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1.5. Mensuração da espiritualidade e do bem-estar espiritual.

1.5.4. O Spiritual Well-Being Questionnaire.

Este instrumento teve o seu primeiro esboço em 1999 e foi objecto de algumas revisões ao longo dos últimos anos. Assim, depois do estudo qualitativo inicial realizado por Fisher (1999; 2010a) no âmbito da sua tese de doutoramento, foi conduzido um outro estudo qualitativo em 2000, com 311 professores primários visando a identificação de indicadores para cada domínio de BEE. Deste estudo resultou uma primeira versão, então designada por “Spiritual Health in Four Domains Índex” (SH4DI; Fisher et al., 2000, 2002). Em 2003, Gomez e Fisher publicam o “Spiritual Well-Being Questionnaire”, instrumento criado e validado ao longo de um conjunto de estudos realizados junto de estudantes do ensino secundário e superior na Austrália, Inglaterra e Irlanda (Gomez & Fisher, 2003, 2005a,b). Este instrumento é composto por 4 subescalas (com cinco itens cada). Cada uma diz respeito a um dos domínios propostos por Fisher. O domínio Pessoal inclui itens que abordam o modo como a pessoa se relaciona consigo própria em termos do significado, propósito e valores na vida (e.g., “meaning in life”); o Comunitário, com indicadores que expressam a qualidade e profundidade das relações interpessoais e a disponibilidade face aos outros (e.g., “kindness towards other people”); o Ambiental que lida com a protecção e cuidado com o mundo físico e biológico, incluindo um sentimento de respeito, admiração e de união com a natureza (e.g., “oneness with nature”); e um domínio Global ou Transcendental que se refere às relações do eu com algo ou alguma coisa para além do nível humano, como uma força cósmica, uma realidade transcendente ou Deus, e envolve sentimentos de fé, adoração e culto ou veneração,

relativamente à fonte de mistério do universo (e.g., “personal relationship with the Divine/God” ou “worship of the Creator”). As quatro dimensões poderão agregar-se, indicando um nível global do BEE de um indivíduo. Pretende-se que a pessoa indique em que medida, na sua experiência pessoal actual, sente estar a desenvolver cada um dos indicadores de BEE.

Os estudos efectuados para validação do “Spiritual Well-being Questionnaire” revelaram bons níveis de consistência interna para as diferentes dimensões (valores de alfa entre 0,76 para componente ambiental e 0,92 para o total da escala). Os resultados dos vários estudos mostraram ainda a existência de uma relação entre o modelo de bem-estar espiritual de Fisher (nomeadamente nas escalas de bem-estar espiritual pessoal, comunal e ambiental) e características como a extroversão (positiva), o neuroticismo e o psicoticismo (negativas), e também índices de validade incrementada face à personalidade na predição da felicidade. Os dados suportam igualmente a independência do construto relativamente à personalidade (Gomez & Fisher, 2003). Como já referimos, e de acordo com os autores, níveis mais elevados deste construto podem, no entanto, não significar necessariamente maior bem-estar individual. Indicam antes um maior nível de desenvolvimento desta componente espiritual. Os diferentes domínios de BEE poderão ter relações diferentes com distintas componentes de bem-estar físico, psicológico ou com a qualidade de vida geral (e.g., Gomez & Fisher, 2003). De acordo com o modelo de Fisher (1999) e os resultados da sua aplicação até ao momento, é no entanto expectável que a maioria das dimensões possam estabelecer relações positivas com vários indicadores de bem-estar e qualidade vida (e.g., Gomez & Fisher, 2003; Gouveia et al., 2008).

Mais recentemente foi desenvolvida uma outra versão deste instrumento, idêntica em termos dos itens incluídos mas que permite avaliar, não apenas a experiência actual do indivíduo mas também a importância que ele atribui a cada indicador e domínio, para um estado de saúde espiritual ideal. Esta dupla avaliação de cada item, permite confrontar os resultados de cada sujeito com a sua própria representação do conceito, controlando a existência dos diferentes perfis de BEE que já referimos (e.g., Fisher 2007; Fisher et al., 2001). Fisher designou este instrumento de “Spiritual Health And Life Orientation Mesure” (SHALOM), e utilizou-o em vários estudos (e.g., Fisher, 2006, 2007, 2008). O SHALOM permite portanto compor uma medida de comparação intra-individual através do cálculo da congruência entre o ideal de BEE (Life Orientation Measure) e o nível de experiência vivida

reportada pelo indivíduo (Spiritual Health Measure). Este nível de congruência permite aceder ao grau de cumprimento dos valores de desenvolvimento espiritual do indivíduo.

Resumindo, face à grande maioria dos outros instrumentos, o “Spiritual Well-being Questionnaire” (SWBQ) apresenta a clara vantagem de ter sido desenvolvido com base num modelo conceptual que não foi apenas construído por revisão teórica mas também validado empiricamente. A definição abrangente que lhe subjaz apresenta também maior potencial de adequação a diferentes grupos ideológicos, permitindo a mensuração discriminada das várias dimensões de BEE ou mesmo de perfis pessoais deste construto (e.g., personalistas, racionalistas, ou globalistas). Uma adequada diferenciação e mensuração destas dimensões poderá ser relevante uma vez que parecem ter repercussões distintas nas medidas de bem-estar físico e psicológico (e.g., Fehring, Brennan, & Keller, 1987; Gomez & Fisher, 2003).

Apesar desta definição do conceito de BEE não o implicar necessariamente, a verdade é que como noutros instrumentos, os indicadores retidos na versão final da dimensão Global ou Transcendental do SWBQ acabam por assumir uma perspectiva marcadamente cristã, com referência a Deus em quase todos os itens. Este facto não é de estranhar tendo em conta a forte representação desse referencial nas populações em que o instrumento foi validado (Austrália, Irlanda, Inglaterra). No entanto esta característica dos itens pode ser reactiva para alguns grupos específicos da população que rejeitem visões mais teocêntricas da transcendência e constituir-se como uma limitação deste instrumento na sua avaliação da dimensão Transcendental nesses grupos. Tendo em conta a grande probabilidade de alguns dos participantes deste estudo (e.g., praticantes de Sámkhya Yoga ou Tai Chi taoista) assumirem referenciais ideológicos com fortes influências budistas ou taoistas, o processo de adaptação deste instrumento (descrito adiante no Estudo 2 e em Gouveia, Pais-Ribeiro & Marques, 2009), partiu de uma exploração qualitativa da representação do construto de BEE (ver Estudo 1) - semelhante às entrevistas realizadas por Fisher (1999) - visando a possível necessidade de ajustamento do SWBQ a este tipo de população específica.