• Nenhum resultado encontrado

Impactos das mudanças climáticas nos ecossistemas e nos agro-ecossistemas

Vulnerabilidade, impactos e adaptação à

3. Impactos das mudanças climáticas nos ecossistemas e nos agro-ecossistemas

Tratemos, agora, da questão das possíveis alterações dos grandes biomas brasileiros (Figura 3) como resposta aos cenários de mudanças climáticas indicadas nas Figuras 1 e 2. Para tanto, foi utilizado um modelo matemático desenvolvido no Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (CPTEC-Inpe), que relaciona os grandes biomas do planeta a variáveis climáticas (Oyama e Nobre, 2003; Oyama e Nobre, 2004).

A Figura 4 mostra os resultados destes cálculos. Preliminarmente, deve-se mencionar que ecossistemas naturais não têm capacidade intrínseca de migração ou adaptação à magnitude das projetadas mudanças climáticas na escala de tempo em que estão ocorrendo, isto é, décadas. Ecossistemas migram ou se adaptam naturalmente a flutuações climáticas ocorrendo na escala de muitos séculos a milênios. Portanto, devemos esperar rearranjos significativos dos biomas, com sérias conseqüências para a manutenção da mega­ diversidade biológica dos biomas brasileiros, com o resultado de sensível empobrecimento biológico.

Figura 4. Distribuição projetada dos grandes biomas naturais da América do Sul para a década de 2090-2100 com base nos cenários climáticos produzidos por cinco modelos climáticos globais do IPCC (ver Figuras 1 e 2). Para cálculo da redistribuição dos biomas foi utilizado o Modelo de Vegetação Potencial do CPTEC-Inpe, o qual associa os principais biomas do globo a cinco parâmetros climáticos, derivados das distribuições mensais de precipitação e temperatura. Os principais biomas para a América do Sul tropical são os seguintes: “1” (verde) = floresta tropical; “6” (rosa) = savana (cerrado); “7” (amarelo) = campos extratropicais (pampas); “8” (vermelho) = caatinga; “9” (marrom claro) = semi-deserto; “11” (marrou escuro) = deserto. O painel superior da esquerda para cada cenário de emissão de gases representa os biomas naturais em equilíbrio com o clima atual. Note que esta análise somente considera os biomas naturais e não aqueles modificados pelo homem. Por exemplo, coloca a Mata Atlântica com sua extensão original.

A análise da Figura 4 revela cenários distintos de distribuição dos principais biomas em função dos diferentes cenários climáticos. Como poderia ter sido antecipado, as maiores diferenças de projeções de distribuição futura de biomas se encontram novamente na comparação entre os modelos GFDL e HADCM3, atribuíveis às diferenças nos

padrões de precipitação. Como no primeiro as chuvas aumentam na América do Sul tropical, não haveria sensível alteração na distribuição da floresta amazônica, mas haveria uma expansão do cerrado para nordeste, substituindo a caatinga do semi-árido nordestino. Para os demais cenários, há uma tendência à “savanização” de partes da Amazônia (isto é, expansão do cerrado para norte) e mesmo tendência da caatinga de parte do semi-árido tornar-se um semi-deserto. Em geral, há uma projeção de aumento da área de savanas na América do Sul tropical e uma diminuição da área de caatinga. Quatro dos cinco cenários indicam diminuição da área coberta pela floresta tropical amazônica. Em particular, o modelo HADCM3 é o que coloca o cenário mais extremo para a Amazônia, chegando a se especular sobre um possível completo desaparecimento da floresta amazônica (Cox et al., 2000). Destacamos que este tipo de modelo matemático de biomas leva em consideração não só o aumento da temperatura e as variações do ciclo hidrológico, mas também o efeito do aumento de temperatura no ciclo hidrológico. Este aumento de temperatura induz a uma maior evapotranspiração (soma da evaporação mais a transpiração) das plantas. Com isso, mesmo sem mudança de precipitação, pode haver alteração de bioma com tendência a biomas de climas mais secos (savana substituindo florestas, caatinga substituindo savanas, semi-deserto substituindo caatinga).

Às mudanças climáticas por origem do aquecimento global, há que se adicionar aquelas devidas às alterações da cobertura da vegetação. A Figura 5 ilustra a situação do desmatamento na Amazônia brasileira em 2002. Há projeções que os desmatamentos

da floresta tropical amazônica levarão a um clima mais quente e seco na região (Nobre et al., 1991).

Fonte: Inpe Prodes digital, 2002.

Figura 5. Arco do desmatamento – situação até 2002.

