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CAPÍTULO 3 – A grande estratégia dos EUA e a competição com a China (2001-2019)

3.1 Nova conjuntura, novas demandas e novos atores

Esse tópico tem por objetivo elencar determinadas instâncias governamentais e não governamentais que desempenharam um papel na formulação da grande estratégia dos EUA e, mais especificamente, na política para a China, entre os anos de 2001 a 2019. A conjuntura desse período demandou que novas instâncias, mais específicas, fossem criadas para observar e lidar com o fenômeno chinês, cada vez mais, visto com preocupação pelos dirigentes norte- americanos. Serão analisadas, mesmo que brevemente, as origens de algumas dessas instâncias para, nos próximos itens, observar como elas influenciaram as administrações no estudo e no debate sobre a China.

Medeiros e Green (2017, p. 52) ressaltam que, nas décadas de 1980 e 1990, tanto o Executivo quanto o Legislativo eram atores-chave tanto no processo de formulação, quanto de implementação da política dos EUA para a China, e que, para além do destaque que a atuação presidencial ganhou nos anos 2000, também é interessante ressaltar o papel de instâncias como comissões legislativas e, evidentemente, o papel que certos think tanks desempenharam no debate de tal política.

Dentre as novas instâncias governamentais, temos o The U.S.-China Economic and Security Review Commission (USCC), criado pelo Congresso em 2000. O USCC é composto por 12 membros indicados para mandatos de dois anos e possui um mandato legislativo para monitorar, investigar e reportar anualmente para o Congresso os impactos da relação comercial e econômica entre EUA e China, na segurança nacional norte-americana. Isso demonstra a importância do comércio e, principalmente, do cumprimento de regras comerciais pela China, para os EUA.

O USCC também é responsável pela publicação de boletins e pela condução de audiências, que buscam informar o público em geral e os membros do Congresso sobre o estado das relações comerciais e econômicas e sobre demais assuntos que possam representar risco para a condução das mesmas. A partir desse assessoramento, a Comissão faz recomendações por meio de seus relatórios anuais para o Congresso, que pode legislar e

tomar medidas administrativas cabíveis para o enfrentamento das questões apontadas (US- CHINA ECONOMIC AND SECURITY REVIEW COMMISSION, 2019).

Também é interessante destacar o trabalho exercido pelo Congressional-Executive Commission on China (CECC), criado em 2001, com um mandato legislativo para monitorar e reportar questões relacionadas aos direitos humanos e ao desenvolvimento do estado de direito (rule of law) na China. Composto por nove membros da Câmara e nove do Senado, além de um representante do Departamento de Estado, de Comércio e de Trabalho, e outros dois indicados pelo presidente, o CECC monitora o cumprimento da Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU e do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos. A partir desse assessoramento, a Comissão publica relatórios anuais, que são levados em consideração especialmente pelo presidente dos EUA e pelo Comitê de Relações Internacionais da Câmara (CONGRESSIONAL-EXECUTIVE COMMISSION ON CHINA, 2019).

Outra instância relevante é o U.S.-China Working Group (USCWG), criado em 2005 e composto por membros republicanos e democratas do Congresso. O USCWG visa a incentivar as relações diplomáticas com a China, bem como “(...) educar membros do Congresso por meio de reuniões e instruções com líderes empresariais, acadêmicos e políticos dos EUA e da China71” (US-CHINA WORKING GROUP, 2019, tradução nossa), buscando o desenvolvimento de uma estratégia para as relações sino-americanas contemporâneas. Seus membros costumam realizar viagens para a China, para fomentar o intercâmbio entre os dois países.

Além das instâncias governamentais, alguns think tanks ganham destaque, no tocante à sua influência, em relação à política dos EUA para a China, seja por meio da formação de profissionais que atuaram nas mais diversas administrações, seja por meio de suas pesquisas e crescente participação em debates públicos (WEI, 2018, p. 24). Nesse sentido, os seguintes think tanks são algumas das organizações que influenciaram a política dos EUA para a China: The Brookings Institution, Council on Foreign Relations, Heritage Foundation, The Asia Society e Woodrow Wilson International Center for Scholars.

A The Brookings Institution foi fundada nos anos 1920, focando incialmente na economia doméstica e na administração governamental, mas expandiu sua área de atuação, depois da Segunda Guerra Mundial, buscando influenciar o processo de política doméstica e

71 Do original: “The U.S.-China Working Group seeks to build diplomatic relations with China and educate

Members of Congress through meetings and briefings with business, academic and political leaders from the U.S. and China” (US-CHINA WORKING GROUP, 2019).

externa estadunidense. Historicamente mais próximo do partido Democrata e com orçamento de pelo menos 3 milhões de dólares anuais, o think tank estabeleceu o John L. Thornton China Center, em 2006, sendo o primeiro centro que foca em somente um país, desde a criação da organização. The Brookings é reconhecido como o clássico exemplo de revolving door na política estadunidense, com uma equipe de pesquisadores sobre a China que participaram de governos, como Jeffrey Bader72, e de pesquisadores amplamente conhecidos no debate público sobre a China, como David Shambaugh (WEI, 2018, pp. 28-29).

