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Perspectiva holística de saúde e bem-estar – integrando a espiritualidade na saúde.

Definições recentes do bem-estar acentuam uma visão holística da pessoa humana, atribuindo especial importância à integração corpo-mente-espírito para a saúde. Tendo em conta o consenso existente relativamente ao contributo das componentes física e mentais para o bem-estar, uma perspectiva holística da saúde emerge e sai reforçada com a crescente importância que a componente espiritual do compósito corpo-mente-espírito passa a assumir, naquilo que se designou por movimento de saúde holística, nos EUA, nos anos setenta e oitenta do século XX (Fisher, 1999; Goodleo & Arreola, 1992; Hawks, 1994; Hawks et al., 1995; Vella-Brodrick & Allen, 1995).

A definição clássica da Organização Mundial de Saúde (WHO, 1948) já definia a saúde, em meados do século passado, como um estado dinâmico de completo bem-estar físico, mental, social, e não apenas a ausência de doença. Definições posteriores alargam este conceito a outras dimensões, incluindo a espiritual (e.g., Eberst, 1984; Ellison, 1991; Perrin & McDermott, 1997). A própria OMS discutiu em 1983 a inclusão do bem-estar espiritual como uma nova componente na sua definição de saúde (Fleck & Skevington, 2007; O’Connell & Skevington, 2007). Actualmente, uma conceptualização holística da saúde abarca portanto, de forma integrada, pelo menos uma dimensão física, social, emocional, intelectual e espiritual (Chandler et al., 1992; Fisher, 2010a; Fleck et al., 2003).

Esta perspectiva holística da saúde alimenta, e é simultaneamente reforçada, pelo enfoque crescente dado ao estudo da relação entre espiritualidade e saúde, bem-estar e qualidade de vida (e.g., Panzini, Rocha, Bandeira, & Fleck, 2007; Sawatzky, Gadermann & Pesut, 2009; Wills, 2009). É já hoje extensa a literatura empírica sobre estas relações, como o demonstram as múltiplas e recentes meta-análises e revisões sistemáticas da literatura empírica (McCullough, Hoyt, Larsen, Koening, & Thoresen, 2000; Powell, Shahabi, & Thoresen, 2003; Sawatzky, Ratner, & Chiu, 2005;Vivat, 2008). Por exemplo, Sawatzky et al. (2005) seleccionaram inicialmente 3040 artigos, para a sua meta-análise sobre as relações entre a espiritualidade e a qualidade de vida global, retendo 51 depois de critérios apertados de definição conceptual e metodológica de ambos os construtos. Adiante resumiremos com mais detalhe os resultados sobre estas relações (capítulo 1.6).

Em resultado desta literatura que reconhece o impacto da espiritualidade para a saúde, e dada a sua importância crescente em estudos sobre o bem-estar geral, vários investigadores

têm proposto que a inclusão desta componente espiritual é essencial para uma mensuração adequada da qualidade de vida relacionada com a saúde na população geral (e.g., Mytko & Knight, 1999; O’Connell & Skevington, 2007; WHOQOL-SRPB Group, 2006).

No entanto, esta integração da espiritualidade para uma conceptualização holística da saúde e QV não é consensual. Ao longo dos anos, várias têm sido as vozes a favor e contra. Alguns obstáculos parecem impedir uma adequada definição e integração deste construto. Para além da visão negativa associada à espiritualidade e religiosidade que remonta a Freud, ou a ideia de que espiritualidade e ciência são mutuamente exclusivas (Miller &Thoresen, 2003; Weaver, Kline, Samford, Lucas, Larson, & Gorsurch, 1998), podem ainda referir-se outros argumentos para que se tenha negligenciado o seu estudo. Numa revisão recente sobre prós e contras da avaliação da espiritualidade e religião no âmbito das medidas de qualidade de vida relacionada com a saúde, O’Connell e Skevington (2007) resumem estas razões. Para alguns, a espiritualidade não é relevante como construto científico ou é demasiado idiossincrático para que possa ser medido de forma abrangente; para outros é relevante mas não se relaciona com o bem-estar e a QV. Para outros ainda, a espiritualidade faz parte de outras dimensões sociais ou psicológicas do bem-estar e QV não sendo uma dimensão independente. A todos estes aspectos podemos ainda acrescentar, a multiplicidade de definições de espiritualidade e bem-estar espiritual, dificuldades de mensuração e ausência de escolha consensual de indicadores relevantes, em parte resultante do reconhecimento das possíveis diferenças culturais e socioculturais na conceptualização da espiritualidade (Chiu, 2000; Koening, McCullough, & Larson, 2001; Moberg, 2002; Sawatzky et. al., 2005).

1.3.1. Modelos de saúde holística.

Apesar destas resistências, a procura de ligação entre os construtos da espiritualidade e da saúde tem sido uma preocupação recorrente dos que adoptam uma perspectiva holística da saúde. É esta perspectiva integrativa que é subscrita por exemplo por Vella-Brodrick e Allen (1995). Para estes autores, corpo, mente e espírito embora entidades separadas, são factores intimamente relacionados e que contribuem reciprocamente para o estado de saúde e para o bem-estar do indivíduo, sendo necessário um equilíbrio entre elas. Já de acordo com o modelo de bem-estar de Russell, a espiritualidade deverá ser vista antes como um construto abrangente, hierarquicamente superior, e que integra sob si as outras dimensões da saúde (Perrin & McDermott, 1997).

