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CAPÍTULO 1 – Temporalidade e contexto: o Institucionalismo Histórico e o debate

1.3 O debate sobre grande estratégia como instituição

1.3.2 Implementação da grande estratégia por atores

são o fruto de um desenvolvimento unidirecional e, sim, o resultado de lutas políticas. Assim, podem passar por transformações e desdobramentos não intencionais, ao longo do tempo, enquanto moldam o comportamento dos mais diversos atores. E as instituições, como dito anteriormente, não são mecanismos de coordenação neutros, mas, “(...) na verdade, refletem e também reproduzem e expandem determinados padrões de distribuição de poder na política21” (THELEN, 1999, p. 394, tradução nossa).

Assim, uma análise que se propõe a entender a grande estratégia dos EUA como uma instituição, precisa levar em consideração os atores que moldam e que são influenciados no e pelo processo de configuração dessa grande estratégia, que se transforma com o passar do tempo, com novas conjunturas críticas e com a reconfiguração de forças dos atores.

Hill (2003, p. 20) entende que os atores não são entidades abstratas, mas sim os próprios tomadores de decisão, que possuem a capacidade de formular políticas e de executá- las. Esses atores são constrangidos pela estrutura, que podem ser processos ou padrões de interação entre os atores. A estrutura, assim, afeta as decisões dos atores e também é moldada pelas decisões que eles tomam, criando um processo dinâmico (HILL, 2003, p. 26).

É com isso em mente que este item discute o papel dos atores na grande estratégia dos EUA, buscando compreender a interlocução entre os mais diversos atores que medeiam e influenciam tal política, ressaltando que o elemento primário para a compreensão da grande estratégia é o processo político que envolve sua formulação e implementação.

No caso dos EUA, vamos elencar os atores mais comuns e diretamente envolvidos na articulação da grande estratégia. Em primeiro lugar, o presidente dos EUA acumula papéis institucionalizados que se desdobram em chefe de Estado, comandante em chefe (commander in chief) das forças armadas e diplomata chefe, sendo responsável pela negociação de tratados, nomeação de diplomatas e determinação de políticas específicas. É possível, portanto, compreender a presidência, a partir do papel de chefe do Executivo ou de seu papel como legislador chefe.

Ao longo do tempo, o papel do presidente na formulação da política externa estadunidense cresceu, mas é essencial ressaltar que “o foco primário dos sistemas de formulação de política externa dos EUA repousa em uma infraestrutura executiva de departamentos e agências cujas raízes e autoridades são derivadas do poder constitucional

21 Do original: “The idea is that institutions are not neutral coordinating mechanisms but in fact reflect, and also

conferido ao gabinete presidencial22” (FOLEY, 2008, p. 111, tradução nossa). Assim, o papel do presidente na formulação da política externa precisa ser observado, em relação a instâncias como o Departamento de Defesa, de Estado e do Conselho de Segurança Nacional (National Security Council, NSC)23, por exemplo, que são parte do poder Executivo.

O NSC é presidido pelo presidente e é composto por figuras constantes, como o vice- presidente, os Secretários de Defesa, de Estado e do Tesouro, o diretor da CIA e o Conselheiro de Segurança Nacional, dentre outros, bem como outras figuras cuja participação é mais esporádica, quando considerado necessária. Além disso, a configuração política do NSC varia ao longo das administrações estadunidenses, principalmente a partir das escolhas pessoais feitas pelo presidente em exercício, mas algumas figuras são mais recorrentes, como é o caso dos Secretários de Defesa e de Estado, que são conselheiros diretamente subordinados ao presidente, e do Conselheiro de Segurança Nacional, cuja nomeação é feita pelo presidente e que não requer a aprovação do Congresso norte-americano. Juntos, eles constituem a chamada tríade política (policy triad), no sentido de constituição de políticas, com as funções de aconselhamento do presidente sobre a integração das esferas doméstica e internacional e o andamento das políticas militares (HAFNER, 1994, p. 39).

