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1.5. Mensuração da espiritualidade e do bem-estar espiritual.

1.5.3. Medidas de bem-estar espiritual.

Face às múltiplas operacionalizações do construto e às críticas frequentemente salientadas, vários autores têm procurado rever criticamente as medidas existentes, pelo que não é hoje difícil escolher um instrumento mais adaptado a cada objectivo de investigação. Por exemplo, Hill (2005) faz uma tipificação em 12 domínios, de medidas disposicionais e funcionais que avaliam espiritualidade e religiosidade. Um conjunto de outros instrumentos foram revistos por MacDonald et al. (1995, 1999), MacDonald & Friedman (2002) ou Kilpatrick et al. (2005). Já O’Connell & Skevington (2007) revêem algumas medidas que avaliam a espiritualidade como uma componente da qualidade de vida. Esta noção de que a espiritualidade pode ser concebida como uma componente da QV foi, no entanto, recentemente posta em causa numa extensa meta-análise realizada por Sawatzky et al. (2005). Os seus resultados suportam antes a perspectiva de que a espiritualidade ou o BEE é uma fenómeno específico e conceptualmente distinto, embora relacionado com a QV. Esta questão não é no entanto consensual (e.g., Fleck & Skevington, 2007).

Na Tabela 2 apresentamos uma breve descrição de uma selecção de medidas que têm sido utilizadas para avaliar bem-estar espiritual ou espiritualidade enquanto construto autonomo, em estudos que analisam a sua relação com diferentes componentes do bem-estar.

Todas as escalas incluídas - com a excepção da subescala de auto-eficácia do “Spiritual Index of Well-being” (Daaleman, Cobb, & Frey, 2001) - podem ser classificadas como de natureza tendencialmente disposicional, segundo a classificação de Tsang e McCullough (2003), tal como o construto avaliado neste trabalho (Gomez & Fisher, 2003).

Das escalas referidas na tabela a “Spiritual Well-Being Scale” (SWBS; Paloutzian & Ellison, 1982), tem sido um dos instrumentos mais utilizados para medir bem-estar espiritual. Existem igualmente um conjunto de outras medidas, algumas bastante recentes, que avaliam a espiritualidade enquanto uma dimensão da qualidade de vida, um conceito próximo do de BEE. È nesta categoria que se insere por exemplo a componente espiritual do WHOQOL (WHOQOL Group, 1998; WHOQOL SRPB Group 2006) que permite adaptações transculturais através de um protocolo específico que inclui exploração qualitativa para garantir a adequação conceptual à cultura (para adaptação ao português do Brasil ver Fleck et al., 2003). Outros instrumentos visam ainda conceber e medir a espiritualidade enquanto uma componente do bem-estar psicológico. Por exemplo, van Dierendonck (2005) testou recentemente a extensão do modelo de bem-estar psicológico de Ryff (1989a) à dimensão espiritual, através da inclusão de uma medida de BEE composta por duas subescalas (Inner

resources e Relationship with a Higher Power) retiradas da “Spirituality Assessement Scale”

(SAS; Howden, 1992 cit. por Vivat, 2008).

Apesar da sua diversidade, nenhum destes instrumentos avalia, no entanto, as quatro dimensões de Bem-estar espiritual (Pessoal, Comunitário, Ambiental e Global/transcendental) presentes na definição original da NICA (1975; Moberg, 2002) e que foram posteriormente empiricamente confirmadas nos estudos qualitativos de Fisher (1999; 2010a). Por exemplo, a SWBS não tem em conta a relação com o meio ambiente. Além disso, apesar de muito utilizada, as suas duas dimensões (existencial e religiosa) parecem interferir uma com a outra, não se mantendo factorialmente distintas (Fisher et al., 2000). Alguns estudos têm ainda sugerido a existência na SWBS de mais do que os dois factores propostos (Genia, 2001).

Tabela 2.

Algumas medidas de espiritualidade e bem-estar espiritual permitindo comparação com domínios confirmados por Fisher e colaboradores

Autores /Ano Designação Estrutura / Sub-escalas Correspondência com 4 Domínios de Fisher Ellison (1983); Paloutzian & Ellison (1982) Spiritual Well-Being Scale (SWBS)

- Mede bem-estar espiritual em duas dimensões: Bem-estar Religioso (RWB e Bem-estar Existencial (EWB), que se combinam numa medida total (SWB). (20 itens)

Itens abordam os domínios: - Pessoal

-Transcendental é

exclusivamente teocêntrico

Elkins, Hedstrom, Hughes, Leaf & Saunders (1988)

Spiritual Orientation Inventory (SOI)

Mede espiritualidade nas pessoas não- religiosas (espiritualidade humanista) de acordo com nove atributos espirituais que envolvem uma Dimensão Experiencial e uma Dimensão de Valores. (85 itens)

Itens abordam os domínios: - Pessoal - Comunitário - Ambiental (escassa) - Exclusão deliberada da componente religiosa ou transcendental Kuhn (1988, citado por Fisher et al., 2000)

Spiritual

Inventory As 25 questões abordam relações com o self, os outros e o transcendente

- Pessoal - Comunitário - Transcendente Glik (1990) Index of Spiritual Orientation (ISO)

Mede Misticismo; “Ideational beliefs”; Saliência da religião

-Pessoal, Ambiente, Deus - Não envolve dimensão comunitária Reed (1987, citado por Gray, 2006) Spiritual Perspective Scale (SPS)

Mede atitudes e comportamentos espirituais em três dimensões: ligação com ser superior (transpessoal), outros (interpessoal) e self (intra-pessoal). (10 itens)