Portanto, a combinação sinergística de efeitos regionais e globais das mudanças climáticas poderá amplificar a vulnerabilidade dos ecossistemas tropicais, principalmente em se considerando que climas mais quentes e secos, aliados às práticas de agricultura com uso do fogo, aumentam tremendamente a susceptibilidade da floresta ao fogo. O grande incêndio nas florestas, savanas e campos de Roraima, entre janeiro e março de 1998, é um ilustrativo exemplo do que pode acontecer no futuro com mais freqüência (Nepstad et al., 1999).

As análises acima são feitas num altíssimo nível de agregação ecológica, isto é, ao nível de biomas. Porém, é fundamental também entendermos qual a resposta de espécies da flora e da fauna às mudanças climáticas. Há um número relativamente pequeno de estudos a este respeito. Recentemente, dois estudos se debruçaram sobre o que poderia ocorrer com a distribuição de espécies arbóreas do Cerrado com um aumento de 2 ºC na temperatura à superfície. Utilizaram-se principalmente cenários do modelo climático global do Centro Hadley, já mencionados acima. Os resultados (Thomas et al., 2004 e Siqueira e Peterson, 2003) mostraram o potencial de extinção, até 2050, de 24% das espécies de 138 espécies arbóreas do cerrado analisadas, o que reforça a conclusão de que sistemas biológicos respondem de maneira rápida a mudanças climáticas, geralmente no sentido de diminuição da diversidade das espécies. Também utilizando as simulações do Centro Hadley, Miles et al. (2004) analisaram o que poderia acontecer com a distribuição de 69 espécies de angioespermas na Amazônia entre 1990 e 2095. Chegaram à conclusão que 43% das espécies poderiam tornar-se inviáveis até 2095, com máximo impacto no nordeste da Amazônia e melhores condições para preservação de espécies da planície amazônica no extremo ocidental da Amazônia, e recomendaram a extensão de áreas protegidas para o oeste da região como forma de manter grande resiliência da biodiversidade amazônica às mudanças climáticas. Essencialmente, esta é a mesma conclusão que se segue aos resultados com modelos de biomas mencionados acima.

Um raciocínio análogo pode ser feito sobre impactos das projeções das mudanças climáticas nos agro-ecossistemas. De modo geral, com exceção do modelo GFDL, há tendência de menor disponibilidade hídrica em partes da Amazônia, Nordeste e Centro- Oeste, que poderiam afetar negativamente a agricultura, principalmente no Nordeste e Centro-Oeste. No Sul e Sudeste, estas projeções indicam modificações bem menores no regime hidrológico. Entretanto, para projeções de impactos no setor agrícola e, conseqüentemente, para avaliação das vulnerabilidades, deve-se considerar os efeitos da temperatura e da concentração do dióxido de carbono, o chamado efeito de “fertilização” de CO2, sendo que geralmente um aumento pronunciado da temperatura média é prejudicial às culturas se colocá-la fora de sua faixa ótima e, ao contrário, o aumento da concentração de CO2 resulta normalmente em maior produtividade para as culturas.

Um pequeno número de estudos tratou da questão dos impactos das mudanças climáticas na agricultura brasileira. Alguns dos estudos utilizaram cenários futuros de mudanças climáticas a partir de modelos climáticos globais e buscaram calcular efeitos negativos e positivos sobre a produtividade das culturas de trigo, milho e soja (Siqueira et

al., 1994; Siqueira et al., 2001; Travassos et al., 2004) ou sobre o

impacto das mudanças climáticas na incidência de pragas na cultura de trigo no Sul do Brasil (Fernandes et al., 2004). Por outro lado, alguns estudos analisaram o risco agroclimático da cultura de café a extremos climáticos (Marengo, 2001; Pinto et al., 2002; Assad et al., 2004). Para o Estado de São Paulo, por exemplo, Pinto et al. 2002 calcularam

que, com um aumento de 3ºC na temperatura média e 15% nas chuvas, somente 15% da área do Estado seriam propícias à cultura do café arábica e para um aumento de 5,8ºC, somente 1,1%, mesmo se considerando que não haveria mais risco provocado por geadas nestes cenários. Para o clima atual, 40% do Estado são indicados para esta cultura.

De modo geral, os vários estudos sobre impactos na produtividade agrícola das culturas de milho, trigo e soja não permitem conclusões seguras no sentido que o efeito do aumento das temperaturas contribui à redução da produtividade, inclusive devido à maior incidência de pragas, mas que pode ser compensada, até certo ponto, pelo aumento da concentração de dióxido de carbono. Especificamente para a cultura do café no Sul-Sudeste do país, os estudos indicam geralmente que o risco agroclimático desta cultura poderia aumentar consideravelmente devido a temperaturas mais altas, mesmo se considerando menor freqüência de geadas. Nota- se que todos os estudos utilizaram modelos matemáticos para estimar os impactos na agricultura, porém falta maior validação dos resultados com experimentação de campo.

4. Sumário dos impactos e vulnerabilidades setoriais do país