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transformação da agricultura capitalista em socialista, significa a aliança operário-camponesa, isto é, a aliança do proletariado com uma camada

social cujas reivindicações imediatas tem um caráter democrático, mas

não necessariamente se desdobram em reivindicações socialistas”

José Gomes da Silva (1994:178), mesmo entendendo que não existe nenhuma nação moderna que em algum momento de sua história não tenha realizado uma reformulação de sua estrutura fundiária - visto que ela se constitui na base física e material para a construção de qualquer democracia - argumenta que:

“... ao dispor, no inciso II do artigo 185, que a chamada “propriedade

produtiva” não é suscetível de desapropriação, a Constituição Federal de

1988 introduziu na prática tamanhas dificuldades de ordem legal,

agronômica e operacional, que complica extraordinariamente qualquer

tentativa séria de mudar nossa estrutura fundiária” (Silva, 1994:174).

Não se pode deixar passar desapercebido que, no entendimento do MST, todo o processo de luta pela posse da terra no Brasil tem sido marcado por uma violência sem limites, a começar pela forma de apropriação do território que se deu com um grande genocídio dos povos indígenas. Em todo processo ulterior, massacraram-se os escravos que “ousaram” lutar por liberdades e, posteriormente, dizimaram-se todos os grupos que, organizados ou não, lutaram pela posse da terra, como possibilidade de nela encontrar sua sobrevivência.

Grande parte das elites13 deste país sempre preferiram guardar a terra como reserva de valor e fonte de poder, não se importando com os métodos utilizados para tanto. Desde o Quilombo dos Palmares, passando pela destruição dos arraiais de Canudos, a revolta do Contestado ou as lutas do MST, Estado e fazendeiros sempre estiveram unidos na destruição dos sonhos de liberdade dos trabalhadores.

Nesse sentido, acontecimentos como os de Eldorado dos Carajás, onde 19 trabalhadores sem terra foram assassinados em 1996, ou os acontecimentos do ano anterior em Corumbiara, bem como

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os da Fazenda Santa Elmira (1989), encontram precedentes ainda mais graves como os já referidos casos de Canudos e Contestado.

A violência, segundo José Gomes da Silva (1994:179), pode se dar com características mais rudimentares, praticadas isoladamente por alguns fazendeiros, ou pode ocorrer com apoio de órgãos governamentais, como uma “violência seletiva, institucionalizada e impune”, com o agravante de ser: “...institucionalizada com a criação de grupos paramilitares em diversos estados, a partir do

recrutamento de pistoleiros dentro dos próprios quadros das polícias estaduais (treinados portanto

com dinheiro público)”14.

No campo brasileiro há a prática antiga de uso de formas violentas contra os trabalhadores rurais e que reaparecem sempre com nova cara e que, segundo Cândido Grzybowski, ao longo dos tempos vêm corrompendo todas as esferas de vida pública local e regional, visto que:

“O poder do bloco de forças agrário-industriais - as velhas-novas

oligarquias - não só promove impunemente a violência e morte no campo,

como consegue dobrar a seus interesses e privatizar esferas importantes

da organização estatal do Brasil. Os movimentos populares rurais são até

aqui força mais eficaz de enfrentamento de tal poder” (Grzybowski,

1994:295).

A violência no campo brasileiro, não é novidade, visto que “a tradição autoritária, no

Brasil, é algo que impregna todos os poros da vida social” (

Grzybowski,

1994:295) do país, desde o

início de seu processo de colonização, não deixando de existir nem mesmo nos períodos em que governos autodenominados democráticos investiram numa imagem aparentemente mais identificada com as reivindicações marcadas por apelos sociais.

No Brasil, esse processo de violência é, segundo Ariovaldo Umbelino de Oliveira,

(1994:54)

sempre renovado pelo acréscimo de outros ingredientes que, historicamente, tem se

dominaram as esferas do poder político e econômico deste país.