É importante observar que, além de suas funções como conselheiros diretos do presidente por meio do NSC, os Secretários de Defesa e de Estado acumulam as funções de organização e de chefia de seus respectivos departamentos. Além disso, os Departamentos de Defesa e de Estado estão em constante diálogo com o Congresso e com outros departamentos estatais24, o que demonstra o alto nível de troca de informações (input) que ocorre nessa instância (SARKESIAN et al., 2008, pp. 92-97).

Entretanto, nenhum presidente que almeje aprovar suas iniciativas pode isolar-se do Congresso ou das lideranças da Câmara e do Senado. Pelo contrário: o papel do Congresso para o desenvolvimento e apoio de uma política é essencial, com destaque para sua prerrogativa de controle orçamental, o que pode afetar drasticamente uma política pretendida

22Do original: “The primary focus of America’s foreign policy-making systems lies with an executive

infrastructure of departments and agencies whose roots and authority are drawn from the initial grant of constitutional power to the presidential office” (FOLEY, 2008, p. 111).

23 Foi somente com o National Security Act de 1947 que a integração entre as funções militar, política e de

inteligência no processo de constituição de políticas de segurança nacional foi realizada, com a criação do NSC pelo Congresso. O Conselho não tem um braço operacional, pois suas recomendações, se aprovadas pelo presidente, precisam ser implementadas pelos Departamentos de Defesa, de Estado e pela Agência Central de Inteligência (Central Intelligence Agency, CIA).

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“Aside from their advisory functions as statutory members of the NSC, the secretaries of state and defense also play significant roles in the national security establishment as cabinet members and department heads. Furthermore, the Departments of State and Defense have substantial links to Congress and are involved in a variety of formal relationships with other countries. Their perspectives thus reflect many influences” (SARKESIAN et al., 2008, pp. 92-97).

pela presidência (SARKESIAN et al., 2008, p. 187). Nesse sentido, é interessante observar a influência do Congresso no processo de formulação da política externa dos EUA, embora a partir de uma perspectiva muitas vezes ambígua e até mesmo secundária (FOLEY, 2008, p. 116), mas com inegável destaque para a prerrogativa de declaração de guerra e de ratificação de tratados internacionais.

O Senado e a Câmara dos Representantes compõem o cerne do Legislativo dos EUA e é especialmente interessante observar a lógica de interação entre os partidos Democrata e Republicano, em tais instâncias. Conforme observado por Prado (2017, p. 83),

“a cooperação bipartidária (bipartisanship) foi observada em alguns momentos da história política dos EUA. Trata-se de um acordo ou cooperação entre dois partidos políticos que são normalmente opostos em suas políticas para que a maioria, ou quase maioria, dos partidos no Congresso vote em conjunto”.

Nos EUA, a cooperação bipartidária pode ser analisada especialmente em temas de política externa e de segurança nacional, com apoio a decisões presidenciais e aprovação de significativos orçamentos. Mas também é interessante notar que o Congresso estadunidense passou a analisar mais de perto as questões de política externa por meio de subcomitês e a questionar o sigilo e centralização das decisões na esfera executiva, especialmente a partir dos desdobramentos da Guerra do Vietnã, e legislações, como o War Powers Act, de 1973, expandiram o papel do Congresso em tais áreas (SARKESIAN et al., 2008, p. 179).

Os representantes do Executivo e o Legislativo – bem como os de diversas outras instâncias da vida política – não estão isolados em suas funções e, como argumentado, não fazem parte de instituições neutras. Como apontam Van Apeldoorn e De Graaff (2016, p. 13, tradução nossa, grifo dos autores), “o poder estatal precisa ser analisado, em relação ao poder privado que está enraizado na sociedade e às relações sociais predominantemente desiguais25”. Nesse sentido, é preciso observar o papel que atores não governamentais desempenham na formulação das mais diversas políticas e, mais especificamente, na grande estratégia.