O modelo holístico de bem-estar de Hawks (1994), foi uma das primeiras tentativas de conceber e integrar a dimensão espiritual num modelo de saúde mais abrangente. O autor

propôs um modelo holístico de bem-estar, definindo cinco dimensões e hierarquizando-as em paralelo com a pirâmide de necessidades que Abraham Maslow propôs nos anos cinquenta. Na conceptualização de Hawks, a saúde seria um fenómeno multi-dimensional e holístico que incluiria três componentes prévias, necessárias para o desenvolvimento da dimensão espiritual do bem-estar: as componentes do bem-estar físico (capacidade de todos os sistemas corporais funcionarem eficazmente), mental (capacidade de aprender e funcionar intelectualmente) e

social (capacidade de viver relações positivas significativas com os outros que consigo

interagem). A dimensão espiritual de saúde, pontenciada pelas anteriores, corresponderia à capacidade de encontrar significado e sentido para a vida, e assentaria na identificação do indivíduo com uma determinada perspectiva do mundo, uma forma de estar que envolve um conjunto valores, crenças e comportamentos que deverá seguir como forma de construir o seu propósito na vida. Para Hawks (1994) esta componente corresponderia à auto-estima da Teoria de Necessidades de Maslow (1970) na medida em que aquela deriva igualmente de um

locus de controlo interno, e de uma sensação de harmonia consigo próprio e com os seus

valores. O bem-estar emocional seria a última componente hierarquicamente superior do modelo de Hawks (consistente com o conceito de auto-realização de Maslow) e envolveria a capacidade de sentir e expressar as emoções, desenvolvendo resistência psicológica e possibilitando no seu conjunto, o atingir de uma sensação de preenchimento e de sentido para a vida.

Já Chandler et al. (1992), no seu modelo holístico de bem-estar (Figura 1), sugerem que a saúde espiritual não seja conceptualizada apenas enquanto uma das várias dimensões de saúde. A saúde espiritual deveria ser antes vista como uma componente, em conjunto com uma outra componente pessoal, que estaria presente ou permearia cada uma das dimensões (física, emocional, social, ocupacional e intelectual) da saúde e bem-estar.

Para potenciar o seu bem-estar o indivíduo deveria investir no desenvolvimento da componente espiritual, em cada uma das dimensões de saúde. Um bem-estar óptimo existiria quando cada uma das suas várias dimensões tivesse um desenvolvimento equilibrado de ambos os componentes pessoais e espirituais. Esta componente espiritual funcionaria como um elemento integrador no self da mudança de comportamento relacionada com a saúde, contribuindo para a persistência desse novo comportamento. Nesta perspectiva, a saúde espiritual constituiria um percurso ao longo do qual o indivíduo poderia ir criando uma identidade nova, mais completa e integrada.

Mas existe ainda uma terceira perspectiva que corresponde ao “Modelo cúbico da saúde”, um modelo holístico proposto por Eberst (1984). Este modelo holístico propõe a integração das seis dimensões de saúde (física, emocional, mental, vocacional, social e espiritual) que se articulariam como as diferentes faces de um cubo, cada uma das quais dividida em sub-elementos. Entre estes sub-elementos da saúde espiritual incluem-se a inspiração ou força de vida, o entusiasmo, empenho e a procura de sentido, a aceitação das limitações pessoais (morte), a capacidade de amar e ser amado ou sentimentos de altruísmo. Fazendo uma analogia feliz com o cubo mágico, Fisher descreve que o modelo de Eberst pressupõe a interacção dinâmica não apenas das 6 facetas de saúde mas também entre os diferentes sub-elementos destas diferentes dimensões. Quando um destes elementos muda, essa alteração repercute-se directamente em quase todas as outras dimensões. A espiritualidade corresponderia aos eixos do cubo e forneceria o mecanismo que permite esta articulação e interacção entre as diferentes facetas e sub-elementos de cada dimensão de saúde.

Resumindo, os modelos propostos para a integração da espiritualidade na saúde apontam fundamentalmente três visões da saúde espiritual:

a) A saúde espiritual enquanto uma dimensão diferenciada mas intimamente relacionada com todas as outras dimensões de saúde (e.g., Adams, Bezner, & Steinhardt, 1997; Hawks, 1994; Hawks et al., 1995; Seaward, 1991);

b) A saúde espiritual permeando cada uma das outras dimensões interactivas de saúde (e.g., Chandler et. al., 1992); e por último

c) A espiritualidade vista enquanto eixo que fornece o processo através do qual se articulam e ganham sentido as diferentes dimensões de saúde.

O conceito de bem-estar espiritual (BEE) expressa, em si mesmo, esta integração da espiritualidade na saúde. Apesar do grande enfoque na investigação e conceptualização que nos últimos anos tem acompanhado esta área da espiritualidade e das suas relações com a saúde, existem ainda várias perspectivas relativamente à definição do conceito de bem-estar espiritual (Fisher, 2010a,b; MacDonald, Friedman, & Kuentzel, 1999; Moberg, 2008). Antes que possamos então resumir o que se sabe sobre as relações entre espiritualidade, saúde e bem-estar, impõem-se que clarifiquemos o conceito de Bem-estar espiritual e o modo como tem sido medido. Desenvolveremos em particular o modelo conceptual e operacional que utilizaremos nesta tese.