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O presente trabalho não tem por objetivo fazer um mapa da violência no campo. Para uma visão mais completa dos números dessa violência ver relatório anual da Comissão Pastoral da Terra sobre os

“conflitos no campo”. onde estão divulgados os números e mecanismos de ameaças às várias categorias

aprofundado na luta pela reforma agrária no campo, mas que também atinge os centros urbanos, alimentando uma violência que é transferida paulatina, mas decididamente, para a luta pela reforma agrária. Nesse processo, segundo esse autor, até aqueles que são incentivadores da violência, para fazer valer seu poder ilegítimo, por exemplo os latifundiários/grileiros da UDR, atuam no campo fazendo aumentar a violência, mas atuam decididamente também nas cidades, fazendo seu ‘marketing’ político e suas manifestações, onde mandam e/ou ameaçam matar trabalhadores do campo e/ou suas lideranças nas cidades.

A reação dos grandes proprietários à luta pela terra tem alcançado patamares cada vez mais violentos, a ponto de José Eli da Veiga (1994:302) afirmar que, apesar das negativas das autoridades, durante o governo Sarney (1985-1990) era cada vez mais hostil a forma com que se manifestavam os grandes proprietários, contrastando demais com o silêncio dos supostos beneficiários, que não davam ao governo qualquer apoio que realmente compensasse o tumulto armado pelo patronato.

O MST tem ainda, entre seus objetivos, o desenvolvimento da produção de gêneros agrícolas com vistas a suprir as deficiências alimentares da nação. No início, o movimento cultivava a ideologia da produção para a subsistência. Mas esse processo mostrou-se ineficaz e hoje o movimento investe muito em tecnologia alternativa, como a produção de alimentos sem agrotóxicos, aproveitando o processo de adubação natural da terra.

Por sua preocupação com a ecologia, o MST não pretende reproduzir as formas de monocultura que contribuem para degradar o meio ambiente, como fazem os capitalistas, mas procura uma alternativa viável para a produção sem a destruição da terra, considerado o bem maior do trabalhador rural.

Nesse sentido, por entender que o modelo tecnológico ora aplicado não é adequado ao desenvolvimento do país, por visar apenas o lucro das empresas produtoras de insumos <URL:http://www.sanet.com.br/~semterra/mst-htm>.[14 jul. 1997], defende a utilização não predatória dos recursos naturais (solo, água, fauna e flora), sem a contaminação do homem e do meio ambiente por agrotóxicos, o que compromete para sempre as gerações futuras. Por isso, entende que se devam desenvolver pesquisas e técnicas adequadas a cada região, buscando o aumento da produtividade do trabalho e das terras, preservando o meio ambiente e seus recursos naturais.

O MST considera fundamental a busca da integração permanente entre o homem e a natureza, principalmente se o trabalhador rural sem terra tiver acesso aos bens produzidos pela sociedade, sobretudo no que diz respeito à democratização do acesso às informações sobre genética vegetal e animal.

Apesar do estímulo, a utilização de adubos orgânicos ainda não é uma realidade em todos os assentamentos, mas já é uma possibilidade, inclusive como forma de barateamento do produto e, por contribuir para não poluir o meio ambiente, presta grande serviço à humanidade no sentido de preservação da ecologia.

Esses mecanismos, no entanto, serão facilitados se houver maior integração entre os próprios trabalhadores rurais, visando baratear os custos desse processo que, ao longo dos tempos, penalizou os pequenos proprietários desse país, sobretudo aqueles que trabalhavam numa produção familiar, com vistas à própria subsistência.

Nos últimos tempos, o MST vem investindo na produção dos assentamentos, objetivando ampliar a produtividade e provar que a Reforma Agrária é importante e necessária. Tem, ainda, tentado desenvolver um programa que integre a produção do campo em um processo de desenvolvimento da agroindústria, como é o caso das fábricas de farinha no Pontal do Paranapanema e da produção e industrialização do milho, do frango, dos suínos e de tantos outros produtos no interior do país.

Essa necessidade de fixar o homem no campo e patrocinar seu desenvolvimento, é afirmada pelo MST e por governantes, tanto do ponto de vista da produção quanto do ponto de vista da distribuição de rendas, a ponto de José Sarney, quando Presidente da República, ter declarado no Congresso de Trabalhadores Rurais, em maio de 1985, que “assegurar a propriedade da terra a quem

nela queira trabalhar não é apenas, ato de reparação de uma preterição histórica multissecular, mas, também decisão política que atende às carências do presente e previne necessidades do futuro” (Stédile

1994:302).

