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3 CONCLUSÃO

3.1 IMPLICAÇÕES TEÓRICAS

A partir do problema de pesquisa, sobre a existência ou não de relações entre a aculturação e os valores culturais e construtos de preferência de consumo de uma pessoa, foi realizado o presente estudo. Resultados obtidos junto a grupos de executivos brasileiros expatriados em países de culturas predominantemente coletivistas ou individualistas indicaram diferenças culturais e no comportamento de consumo, quando comparados entre si e em relação a brasileiros residentes no Brasil, tais como:

I. Médias com efeitos significativos em individualismo e individualismo vertical, com maior escore para G1 em relação a G2, o que corroborou H1 (GRAF. 34);

II. Médias com efeitos significativos, mais elevadas em G1 que em G2 em relação aos construtos da rota indireta do MDR – identificada como a preferida em países de cultura predominantemente individualista –, que corroborou H2 (GRAF. 35);

III. G1col e G1ind apresentaram diferenças de médias com efeitos significativos em relação aos construtos de preferência de julgamento afetivo e significado simbólico. Neste caso, G1col mostrou resultados mais expressivos que G1ind, condizentes com estudos que comprovaram que a rota direta do MDR é a preferida em países de cultura predominantemente coletivista. Quando o MDR foi testado por meio da SEM constatou-se que os expatriados de G1col continuaram a preferir a rota direta e os de G1ind preferiram a rota indireta, porém sem deixar de valorizar construtos da rota direta, denotando alterações devido ao novo ambiente cultural que levou à elevação no nível de idiocentrismo, neste caso.

As hipóteses gerais H1 e H2 foram corroboradas quanto à existência de efeitos significativos

nas diferenças de escores entre grupos de executivos expatriados e entre estes e grupo de executivos residentes no Brasil quanto a dimensões culturais (coletivismo e individualismo e suas manifestações horizontal e vertical) e preferência por formas de julgamento e atribuição de significado a produto. Entretanto, o mesmo não se verificou quanto às hipóteses específicas H3 a H9, que foram todas refutadas. Em termos teóricos, tais constatações indicam

que a influência da aculturação nos valores culturais e nos construtos relacionados ao comportamento do consumidor previstos no MDR requer novos estudos e abordagens que permitam estudar o tema com mais profundidade. O fato de algumas médias terem se

comportado de acordo com as hipóteses, porém sem efeitos significativos, servem como estímulo para persistir na investigação das situações hipotetizadas e não confirmadas.

As hipóteses específicas deste estudo previam que os expatriados seriam mais afetados pela cultura predominante no país de residência. Dessa forma, por exemplo, um expatriado brasileiro vivendo nos Estados Unidos (portanto, componente de G1ind), país onde predomina a cultura individualista, teria seu escore aumentado no padrão cultural individualismo e, em contrapartida, seu escore se reduziria em coletivismo, tendo G2 como elemento de comparação. Em G1col o raciocínio seria de forma inversa. No entanto, os resultados indicaram não existir, necessariamente, essas presumidas relações inversas e compensatórias explicitadas de H3 a H9.

O fato de os expatriados terem apresentado escores significativos em individualismo e individualismo vertical gerou os seguintes questionamentos: (1) Tal constatação seria decorrente somente da aculturação? (2) Poderia ter sido motivado por outra variável, como a possibilidade de os executivos expatriados terem como característica marcante o idiocentrismo e por isso tenderem a assinalamentos mais elevados nos itens de individualismo? (3) Decorreria de ambos ou mais fatores?

Em relação aos construtos relacionados ao comportamento de consumo previstos no MDR, também sobressaíram indícios de uma relação com a aculturação. Os testes do MDR, por meio da SEM, identificaram que G1col interagiu com a rota direta (mais subjetiva), o que era esperado, enquanto G1ind se relacionou com a rota indireta (mais racional), que teoricamente não era um resultado assegurado, dada a natureza cultural coletivista que se verifica no Brasil. Essa variação se tornou mais evidente quando se analisou o conjunto dos expatriados, em que a relação com a rota direta mostrou-se dominante. Assim, fica mais uma vez evidente as alterações que vêm ocorrendo nos valores culturais e no comportamento de consumo dos expatriados.

