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O desempenho reprodutivo de um efetivo bovino é uma componente essencial do bom funcionamento de uma exploração intensiva de produção de leite, sendo que uma baixa fertilidade do efetivo reduz diretamente os lucros da mesma uma vez que afeta a quantidade de leite produzida mensalmente e o número de partos por ano (Strawderman and Emanuelson 2004;Hossein-Zadeh 2013). O grande objetivo do maneio reprodutivo em explorações leiteiras será sempre ter animais gestantes a um tempo biologicamente dito de ideal após o parto, sendo que esse mesmo tempo deve ser o mais economicamente rentável possível para o produtor (Sheldon et al. 2006).

A forte seleção genética de bovinos leiteiros, com o objetivo de maximizar a produção de leite, foi acompanhada de um declínio contínuo na fertilidade, sendo que o maneio da doença uterina no pós-parto assim como a função ovárica nas primeiras sete semanas pós-parto é essencial para prevenir que uma vaca venha a ser refugada por causas de infertilidade (Sheldon 2011b). Um baixo desempenho reprodutivo é muitas vezes responsável por altas taxas de refugo nas explorações, sendo que tem influência direta no futuro produtivo e reprodutivo da mesma (Maizon et al. 2004).

Para estudar os efeitos da doença uterina no desempenho reprodutivo é essencial ter critérios de diagnóstico bem definidos, assim como definições universalmente aceites para os diferentes tipos de doença existentes, o que ainda não acontece claramente hoje em dia (Leblanc et al. 2002). Sabe-se, no entanto, que a doença uterina, quer clínica quer subclínica, está associada a subfertilidade e infertilidade, mesmo depois de instituído tratamento. Este facto se traduz no aumento de alguns parâmetros reprodutivos, tais como intervalo parto- 1ªinseminação, intervalo parto-conceção, aumento da taxa de refugo por causas de infertilidade assim como diminuição das taxas de conceção em 3-6%, aumento do número de dias até ao primeiro cio, dias em aberto, sendo que havia um aumento médio de 18 dias neste valor e número de IA necessárias para haver conceção (Sheldon et al. 2006, 2008; Williams 2013; Dawod 2014).

De salientar que o efeito negativo com maior expressão no desempenho reprodutivo de animais que apresentaram metrite puerperal no pós-parto é o aumento do número de dias em aberto, sendo que esse facto afeta negativamente todos os outros parâmetros (Fourichon et al. 2000; Overton and Fetrow 2008). Animais que apresentam endometrite no pós-parto tinham uma taxa de conceção, ao primeiro serviço, menor do que animais que não apresentaram doença uterina nesse mesmo período (29,8%vs.37,9%), complementando ainda com o facto de apresentarem um intervalo maior entre o parto e conceção seguinte (151

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dias vs.119 dias) e uma maior percentagem de animais refugados por infertilidade (6,7% vs.3,8%) (Leblanc et al. 2002; Sheldon et al. 2008).

De salientar ainda que animais que apresentaram endometrite no pós-parto e que conceberam no período seguinte, precisaram de 10% mais inseminações para esse mesmo efeito, do que animais sem endometrite (Leblanc et al. 2002). Num outro estudo, verificou-se que vacas que apresentavam diagnóstico de endometrite no pós-parto tinham uma probabilidade 27% menor de vir a ficar prenhas na gestação seguinte do que vacas que não apresentaram doença nesse mesmo período e 1,7 vezes maior probabilidade de virem a ser refugadas por razões de infertilidade (Gilbert et al. 2005).

Num outro estudo, comparando um grupo de animais com metrite puerperal com um grupo de animais sem metrite puerperal, verificou-se uma diminuição estatisticamente significativa no número de animais gestantes à primeira IA, um aumento no intervalo entre o parto e a conceção e um aumento do número de IA necessárias para resultarem em gestação (Galhano 2011). Em animais com endometrite, foi ainda relatado, uma diminuição das taxas de conceção em cerca de 20%, com intervalo parto-conceção 30 dias mais longo do que seria esperado (Sheldon et al 2004).

Em relação às consequências diretas que a doença uterina tem no desempenho reprodutivo dos animais, pode ser feita uma divisão em três situações distintas (Giuliodori et al. 2013; Bromfield et al. 2015):

- Perturbação do sistema endócrino por alterações no eixo hipotálamo-hipófise-gónadas; - Alteração da capacidade endometrial para suportar nova gestação;

- Desregulação ovárica com alterações diretas na qualidade dos oócitos produzidos. Em relação á perturbação do sistema endócrino, sabe-se que a exposição ao LPS, componente da membrana exterior de bactérias, no pós-parto ou mesmo uma administração sistémica do mesmo, diminui consideravelmente a secreção de GnRH pelo hipotálamo e consequentemente a secreção pulsátil de LH. Assim, a ovulação vai ser alterada, havendo um atraso da mesma (Battaglia et al. 1999; Bromfield et al. 2015).

O mecanismo específico pela qual a exposição ao LPS, secretado num local tão distante, afeta o eixo hipotálamo-hipófise não está neste momento esclarecido na literatura disponível. No entanto, alguns modelos experimentais apontam para o facto, do LPS entrar na circulação sistémica, atravessar a barreira hematoencefálica e chegar ao cérebro exercendo assim o seu efeito negativo sobre o mesmo que se traduz, como mencionado, numa alteração da dinâmica do ovário. O animal vai assim apresentar fases lúteas mais longas, ovulação atrasada, crescimento folicular lento e risco aumentado de anovulação, sendo que animais com doença uterina tinham menor probabilidade de vir a ovular o primeiro folículo dominante do pós-parto

(Opsomer 2000; Sheldon et al. 2002; Sheldon et al. 2008; Konyves 2009; Bromfield et al. 2015).