- Não inclui qualquer referência à dimensão ambiental Howden (1992, citado Vivat, 2008) Spirituality Assessment Scale (SAS)

Mede bem-estar espiritual de acordo com quatro atributos: significado e propósito na vida, recursos internos, inter-relação unificadora e transcendência. (28 itens) - Não diferencia adequadamente dimensão comunitária e ambiental Veach & Chappel, 1992, cit. Korinek & Arredondo, 2004 Spiritual Health Inventory

Para os autores o Bem-Estar é fruto de contributos biológicos, psicológicos, sociais e espirituais. Na componente espiritual avaliam 4 dimensões: experiência espiritual pessoal, bem- estar espiritual, sentimento de harmonia e impotência pessoal. (18 itens)

- Não refere de todo dimensão ambiental Vella-Brodrick & Allen (1995) Mental, Physical and Spiritual Well-Being Scale (MPS- Wellbeing)

A escala BEE inclui itens que abordam as dimensões: Existencial (4 itens); Religiosa (1 item); ou ambas simultaneamente (5 itens). (10 itens).

- Não aborda a dimensão ambiental Hungelmann et al., (1996) JAREL - Spiritual Well- being Scale

Para proporcionar um diagnóstico de espiritualidade em idosos. Avalia: Self (11 itens); Outros (4 itens);

Transcendente (5 itens) (20 itens)

- Não avalia a dimensão ambiental (embora o modelo proposto refira a natureza)

Tabela 2 (cont.)

Algumas medidas de espiritualidade e bem-estar espiritual permitindo comparação com domínios confirmados por Fisher e colaboradores

Autores /Ano Designação Estrutura / Sub-escalas Correspondência com 4 Domínios de Fisher Genia (1997) Spiritual Experience Index Revised (SEI-R)

Mede maturidade espiritual de acordo com duas dimensões: suporte espiritual (SS) e abertura espiritual (SO) (23 itens)

- Ênfase na dimensão pessoal - Não avalia a dimensão ambiental

Hall & Edwards (1996; 2002)

Spiritual Assessment Inventory (SAI)

Mede maturidade espiritual, avaliando percepção e qualidade da relação com Deus, em 5 factores: Consciência (A), Aceitação realista (RA),

Desapontamento (D), Grandiosidade (G) e Instabilidade (I). (54 itens)

- Só dimensão transcendental mas com perspectiva teocêntrica (Judaico-Cristã)

Adams, Bezner, & Steinhardt (1997)

Perceived Wellness Survey (PWS)

Contém uma subescala de BEE com 6 itens que avaliam: Sentido para vida (3 itens); Propósito para vida (3 itens)

- Só inclui a dimensão pessoal Seidlitz et al (2002) Eight Item Spiritual Transcendence Index (STI)

Mede a experiência subjective do sagrado que afecta o modo como o sujeito se auto-percepciona, gere as suas emoções, objectivos e capacidade de transcender as dificuldades (8 itens)

-Só inclui dimensão pessoal - Não implica associação a um grupo religioso.

Daaleman & Frey (2004)

Spirituality Index of Well- being (SIWB)

Avalia “efeito espiritualidade no bem- estar subjectivo”(p.499); medida psicologica relacionada com QV. Duas dimensões: Auto-eficácia (resolução problemas pessoais) e Sentido e propósito vida (12 itens)

- Só inclui dimensão pessoal

Delaney (2005)* (*posterior ao SWBQ)

The Spirituality Scale (SS)

Pretende medir crenças, intuições, escolhas de vida, práticas e rituais relacionados com a espiritualidade (traço) em três factores: auto- descoberta de sentido para vida relacionamento espiritual, transpessoal (23 itens)

-Inclui dimensão pessoal e comunitária;

-não distingue dim ambiental (eco espiritualidade) da transcendental (Força superior/Inteligência universal WHOQOL SRPB Group (2006)* (*posterior ao SWBQ) Fleck, et al., (2003) Versão Brasileira WHOQOL SRPB spirituality, religion and personal beliefs

Acrescenta 8 facetas ao WHOQOL que permitem avaliar, a espiritualidade e valores pessoais. Os itens medem: ligação espiritual a entidade transcendente, sentido da vida, admiração pela beleza envolvente, totalidade/integração, força espiritual, paz interior, esperança/optimismo e fé (32 itens)

-Versão Brasileira identificou novas componentes; os seus dados qualitativos demonstram enorme variabilidade de posições em função grupos sociais e ideológicos

-Ênfase na dimensão pessoal; inclui itens para as outras dimensões do modelo de Fisher.

-Algumas dimensões muito pouco representadas: e.g., dimensão comunitária está presente em apenas um item.

Já o “Spiritual Orientation Inventory” está mais orientado para o aspecto pessoal e comunitário de Fisher, muito pouco para o ambiente e exclui mesmo o transcendente. O “Mental Physical e Spiritual Well-Being” não abrange a dimensão ambiental, o “Spiritual Assessment Inventory” está completamente focado na relação com Deus e o “Perceived Wellness Survey” está centrado apenas no domínio pessoal proposto por Fisher (Fisher et al., 2000) (Tabela 2).

A inexistência de uma medida adequada para operacionalizar os quatro domínios de BEE do modelo de Fisher, conduziu ao desenvolvimento de um novo instrumento – o “Spiritual Well-being Questionnaire” (SWBQ; Gomez & Fisher, 2003). Uma revisão exaustiva de mais de 200 medidas recentemente publicada pelo autor (Fisher, 2010b) demonstrou a utilidade da construção desta nova ferramenta que utilizaremos nesta tese.