Portanto, este estudo detectou que brasileiros tendem a favorecer mais aspectos culturais individualistas quando na condição de expatriados. Uma possível explicação é o fato de que a maioria dos países considerados individualistas têm uma característica comum que é a contínua redução do Estado na economia, em longo prazo, o que diminui o paternalismo estatal e cria um ambiente comercial mais livre e, consequentemente, mais individualista (ETTORRE, 1998). Nesse contexto há uma tendência do indivíduo a adotar uma postura mais

idiocêntrica, levando-o a atribuir maior importância a valores individualistas. Esse fenômeno também vem se observando no Brasil e pode-se afirmar que é mais acentuado no segmento de expatriados, pois em sua maioria trabalham em grandes empresas privadas.

Essa tendência havia sido identificada durante entrevistas de profundidade com expatriados e que vieram a se confirmar por meio dos testes estatísticos. De acordo com depoimentos coletados pelo pesquisador, os expatriados vivem em ambientes culturais distintos dentro de um mesmo país. O ambiente coletivista é preservado principalmente no ambiente familiar e por meio de relacionamentos com outros brasileiros. Porém, é no ambiente mais individualista dos negócios que o executivo expatriado passa a maior parte do dia e onde recebe a maior carga de influências do ambiente. O ambiente externo, que espelha o cotidiano do país onde reside talvez seja o que mais lentamente o influencia em termos de valores culturais, que guarda relação com o roteiro da curva de aculturação (FIG. 7), de Hofstede e Hofstede (2005) e o ciclo de transição cultural, de Sussman (2002).

Dessa forma, o brasileiro expatriado se torna mais receptivo a valores individualistas sem abrir mão da sua natureza coletivista, o que foi estatisticamente comprovado por meio da relação significativa entre individualismo e julgamento afetivo no conjunto dos expatriados (TAB. 28). Isso significa que mesmo optando por um caminho decisório mais racional, esses indivíduos não preterem a forma subjetiva de análise com a qual se habituaram. Tal resultado também indica a possibilidade de existência de uma nova rota de preferência de decisão consumo, não prevista no MDR (valores atributos julgamento passo a passo e julgamento afetivo significado utilitário e significado simbólico) que ampliaria o seu escopo teórico.

As médias apuradas nos testes das hipóteses apresentaram diferenças reduzidas entre os escores de G2 em relação a G1 ou em relação a G1col e G1ind. Uma possível explicação para essa margem estreita se relaciona com a intensidade do processo de incorporação das influências da aculturação, que parece ser relativamente lenta se consideradas as diferenças dos escores em relação à média de tempo de expatriação, que em G1 foi de aproximadamente 6,16 anos. Outra provável explicação seria uma supremacia da enculturação sobre a aculturação, pois apesar de a primeira se iniciar com a socialização do indivíduo e estar bastante internalizada ao final da adolescência, continua por toda a sua vida, seja de maneira formal ou informal. Por outro lado, como afirmou Triandis (1995), a assimilação de novos

valores culturais tem caráter situacional, se altera conforme o ambiente, vem acompanhada de processos sociais e psicológicos e não ocorre de forma semelhante em todos os indivíduos.

Retornando ao MDR, o estudo sobre possíveis variáveis mediadoras no modelo verificou 16 efeitos mediadores por meio 52 regressões, não sendo identificado nenhum que fosse considerado válido estatisticamente. Esse estudo, sem registros anteriores na literatura científica, apresentou um cenário para novas perspectivas teóricas e práticas de investigação sobre relações subjacentes no MDR. A não identificação de efeitos mediadores válidos remete à oportunidade de inclusão de novas variáveis na escala de julgamento e significado de produto para exploração de novas rotas e relações subjacentes de mediação, com base nas sugestões dos resultados relatados.

Todas estas considerações aqui apresentadas e discutidas estão relacionadas a um ambiente cultural globalizado, multiétnico e em acelerada transição social, como é o caso do Brasil. Esse quadro proporciona novas perspectivas teóricas para estudos transculturais e suas influências no comportamento do consumidor e, portanto, devem ser pesquisadas com profundidade. Vale destacar que o estudo de Hofstede (1980) sobre o padrão cultural predominante em diversos países do é da década de 1970 e a realidade do mundo contemporâneo é muito diferente daquela época. Assim, os pesquisadores devem buscar identificar as mudanças com insistência, inclusive junto a populações específicas e mais expostas ao contato com ambientes culturais diferentes como é o caso dos executivos expatriados, tendo em vista antecipar os efeitos em contingentes mais numerosos da população.

Além de implicações teóricas importantes, alguns pontos significativos do estudo remetem a contribuições do estudo para questões práticas e gerenciais, o que está contemplado a seguir.