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“ a constituição estabelece ainda que a função social da terra é cumprida quando a propriedade atende entre outros requisitos de

2.1. A importância da educação no MST

“Feita a revolução nas escolas, o povo a fará nas ruas, embora essa vinculação não seja necessária. Na China, em Cuba, na Rússia, sem passar pela escola, o povo fez a revolução nas ruas. Mas em um país como o Brasil, é necessário criar um mínimo de espírito crítico generalizado, cidadania universal e desejo coletivo de mudança radical para se ter a utopia de construir uma sociedade nova que poderá terminar no socialismo reformista ou no socialismo revolucionário. Eu Prefiro a Última alternativa...”

(Florestan Fernandes)

Falar de Educação no Interior do MST é um grande desafio, pois esse movimento, apesar de sua organização e disciplina, devido à dispersão nesse imenso continente que é o Brasil, não dispõe de dados precisos sobre o número de escolas ou alunos que estudam nos acampamentos ou assentamentos de Reforma Agrária, nem das crianças, jovens e adolescentes que, morando em assentamentos ou acampamentos, estudam na zona urbana.

Ao longo dos tempos, o MST vem construindo uma proposta pedagógica através da qual educar não se reduz meramente a transmitir conhecimentos acumulados (FUNDEP 1995:14), pois busca integrar o homem a seu meio. Esta proposta de educação está sendo concebida como projeto a ser aplicado nas suas áreas de influência, visando contribuir para a redução da retenção e evasão escolar, buscando ao mesmo tempo poder ir além da escola tradicional, no sentido de construir um projeto educativo dos oprimidos (FUNDEP, 1995:15).

A grande questão aqui é saber qual seria esse projeto educativo dos oprimidos e quem deveria hegemonizá-lo, pois tanto os trabalhadores rurais que compõem o MST, quanto os trabalhadores urbanos organizados nos sindicatos que reivindicam o status de sindicato combativo, pretendem ser vanguardas do processo “revolucionário”.

Para Roseli Caldart, principal educadora do Movimento, “o MST, enquanto movimento

de luta social e enquanto organização política dos trabalhadores e das trabalhadoras sem terra, [é] o grande Educador/Formador de quem nele participa ou com ele se envolve” (Caldart, 1997:16), devendo

portanto, ser o polo propulsor do despertar da luta em busca de uma nova sociedade.

O MST não define sua proposta pedagógica nos marcos de nenhum modelo pedagógico tradicional. Ao contrário, procura conjugar várias posturas, unindo a atuação de existencialistas cristãos como Paulo Freire, construtivistas como Piaget e marxistas como Makarenko, passando ainda por propostas nacionalistas, como as de Jose Marti.

É nesse eclético projeto pedagógico, iniciado no seio do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra que se pratica o processo educacional do MST e que será estudado, buscando entender as diferenças teórico-metodológicas que estão na origem dessas concepções pedagógicas, visto que o MST adota a mesma concepção de Salm, ao conceber a educação como uma “arma na luta contra a

opressão, como instrumento moral e intelectual da jovem geração da classe oprimida como base de organização do movimento socialista atual para o futuro socialista” (Salm, 1980:34).

A educação é vista, nessa perspectiva, como possuidora de uma vocação redentora da miséria a que a maior parte da sociedade brasileira está submetida pelos “desmandos” da classe dirigente do país, formada por uma burguesia capitalista aliada a um segmento agrário retrógrado e mal intencionado, que procura manter o povo na ignorância como forma de facilitar a dominação dos trabalhadores por essa classe de parasitas.

Pensando nessa perspectiva e buscando contribuir com o processo de formação política da classe trabalhadora, os trabalhadores rurais sem terra iniciaram sua preocupação com a problemática educacional mesmo antes do surgimento da sigla em 1985. Já em 1979, no acampamento das fazendas Macali e Brilhante, no Município de Ronda Alta/RS (Haddad, 1994:15), os trabalhadores acampados sentiram a necessidade de dar alguma forma de educação para as crianças que estavam ali, iniciando seu trabalho na área educacional.