A Reforma Agrária é importante sobremaneira na distribuição de rendas e na geração de empregos, principalmente no momento em que o país apresenta elevados índices de desemprego, apesar de economistas como José Graziano da Silva (1994:197) defender que ela seria ineficaz, visto que,

segundo seu entendimento, hoje não cabe falar em reforma agrária nem do ponto de vista de uma transformação nacional nem do ponto de vista de uma transformação regional mais localizada.

Sob a ótica da geração de empregos, esse mesmo economista coloca em dúvida a eficácia da reforma agrária, quer em função de seus altos custos, quer pela impossibilidade de colocar no mercado a produção retirada dos assentamentos. Para o autor a geração dois empregos por hectare,

“Precisaria de 20 milhões de ha, uma área do tamanho do Estado de São Paulo; isso se for irrigado, plantando abobrinha, morango e para exportar para os Estados Unidos, porque o mercado interno não tem poder aquisitivo para tal” (Silva, 1994:199).

Para o MST, no entanto, a produção das 150 mil famílias assentadas e o bem estar delas constituem a prova maior da necessidade de se fazer uma reforma agrária, pois são aproximadamente 800 mil pessoas que saíram da condição de lúmpem-proletários, para se tornarem pequenos proprietários de terra.

Francisco Graziano Neto, um dos ex-ministros da Reforma Agrária do Governo Fernando Henrique Cardoso (como todos os outros ministros desse e dos governos anteriores que tradicionalmente foram contrários à reforma agrária), afirmava que “Nem há camponeses no Brasil, nem

os pequenos agricultores são revolucionários”. Afirmava ainda que: “os latifúndios e as áreas de terra inexploradas estão muito aquém do apregoado e que o plano da reforma é fruto de uma análise equivocada sobre a realidade de nossa agricultura” (Graziano Neto 1994:241-43).

Mesmo sendo o ministro encarregado de colocar em prática os planos do governo no que diz respeito à reforma agrária, Graziano Neto sempre se posicionou contra o assentamento dos trabalhadores em suas regiões de origem, principalmente nas regiões onde o capitalismo agrário está mais desenvolvido.

Nesse sentido, é possível entender sua afirmação de que “não há razão para imaginar

que um arrendatário de arroz no Rio Grande do Sul deva receber um pedaço de terra do poder público” (Graziano Neto, 1994:243), mesmo constatando que o MST diz exatamente o contrário, pois

segundo este Movimento, o trabalhador rural que possui pouca terra gostaria de ampliar sua propriedade para dela tirar seu sustento.

1.5 O processo de ocupação de terras pelo MST

“A terra vai ter tomada, mais cedo, ou mais tarde. Mas antes disso é preciso fazer pressão. E o povo está fazendo pressão. A Reforma Agrária não é só assunto de colono, mas também de operário”

Lula - Agenda MST, 1988

O processo de preparação para a ocupação de terras tem mudado bastante ao longo dos tempos, variando de acordo com as condições objetivas de cada momento. Inicialmente, a ocupação de uma área só ocorria após um longo processo de preparação das famílias que deveriam dirigir-se à área a ser ocupada. Esse processo dificultava a ação massiva do movimento, pois o processo de preparação e conscientização das famílias era muito lento.

Hoje, com as ocupações em massa, as famílias já não ficam meses se preparando para a ocupação das terras consideradas improdutivas ou que, segundo o MST, não cumprem sua função social. Isso de certa forma fragiliza o trabalho político de organização em relação ao período anterior, mas amplia o número de trabalhadores envolvidos na luta pela terra no interior do país, possibilitando ações consideradas “ousadas” e com maior respaldo popular.

A Reforma Agrária não se inicia nem se encerra nos assentamentos, mas com certeza, estes são os pontos de partida para sua realização. Antes dos assentamentos vem a fase de acampamentos que ocorrem com as ocupações de terras que, segundo Frei Sérgio Antônio Görgen, não podem ser consideradas como atos criminosos, como querem alguns fazendeiros e parte do judiciário, pois:

“... as ocupações devem servir para corrigir a injustiça presente e para