O Council on Foreign Relations (CFR) tornou-se uma instituição formal em 1921 e, atualmente, conta com mais de 4.000 membros, incluindo ex-presidentes, Secretários de Estado e outros oficiais. De orientação pragmática, “(...) o conselho é devotado a promover ideias e apoio estratégico específico para o processo de tomada de decisão governamental73 (WEI, 2018, p. 41, tradução nossa). O CFR é apresentado como um incentivador da aproximação entre os EUA e a China na década de 1970 e, mais contemporaneamente, figura como uma organização que continua a acreditar na integração da China, no sistema internacional, e no aumento da cooperação sino-americana, mas sem questionar a soberania de Taiwan, por exemplo (WEI, 2018, p. 41).

O Heritage Foundation já é apresentado como um think tank conservador, sendo reconhecido enquanto a organização conservadora com maior influência contemporânea na política dos EUA e mais alinhada ao partido Republicano. Fundado em 1972, o think tank expandiu suas pesquisas na região da Ásia-Pacífico, na década de 1980, criando o Asian Studies Center, em 1983. Atualmente, um terço de seu orçamento anual é usado para divulgar suas ideias e publicações, na mídia estadunidense (WEI, 2018, p. 41). Diversos de seus pesquisadores já argumentaram que a China é uma ameaça, questionando a one China policy e defendendo o aumento da venda de armamentos para Taiwan (TAO, 2018, p. ix).

A The Asia Society, por sua vez, foi fundada em 1956 por John Rockefeller, apresentando-se como uma instituição não partidária e sem objetivos lucrativos, que busca aproximar os EUA da Ásia. Focando na relação bilateral entre EUA e China, tal think tank fundou o Asia Society’s Center on U.S.-China Relations, em 2006, cujos membros participam

72 Jeffrey Bader entrou no Departamento de Estado, em 1977, sendo parte da equipe que formulava a política dos

EUA para a Ásia e, mais especificamente, para a China, por mais de 30 anos. Serviu como assistant US trade representative, entre 2001 e 2002 e, portanto, participou de parte das negociações e presenciou a entrada da China na OMC. Com Obama, Bader foi convidado a se tornar diretor para a Ásia como special assistant to the president no National Security Council, entre 2009 e 2011.

73 Do original: “Adhering to the central line, the council devotes itself to provide ideas and specific strategic

de eventos e projetos que exploram as áreas de interesse comum entre os dois países. Orvile Schell, diretor, é um dos principais pesquisadores de tal instituição (ASIA SOCIETY, 2019).

Finalmente, o Woodrow Wilson International Center for Scholars (WWI), compreendido enquanto um think tank fundado pelo Congresso dos EUA, em 1968, mas que não está subordinado a nenhuma agência governamental (embora aproximadamente um terço de seu orçamento seja estatal). O WWI trabalha principalmente como uma plataforma para seminários e conferências entre pesquisadores, com a publicação de relatórios especiais que expressam as visões dos participantes dessas reuniões, visando a fornecer referências mais precisas para os tomadores de decisão (WEI, 2018, p. 57).

Em 1997, o think tank fundou o China Environment Forum Project, que buscava promover o diálogo entre os EUA e a China, principalmente, sobre questões ambientais e uso de energia e, em 2008, fundou o Kissinger Institute on China and the United States, dirigido por Stapleton Roy, antigo embaixador dos EUA na China, com o objetivo de ser uma plataforma para discussões sobre as relações sino-americanas.

É essencial destacar como a categorização rígida de atores em favoráveis ou contrários à China (pro-China ou anti-China) é insuficiente para a compreensão da realidade: algumas instituições, como think tanks, podem trabalhar, no sentido de incentivarem as relações sino- americanas em alguns tópicos, enquanto sustentam posições distintas em outros. Conforme exemplifica Tao (2018, p. ix, tradução nossa),

“(...) o Heritage Foundation e o American Enterprises Institute são famosos think tanks conservadores e alguns de seus intelectuais discutiam a China como uma ameaça, sem quaisquer reservas, ao mesmo tempo em que advogavam pelo desenvolvimento dos laços entre EUA e Taiwan e pela venda de armamento para a ilha, chegando até mesmo a desafiar a política de uma só China. Suas posições não mudaram. Entretanto, durante o debate sobre o status da nação mais favorecida da China, nos anos 1990, intelectuais, principalmente nesses dois think tanks, apoiaram a extensão do status para a China, sem quaisquer precondições74”.

Isso não é contraditório à tendência de consenso na política dos EUA, em relação à China; pelo contrário: mesmo com significativas divergências nas mais diversas áreas, existe uma estrutura que mantém a institucionalização da política estadunidense para a China e que reconhece a importância de tal país para a manutenção da grande estratégia estadunidense, conforme exposto ao longo dos capítulos anteriores.

Com tais elementos em mente, os próximos tópicos discutirão o input de tais

74 Do original: “For example, the Heritage Foundation and American Enterprises Institute are famous

conservative think tanks, and some scholars there have argued about China threat without any reservation, while advocating the advancement of U.S.-Taiwan ties and arms sales to the island and even challenging the one-China policy. Their position has not been changed. Nevertheless, during the debate on China’s MFN trade status in the 1990s, scholars in these two think tanks principally supported its extension to China without any preconditions” (TAO, 2018, p. ix).

instâncias, governamentais e não governamentais, no debate da grande estratégia dos EUA e, mais especificamente, na política setorial para a China. Conforme ressaltado, cada ator possui uma orientação política própria, mas eles influenciam das mais diversas formas no debate e no processo de formulação da política. Evidentemente, outros think tanks e diversos grupos de interesses também influenciaram as administrações, mas busca-se ressaltar como os atores citados e seus membros atuaram, no período em análise, dentro da grande estratégia estadunidense.