No entanto, é de realçar que a doença uterina no pós-parto não teve efeitos nas concentrações de FSH plasmáticas ou na emergência de novas ondas foliculares (Sheldon et al. 2002). O LPS bacteriano tem ainda efeitos ao nível da produção de prostaglandina, sendo que estimula a produção de PGE2, com um efeito imunomodulador que contribui para o aumento da fase lútea, em vez da produção de PGF2α que tem uma ação luteolítica (Bromfield

et al. 2015). Além da ação específica do LPS, pode ser ainda referida a ação negativa de alguns imunomoduladores inflamatórios como citoquinas e endotoxinas, nas interações hormonais responsáveis pela atividade ovárica normal (Williams et al. 2001; Sheldon et al. 2002).

Em relação á alteração da capacidade endometrial para suportar nova gestação, é de salientar que para o mesmo não acontecer deve haver expulsão da placenta até 12h após o parto assim como contração uterina e do cérvix para expulsão de lóquios (Sheldon 2011b).

É facto, que a infeção uterina com persistência de bactérias patogénicas pode vir a impedir o estabelecimento de uma nova gestação, sendo que se esta infeção ocorrer após a conceção, há mortalidade embrionária (Sheldon et al. 2008).

Para combater a doença uterina, existem alguns mecanismos que atuam em conjunto para debelar a infeção, tais como a resposta dada por mediadores inflamatórios, o influxo de células imunitárias e a indução de fatores antimicrobianos. Sabe-se assim que estes fatores, em conjunto, contribuem ativamente para a infertilidade, mesmo em animais após resolução da infeção, sendo que a expressão endometrial de mediadores inflamatórios tais como IL 1A e IL 1B em vacas com infeção uterina, que consequentemente ficaram inférteis devido a esse mesmo facto, é bastante grande comparada com as vacas que voltaram a conceber novamente (Sheldon et al. 2008; Turner et al. 2014).

O simples facto da doença uterina provocar inflamação no endométrio, mais propriamente no stratum spongiosum, e o consequente dano tecidual desse processo, estão associados a uma performance reprodutiva diminuída, sendo que a presença de endometrite só por si causa infertilidade e depois da sua resolução, subfertilidade (Sheldon et al 2004). As bactérias responsáveis pelo estabelecimento de doença uterina, produzem fatores de virulência que têm efeitos diretos ao nível do endométrio, tais como dano tecidual e necrose, sendo que T.

pyogenes secreta uma molécula que causa hemólise e citólise das células endometriais

especialmente, células do estroma (Healy et al. 2014).

Em relação á desregulação ovárica, sabemos que é uma situação bastante comum em bovinos leiteiros, com cerca de 13% dos animais a apresentarem anestro anovulatório no pós- parto ou quistos ováricos e consequentemente falhando a ovulação do primeiro folículo

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dominante nesse mesmo período. É ainda de acrescentar que em 18% dos animais, há falha da luteólise no primeiro ciclo pós-parto, concluindo assim que no total, em cerca de 44% dos animais no pós-parto, independentemente de apresentaram doença uterina ou não, existiam anormalidades ováricas (Royal et al. 2000).

As vacas que apresentam doença uterina no pós-parto têm geralmente a ciclicidade ovárica afetada, sendo que têm um risco acrescido de anestro anovulatório e ciclos éstricos mais longos no geral (Peter 1988; Sheldon 2011a). Estas apresentam também uma taxa de crescimento reduzida do primeiro folículo dominante do pós-parto e concentrações de estradiol mais baixas por esse mesmo motivo (Sheldon et al. 2002)

O mecanismo pelo qual isto acontece não está neste momento totalmente esclarecido na literatura. No entanto, presume-se que os mediadores inflamatórios tais como, IL1, uma citoquina, e endotoxinas provenientes da persistência de bactérias patogénicas no útero tenha um papel fundamental, uma vez que afetam diretamente a produção de GnRH pelo eixo hipotálamo-hipófise (Sheldon et al. 2002). No entanto a endotoxina, pode ser encontrada no líquido folicular de vacas com doença uterina, sendo que presumivelmente esta passa do útero para o ovário através da vasculatura local, onde no mesmo, a endotoxina se liga ao TLR4 (recetor Toll-like 4) da granulosa levando a uma diminuição direta da produção de estradiol pelo folículo (Sheldon 2011a).

Um outro efeito que pode ser referido são as baixas concentrações de progesterona circulantes, sem que haja alteração do tamanho do CL nos animais com doença uterina. Uma vez que concentrações adequadas de progesterona são essenciais para manter uma gestação. Este facto pode ser responsável por causar infertilidade ao animal (Sheldon 2011a). Como referido, uma consequência bastante comum da doença uterina na ciclicidade ovárica é a falha na luteólise. Numa situação normal o endométrio produz PGF2α em resposta á produção de oxitocina por parte do CL, no entanto se estivermos perante uma situação de doença uterina, o endométrio vai produzir em vez desta molécula, PGF2, sendo esta uma molécula luteotrófica em vez de luteolítica (Herath et al. 2007).

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