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Impactos das práticas AFO no bem-estar físico e também espiritual?

Simultaneamente, desde os anos noventa, têm-se acumulado na literatura estudos empíricos e revisões de literatura sobre os impactos deste tipo de actividades físicas mind- body no bem-estar físico e psicológico (e.g., Gavin & McBrearty, 2006; La Forge, 1997). As actividades que têm recebido mais atenção científica são o yoga e o Tai Chi. Por exemplo, relativamente ao Tai Chi, a vastidão das referências justificou já a publicação de revisões sistemáticas da literatura (sobre impactos psicológicos ver e.g., Dechamps, Lafont, & Bourdel-Marchasson, 2007; para ensaios clínicos controlados e.g., Rogers, Larkey & Keller, 2009), meta-análises (e.g., Taylor-Piliae, 2008) e até sistematizações sobre estas diferentes revisões e meta-análises (Zhu, Guan & Yang, 2010) ou mesmo livros de compilação da literatura científica existente (e.g., Hong, 2008).

Já no que respeita aos impactos destas formas de exercício na componente espiritual do bem-estar a literatura é muito mais escassa e, na sua larga maioria, de natureza qualitativa. Alguns estudos, com grupos focais e entrevistas, têm explorado os benefícios percebidos da actividade por praticantes e não praticantes (e.g., Almeida, 2003; Atkinson & Permuth- Levine, 2009; Hodges, 2003). Entre os benefícios percebidos incluem-se componentes associadas à definição de Bem-estar espiritual de Fisher (1999), nomeadamente nas componentes pessoal e comunitária do conceito. Por exemplo, no estudo de Atkinson e Permuth-Levine (2009), praticantes e não praticantes atribuem ao yoga benefícios psicológicos e sociais que incluem “inspiration for a mindful approach to life” (inspiração para uma vida mais auto-consciente e reflectida), “increased open-mindedness” (maior abertura de espírito), “greater self-acceptance” e “greater ability to focus on oneself” (maior auto-consciência e auto-aceitação acrescidas), ou “increased tolerance of others” (o desenvolvimento de uma maior aceitação e tolerância relativamente aos outros) (p.7).

Outros autores são ainda mais específicos na identificação de impactos espirituais nos testemunhos dos praticantes entrevistados. Hodges (2003) assinala que apesar de algumas das suas entrevistadas (praticantes de Iyengar yoga) não atribuírem expressamente um conteúdo de transformação espiritual à prática, as suas descrições revelavam um possível contributo para uma dimensão espiritual da sua vida (quando a definimos do modo abrangente como fazemos neste trabalho). Exemplos deste tipo de experiências associadas à prática incluíam: sentimentos de pacificação interna, sentido para a vida, união e ligação com o todo ou mesmo experiência de alguma forma de transcendência dos aspectos físicos (leveza, flutuação entre espaço e tempo) e de limitações pessoais. Já outras praticantes avançadas referiam mesmo especificamente um aumento da percepção ou tomada de consciência de uma dimensão espiritual do yoga. Estas experiências espirituais descritas não eram vistas como estando associadas de forma isolada à prática mas antes incorporando o resto da experiência de vida, por exemplo:

[Yoga] has that sort of spiritual component… we don’t necessarily experience it all the time, but it’s, you know, when you experience that transcending, when sometimes you experience that clear mind which you know is another experience that I can’t explain ou

I guess it has become the core of my life really…[Yoga] provides, a structure not just for practice but for spiritual and emotional wellbeing in some ways. At least the tools to do more…yoga, it’s like a skeleton with flesh you know, the skeleton is like the core (Hodges, 2003, ambas na p.8).

Hodges discute ainda, e em consonância com outros estudos, como uma prática continuada, parece contribuir para uma progressiva incorporação de um conjunto de princípios e valores éticos e morais e se vai estruturando, para muitas das praticantes entrevistadas, como uma via alternativa para ultrapassar a ausência de valores espirituais da sociedade moderna ou pelo menos, de ausência de sentido na vida. Também Thomas, Tori et al., (2000) num estudo quantitativo com praticantes de yoga de longa duração, detectaram que ao longo do processo de desenvolvimento na modalidade se verificava uma importante transição da experiência de benefícios físicos para psicológicos e espirituais. O impacto espiritual da prática poderá estar assim dependente do nível de maturação, experiência ou mesmo da competência na actividade.

Um dos factores que mais diferencia este tipo de actividades e que tem sido visto como responsável pelos seus efeitos no bem-estar, é o seu contributo para o desenvolvimento de awareness, que podemos eventualmente traduzir por auto-consciência (Hodges, 2003). Este é um conceito próximo do de mindfulness que atrás referimos. Vários autores têm reforçado a relevância deste componente para estas práticas. Por exemplo no yoga, Hodges cita Collins (1998) para quem o awareness é um dos principais resultados do yoga e Lasater (1997) que o considera não só um componente essencial da filosofia do yoga mas distingue-o também como o possível factor crucial desta actividade física para melhorar a qualidade de vida e reduzir disfunções específicas causadas por doença. O treino de awareness significa tomar consciência das sensações e sentimentos específicos experimentados em cada momento (Herrick & Ainsworth, 2000; Hodges, 2003). A intenção é centrar o praticante no momento presente. Esta focalização no momento é referenciada nas abordagens holísticas do bem-estar e estudos recentes têm comprovado a importância desta focalização da mente na experiência vivida, para o bem-estar e a felicidade (e.g., Killingsworth & Gilbert, 2010). Esta focalização no momento é um elemento capital das práticas mind-body. Segundo Hodges (2003, p.4) é essencialmente esta característica também que distingue este tipo de práticas das outras actividades de exercício como a aeróbica ou o desporto competitivo. O exercício mind-body caracteriza-se por uma ausência de objectivo externo para se focar de forma directa, internamente e na experiência que está a ser vivida. Esta focalização pode ser, em si mesma, um factor que facilite a experiência de flow neste tipo de actividades físicas. Esta perspectiva é partilhada também por outros autores (e.g., Gavin & McBrearty, 2006; Maddux, 1997) que no entanto chamam atenção de que, no limite, qualquer actividade pode ser realizada desta forma, i.é., com uma focalização interna na própria experiência durante o exercício.

1.15. O exercício de movimento meditativo. Uma nova categoria de exercício.