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Parte I A – As negociações internacionais ambientais no âmbito das Nações Unidas e a posição brasileira

4. A posição do Brasil

O Brasil defendeu nas negociações da Convenção e do Protocolo uma visão das relações Norte-Sul sob o signo da cooperação. A “preservação do meio ambiente” deixa de ser vista pelo Brasil como uma ameaça, e as grandes questões da agenda ambiental passam a ser identificadas pelas conseqüências da tendência ao congelamento das desigualdades entre países desenvolvidos e em desenvolvimento. Essa tendência se revela, por exemplo, nas

tentativas de países desenvolvidos de “minimizar os efeitos causados por suas emissões de gases de estufa devido a seus padrões de produção e consumo” e de defender a tese de que “os problemas engendrados pelo eventual aquecimento da atmosfera resultam da ação da humanidade como um todo e, por isso, sua mitigação exige a participação igualitária de todas as nações”13. A maior parte das

emissões provém, indiscutivelmente, dos países industrializados, onde se iniciaram muitas décadas antes de surgirem as emissões dos países em desenvolvimento.

A questão da mudança dos padrões de produção e consumo nos países ricos – os “países excessivamente desenvolvidos, ou mal desenvolvidos”, como dizia o Secretário do Meio Ambiente José Lutzenberger14 em 1990, foi abordada com grande ênfase pelo Brasil.

O Ministro das Relações Exteriores, Francisco Rezek, em abril de 1991, declara que “vamos trabalhar para conseguir um compromisso que leve a uma sociedade sem a estratificação atual, que configure um adeus coletivo a um estilo de vida – gozado por uns, desejado por outros e igualmente desastroso para todos”15.

A posição brasileira continua a ser a de reiterar que a questão da mudança dos padrões de produção e consumo nos países ricos se torna cada vez mais grave diante da dificuldade de se obter progresso na área de mudança do clima – pela demora na entrada em vigor do Protocolo de Quioto e pela ausência dos Estados Unidos no instrumento – e por não terem sido dirigidos aos países em desenvolvimento, em condições preferenciais, recursos financeiros e tecnológicos.

13 Vargas, Everton, op.cit., p.30.

14 “overdeveloped or misdeveloped

countries”, Lutzenberger, José,

Discurso no “International Meeting

of Parlamentarians”, Washington, 30

de abril de 1990.

15 Ministério das Relações

Exteriores, Posições Brasileiras

sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, p.6.

Esses recursos permitiriam, também, abordar de maneira mais adequada a questão das florestas, que ganhou progressivamente maior dimensão pela função de serem sumidouro de gases de efeito estufa. Sua destruição, além de provocar a perda de biodiversidade, “liberara” quantidades preocupantes de emissões. A “incompetência” dos países detentores dessas florestas em preservá-las justificaria, assim, a intervenção estrangeira para proteger a humanidade de um modo geral. Essa idéia, que se tornava ainda mais atraente para os países desenvolvidos se a preservação das florestas tropicais permitisse que estes não precisassem alterar seus padrões de produção e consumo, apresentava vários problemas bastante evidentes, principalmente o desprezo pelo princípio do direito soberano dos Estados sobre seus recursos naturais, que consta muito claramente na Declaração de Estocolmo, dos Princípios do Rio e da própria Convenção-Quadro sobre Mudança do Clima, e a incorreção científica de que se podem comparar quantitativamente as emissões oriundas do uso excessivo de combustíveis fósseis nos países ricos com a capacidade de absorção de carbono das florestas.

Ao afirmar que especial atenção deve ser conferida à adoção de padrões de produção e consumo que não aprofundem o desequilíbrio entre ricos e pobres, em nível nacional, regional e internacional, a posição do Brasil evidencia que, apesar de não precisar cumprir metas de redução de emissões e de ter como prioridade o seu desenvolvimento, o país não deixará de combater os desequilíbrios internos e de procurar alternativas para seu desenvolvimento sustentável. Nesse sentido, ganhou especial relevo para o Brasil a

questão das energias renováveis, tema no qual o país tem mostrado liderança internacional, e que permitiu abrir uma nova esfera de cooperação importante no contexto da mudança do clima. O Brasil mostrou, com isso, que existe espaço considerável para uma atitude mais propositiva. Uma vez consolidado o princípio das responsabilidades comuns, porém diferenciadas, os países em desenvolvimento podem demonstrar sua disposição e capacidade de enfrentar as mudanças climáticas.

A questão da responsabilidade dos países desenvolvidos em promover, facilitar e financiar a transferência de tecnologia para os países em desenvolvimento e apoiar o desenvolvimento e a melhoria das capacidades e tecnologias endógenas destes países está muito clara na Convenção, e é um dos temas que o Brasil considera não ter recebido a atenção necessária. Sobretudo porque o texto da Convenção deixa claro que o grau de cumprimento dos compromissos assumidos pelos países em desenvolvimento depende do cumprimento efetivo dos compromissos assumidos pelos desenvolvidos no que se refere a recursos financeiros e transferência de tecnologia.

Nesse contexto, o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) do Protocolo de Quioto cria grande expectativa no país pelos benefícios que poderia trazer. Por um lado, os projetos a serem realizados no âmbito do MDL representariam uma fonte de recursos financeiros para projetos de desenvolvimento sustentável; por outro, esses projetos deverão incentivar o maior conhecimento científico e tecnológico. O Brasil está convencido de que o maior conhecimento

que resultará desses projetos permitirá a divulgação dos limites da contribuição dos sumidouros de dióxido de carbono (CO2), e deverá evidenciar ainda mais a necessidade de os países ricos alterarem seus padrões de produção e consumo para que seja efetiva a luta

16 Vale recordar, igualmente, os

estudos que estão sendo contra o aquecimento global

16 .

desenvolvidos, no contexto da Convenção-Quadro sobre Mudança do Clima, a respeito da “Proposta Brasileira”