O poeta Hamilton Pereira (Pedro Tierra), num de seus discursos, quando do assassinato de trabalhadores rurais sem terra no município de Eldorado dos Carajás/PA, afirmava que:

“Para o MST, investir em educação é tão importante quanto o gesto de

ocupar a terra, um gesto, aliás, que se encontra no cerne da pedagogia do

movimento. Aqui, educar é o aprendizado coletivo das possibilidades da

vida. As dores e as vitórias são face e contraface do mesmo processo.”

(Caldart 1997:23)

Essa busca de contribuir com a educação numa perspectiva que julga mais adequada à classe trabalhadora e, principalmente, aos trabalhadores rurais, tem possibilitado ao MST desenvolver algumas experiências que o movimento considera inovadoras, sobretudo no que diz respeito à prática de gestão democrática da escola que se vem tentando construir.

Esse trabalho educativo tem sido desenvolvido com êxito, visto que o setor de educação do Movimento consegue atingir grande número de analfabetos, que jamais teriam oportunidade de acesso à escola no meio rural se não fosse sua participação nas fileiras do MST.

A partir do momento em que começam a participar de reuniões e das lutas dos movimentos populares, muitos trabalhadores passam a sentir a necessidade de estudar graças às demandas colocadas pelo próprio movimento, uma vez que antes, como empregados, muitos trabalhadores rurais alegavam que apenas sentiam a necessidade de obedecer às ordens dos patrões (Freire, 1984:20).

Outros, mesmo sentindo a necessidade de estudar, por habitarem no meio rural, muitas vezes também ficavam impossibilitados de freqüentar as aulas, devido às longas distâncias da escola em relação ao local de moradia, problema que só se resolveu após o início de sua participação no MST, com a construção de escolas nos acampamentos ou assentamentos próximas de suas casas.

Segundo Sérgio Haddad e Maria Clara Di Pierro, em um estudo sobre a educação de trabalhadores rurais sem terra, o elemento inovador que emerge das práticas do MST dirigidas à escolarização refere-se ao sentido de apropriação da escola pública por um movimento social organizado, com o objetivo de promover uma educação escolar profundamente ligada ao seu projeto social (Haddad, 1994:9).

Haddad e Di Pierro, afirma que “... a Reforma Agrária é a junção destas duas conquistas: ter acesso à

terra, e ter acesso à escola, ao conhecimento, à educação” (Caldart, 1997:25), como forma de garantir ao

trabalhador rural as condições de vida que o Movimento julga adequadas.

O MST acredita ainda, na necessidade da educação como possibilidade de transformar a sociedade através de uma revolução cultural, que se daria também através de suas escolas de formação. Nesse aspecto, o MST adota as posições assumidas por Marx, principalmente quando este trata da problemática do ensino tecnológico, ao proclamar que “(...) não há dúvida de que a conquista inevitável

do poder político pela classe trabalhadora trará a adoção do ensino tecnológico, teórico e prático nas escolas dos trabalhaodres” (Marx, 1975:559).

Caldart, em sua defesa de uma educação de classe voltada para os interesses dos trabalhadores rurais sem terra, chega a dizer que “... se nós não tivermos acesso ao conhecimento, se nós

não democratizarmos a educação, nós não conseguiremos construir uma sociedade mais justa e igualitária” (Caldart, 1997:26).

Considerando o analfabetismo como o mais sério entrave a ser enfrentada no sentido de transformar a realidade agrária do povo brasileiro, o MST coloca como tarefa fundamental para si, eliminar o analfabetismo nos assentamentos e preparar os jovens para assumirem a condição de futuros técnicos, futuros doutores e transformar o meio rural numa sociedade progressista, igualitária, onde haja justiça social e educação para todos (Caldart, 1997:26).

Um sério problema enfrentado pelo trabalhador rural em geral, e pelo MST em particular, é a falta de propostas dos órgãos oficiais para a educação no setor rural, em praticamente todo o território nacional. No Rio Grande do Sul, por exemplo, um dos Estados onde o Movimento está melhor organizado, principalmente no setor educacional, a coordenação do setor de educação do MST em 1992 afirmava que:

“o governo estadual gaúcho não tem um projeto de educação para o meio