Grupos de interesse, entendidos como organizações formais ou informais, em torno das quais indivíduos se agrupam para perseguir determinados interesses e influenciar na elaboração de regras burocráticas (com o exercício de lobby), são um dos exemplos de atores não governamentais. Embora não sejam considerados como grupos de interesse propriamente ditos por grande parte da literatura, think tanks, ou simplesmente incubadores de ideias, também são instâncias que influenciam o processo de formulação das políticas de um Estado.

25 Do original: “(...) state power has to be seen in relation to private power rooted in society and prevalent

Tais organizações realizam pesquisas e análises para a formulação de políticas públicas, fornecem consultorias para governos e agências governamentais e proveem funcionários especializados para o setor público, dentre outras funções (McGANN, 2003, p. 88). Buscam instruir e convencer funcionários públicos, legisladores ou o público em geral (GRAY, 1978, p. 182).

Suas origens datam desde o começo do século XX, mas sua expansão ocorreu principalmente nos EUA, no final da Segunda Guerra Mundial e no pós-Guerra Fria, o que foi visto por alguns autores como uma resposta positiva para a formulação de propostas, em um contexto de aprofundamento de problemas transnacionais (McGANN, 2003). Outros autores, por sua vez, já ressaltam o aspecto subjetivo do papel dessas organizações na formulação de políticas governamentais, pois cada think tank se localiza em um ponto diferente do espectro ideológico e possui diferentes fontes de financiamento, por exemplo (BERTELLI; WENGER, 2009, p. 225).

Os think tanks não estão associados diretamente com partidos políticos, mas eles não estão dissociados da prática política. Pelo contrário:

“por reunir intelectuais (alguns, acadêmicos) e profissionais de outros segmentos, os think tanks aproximam duas pontas que são contraditórias: a objetividade científica, caracterizada pelo rigor metodológico – suposta garantia de produção de um saber neutro, imparcial, isento, acima de outros saberes – e a prática política, que em sua essência é ação humana estratégica, mas guiada por valores que configuram o pensamento político” (SILVEIRA, 2013, p. 9).

Nesse sentido, um ponto importante observado por Gray (1978, p. 182), é que os think tanks não são incubadoras de ideias gerais, voltadas para um possível “bem-comum”, mas estão integrados, em grande medida, ao setor de pesquisa e desenvolvimento da indústria de defesa norte-americana. Assim, suas pesquisas e proposições estão diretamente voltadas para temas de segurança nacional e de política externa, principalmente.

É importante ressaltar que tais organizações funcionam como uma porta giratória (revolving door) para políticos que deixaram seus cargos e que passam a fazer parte dos mais diversos think tanks, bem como um cartão de visitas para especialistas serem convidados a participar de governos, o que explica a caracterização de tais organizações como um “governo sombra” (shadow government) ou o quarto braço do governo (TAO, 2018, p. v), pois

“nos EUA, uma vez que há troca de lideranças no governo, também haverá mudança nas equipes, nos níveis médio e alto das instituições administrativas. As vagas são normalmente ocupadas por especialistas e por acadêmicos que vêm de think tanks. Enquanto isso, think tanks proporcionam um ambiente institucional para funcionários de administrações antigas, possibilitando que eles usem informações que coletaram previamente no governo e continuem a se envolver no debate sobre

importantes questões diplomáticas (...) ” (WEI, 2018, pp. 17-18, tradução nossa).

Nesse sentido, antes de analisar, no segundo capítulo, a grande estratégia dos EUA e como a China está presente nela, ao longo do tempo, o último item deste capítulo recupera, a partir de um ponto de vista já mais empírico, as opções competitivas majoritárias de grandes estratégia dos EUA, que são separadas entre neoisolacionismo, engajamento seletivo, segurança cooperativa e primazia, seguindo a classificação proposta por Posen e Ross (1997), e que marcaram grande parte da estratégia dos EUA, ao longo de sua história.