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Possíveis futuros regimes de mitigação

Parte I B – A Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima

6. Possíveis futuros regimes de mitigação

Um cenário possível, o mais simples, é um regime idêntico em tudo ao regime de Quioto, com novas metas quantitativas para os países do Anexo I. Neste cenário, haverá uma pressão para que os países em desenvolvimento acedam ao Anexo I quando algum limiar for ultrapassado. Ou, alternativamente, haverá uma pressão para que os países em desenvolvimento adotem metas de inflexão, ou seja, metas quantitativas de limitação não das emissões, mas da taxa de crescimento de suas emissões.

Por outro lado, é possível que um futuro regime tenha por base a adoção de determinadas políticas e medidas pelos países, como considerado no Mandato de Berlim, no lugar de metas quantitativas para as emissões nacionais, como no Protocolo de Quioto. Nesse cenário, é razoável supor que se esperaria que países em desenvolvimento, inclusive o Brasil, adotem pelo menos algumas dessas políticas e medidas.

Pode ser também que tenhamos no futuro mais de um regime. De fato, é o que está ocorrendo hoje, com Europa, Japão e Canadá no regime de Quioto, e Estados Unidos com seu regime próprio, buscando cooptar parceiros para um sistema de “pledge and review” (promessa e revisão) ou, diriam alguns, um regime de “pledge and

no review” (promessa sem revisão). Neste cenário, haveria que buscar

uma forma de negociação entre os dois regimes, o que interessa ao Brasil, para permitir a aceitação mútua de créditos do tipo do MDL.

De qualquer forma, se for confirmada a tendência de buscar no futuro regime um aprofundamento das medidas de mitigação, é inevitável que se coloque a questão da repartição do ônus da mitigação entre os países. É difícil imaginar que se logre repetir o Mandato de Berlim com uma resolução do tipo – não haverá novos compromissos para países em desenvolvimento. Neste sentido, a presença da China – o segundo maior emissor mundial – no grupo de países em desenvolvimento nos é desfavorável porque a atenção sobre a China deverá arrastar também Índia e Brasil, e outros.

Como medida de precaução, seria interessante manter sobre a mesa o debate sobre a atribuição de responsabilidades aos países com base em sua contribuição objetiva para o aumento da temperatura média da superfície do planeta, no lugar de suas emissões, tendo em vista que os países em desenvolvimento, por definição, iniciaram o seu processo de industrialização muito mais tarde. É por esta razão, além da diminuição da importância do metano, que a China após análise detalhada, concluiu que lhes convém abraçar a “Proposta Brasileira”, explicada adiante. Este tema é interessante e possivelmente merece análise em separado.

Sob o ponto de vista de oportunidade de negociação, o fato de haver hoje uma falta de unidade entre os países industrializados, devido à clara divergência entre os Estados Unidos, de um lado, e Europa e Japão de outro, facilita uma ação dos países em desenvolvimento para “pautar” o debate sobre o regime pós-Quioto. Na medida em que a posição americana evolua e se aproxime das outras, o espaço de manobra para o Brasil diminuirá.

Há que notar a tendência, especialmente nos Estados Unidos, dada à natureza de seus costumes jurídicos, mas também em outros países, de recurso a medidas legais buscando a compensação por danos causados pela mudança do clima. É evidente que não convém ao Brasil que sequer se cogite da adoção das mesmas técnicas em relação ao nosso país.

A Convenção prevê que o esforço de mitigação nos países em desenvolvimento seja feito pela inflexão da curva de crescimento de suas emissões. A Convenção reconhece que as emissões per capita desses países devem crescer, e portanto, em geral, as emissões devem crescer. Assim a mitigação consistiria em fazer com que as emissões crescessem mais lentamente. Além disso, a Convenção prevê que os países industrializados forneçam os recursos necessários para tal inflexão. O instrumento atual que operacionalizou esse dispositivo da Convenção é o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo. No regime pós-Quioto, se houver um desvio em relação ao regime de Quioto, convém que sejam buscadas as alternativas equivalentes apropriadas que garantam na prática, a transferência de recursos que, no regime de Quioto, são proporcionadas pelo MDL

A adoção de metas quantitativas para as emissões nacionais, sejam elas relativas às emissões propriamente ditas, sejam relativas à sua taxa de crescimento (o que na prática tem o mesmo efeito para um período especificado) foi considerado conveniente pelos países industrializados pelo fato de facilitar a minimização dos custos de mitigação. Ocorre que as emissões desses países estão associadas

principalmente a atividades de geração de energia e outras atividades econômicas que fazem com que a afirmativa seja verdadeira. No caso dos países em desenvolvimento, em particular no caso das emissões associadas ao desflorestamento no Brasil e ao metano de arroz irrigado na China e na Índia, a afirmativa não pode ser comprovada com facilidade, exceto se forem admitidas certas premissas de racionalidade econômica nessas atividades. Há portanto que pensar de forma criativa em novos mecanismos para tratar desses setores no regime pós-Quioto.

É possível que o melhor tratamento para o desflorestamento e para o metano de arroz seja diferente. No caso do desflorestamento, e levando em conta a posição da Rússia que tem repetidamente colocado na mesa de negociações o fato de possuir muitas florestas, um possível encaminhamento seria um sub-regime para o controle do estoque de carbono na biosfera no território de cada país, com o correspondente mecanismo específico de transferência de recursos para auxiliar a implementação de políticas nacionais visando a proteção desse estoque. No caso do metano, a dificuldade de separação entre os efeitos naturais e os efeitos antrópicos faz com que seja difícil manter o sistema de equivalência com emissões de gás carbônico. Além disso, o sistema de equivalência adotado no Protocolo de Quioto penaliza erroneamente as emissões de metano, o que convém seja corrigido nas futuras negociações.