” ou o rótulo “és distraído: não estás atento à conversa”.

Embora todos tivessem desempenhado a atividade com sucesso verificamos que poucos entenderam o propósito da mesma, por isso terminamo-la questionando-os sobre “o que são, afinal, os «rótulos»?”:

“Rótulos é aquilo que nós fazemos aos outros.”

(excerto da nota de campo: 19/05/2018: criança de 9 anos)

“Rótulos é chamar nomes feios.”

(excerto da nota de campo: 19/05/2018: criança de 8 anos)

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“Rótulos é gozar com os outros.”

(excerto da nota de campo: 19/05/2018: criança de 11 anos)

“Rotular alguém é aquilo que nós às vezes fazemos uns com os outros. Só porque uma pessoa tem um certo «defeito» nós gozamos com isso. Mas muitas vezes é na brincadeira. Olhem o caso do «Jorge», só porque ele é gago vocês estão sempre a chamar-lhe nomes.”

(excerto da nota de campo: 19/05/2018: jovem de 16 anos)

Através da observação participante verificamos que no quotidiano, a maior parte destas crianças e jovens demonstra desconhecer o que significa respeito e facilmente recorre a rótulos na interação com os pares. Como exemplo, citamos três de diversos comentários que assistimos no dia-a-dia das crianças e jovens:

“Cala-te ó preta.”

(excerto da nota de campo: 24/04/2018: criança

– dirigindo-se a uma criança de cor negra)

“Anda lá ó preta (…) tanto tempo.”

(excerto da nota de campo: 14/05/2018: jovem – dirigindo-se a uma criança de cor negra)

Jovem: “Fala com o trava-a-mota.” Estagiária: “O que é isso? Trava-a-mota?”

Jovem: “É o «Jorge» ahahah. Não vês que ele é gago. Trava-a-motinha.”

(excerto da nota de campo: 14/05/2018: jovem – referindo-se a um jovem que é gago)

Por isso, esta atividade teve um impacto de grande importância em todas as crianças e jovens que nela participaram pois estas refletiram sobre as suas atitudes do dia-a-dia uma vez que, no decorrer da discussão acerca da questão lançada no fim da atividade, muitos dos participantes reconheceram que rotulam os seus pares e perceberam que tais atos são incorretos. É necessário que todas as crianças e jovens compreendam a importância do respeito para com o outro, independentemente das suas diferenças, bem como tomem consciência dos efeitos negativos que a rotulagem tem sobre a autoestima da pessoa que é estigmatizada. O recurso ao role play revelou-se, assim, importante para que as crianças e jovens percebam que as suas ações têm consequências nos outros, neste caso, negativas. E embora a mudança de atitudes e de comportamentos não ocorra de um momento para o outro, constatamos que após a realização desta atividade muitos dos participantes começaram a revelar cuidado no modo como se dirigiam aos pares. Quando em frente a um adulto faltavam ao respeito aos outros, por iniciativa própria pediam desculpa, o que nos deixa antever que alguma mudança se começava já a fazer sentir.

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