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“seguir nesta luta permanente até que o sonho vire realidade: até que a Reforma Agrária se faça, até que o Estado se democratize e se

comprometa com as causas do povo, e até que as transformações sociais

produzam justiça, igualdade, dignidade humana. Daí certamente não

haverá mais sem-terra fora da escola; porque não haverá mais em nosso

país trabalhadores sem-terra e sem trabalho, e nem haverá mais crianças,

jovens ou adultos fora da escola” (Caldart, 1997: 46 47).

Durante o desenvolvimento da pesquisa feita por Haddad, ele constatou que na maioria das escolas dos assentamentos e acampamentos, nas classes de 1a. a 4a. séries não são utilizados livros didáticos regularmente, dado que o MST vem tentando implementar uma proposta construtivista. Na 5a. a 8a. séries, os livros didáticos são usados em História, Geografia, Ciências e Português (Haddad 1994).

As afirmações de Haddad nos levam a inferir que, segundo sua concepção, o “construtivismo” ocorre devido à ausência do livro didático. Nesse caso, há que se questionar o conceito de construtivismo adotado tanto por Haddad como pelo MST, pois não se pode pensar numa proposta de ensino construtivista apenas nas quatro primeiras séries sem pensá-la como um todo, assim como uma metodologia não pode ser considerada construtivista apenas pela ausência ou não do livro didático.

Mesmo se dizendo construtivista e defendendo alguns dos pontos de vista de Piaget, mesmo admitindo que “a evolução da criança procede do egocentrismo à reciprocidade, da

assimilação a um inconsciente dele mesmo à compreensão mútua constitutiva da personalidade, da indiferenciação caótica no grupo à diferenciação baseada na organização disciplinada” (Piaget,

1970:177), no processo de ensino/aprendizagem, nas escolas do MST, ao contrário do que ocorre nas outras escolas que também trabalham com essa metodologia, existe uma postura de contrariedade ao uso do brinquedo na sala de aula. O MST entende que a educação tem que ser levada a sério, não devendo passar a idéia de que a escola é um lugar de brincadeira, mas de trabalho.

O MST afirma não acreditar no trabalho como única forma de educação, embora entenda que o labor constitua-se num espaço privilegiado para educar suas crianças. Nesse sentido, o MST desenvolve uma visão positiva do trabalho, pois vê nele princípio dignificador do homem, não entendendo sua dupla faceta, de produtor de riqueza e de miséria ao mesmo tempo. Nesse sentido, o trabalho transforma-se segundo o MST, numa prática privilegiada capaz de provocar necessidades de aprendizagem (Princípios da Educação no MST, 6:16).

O trabalho é visto, também, como espaço privilegiado para a construção de relações sociais, no sentido de desenvolver a cooperação e a aprendizagem entre todas as pessoas dos acampamentos, dos assentamentos e da sociedade em geral. Este entendimento é, em certa medida, apoiado na leitura de Maria Lúcia Ribeiro D. Carvalho, que entende que “Só no grupo é que ela [a criança] sentirá que seu ponto de vista difere do dos outros membros e, portanto, terá alguma coisa

com que contribuir” (Carvalho, 1979:59).

Além de Paulo Freire, como já afirmado anteriormente, influencia também o MST, tanto em termos de conteúdo como em torno da metodologia de ensino, o pedagogo russo Anton Semiónovitch Makarenko, um dos grandes nomes entre os pedagogos-renovadores do nosso século.

Através do “Poema Pedagógico”, sua obra-mestra, ele mistura criação literária com suas experiências de educador junto a crianças e adolescentes abandonados e pré-delinqüentes na Rússia, após a revolução de 1917, mostrando que não é pelo fato de na sociedade existirem em muitos jovens delinqüentes e marginalizados, a construção de uma sociedade de bases socialistas seja impedida, como desejam algumas das lideranças do MST.

Foi com o material tirado da própria vida que Makarenko trabalhou, no sentido de desvendar o problema da reeducação socialista, do nascimento do “homem-novo”, no coletivo e no

trabalho. No decorrer desse processo, ele desvendou amplamente a imagem do pedagogo-inovador (Makarenko 1985:8).

A partir de suas experiências na colônia Gorki, passou a compreender que as relações sociais da nova realidade do país excluíam qualquer atitude negativa para com os ex-contraventores, e era bem por isso que ele usava e ostentava uma confiança total - baseada na noção de honra - perante os seus educandos, onde o trabalho coletivo era o fator de unidade e de educação do grupo.

Wagner Gonçalves Rossi, no prefácio das Conferências sobre Educação Infantil (1981:10), afirma que “Foi, pois, em meio às lutas e à agitação partidária que o educador se forjou,

assumindo desde logo seu compromisso com a classe trabalhadora revolucionária que marcaria toda sua vida de trabalho.”

Para Rossi (1981:10), Makarenko tinha perfeitamente claro que “a prática pedagógica é

também, sempre, uma prática política”, não abdicando de seu compromisso para com a comunidade

Russa, nem deixando de lado os princípios em que acreditava. Foi sempre um fiel defensor da revolução, sem transformar sua colônia numa extensão do Partido Comunista Soviético.

Makarenko tinha uma enorme crença na organização e na autoridade. Uma autoridade forte e politicamente engajada, que sabia exatamente o que deveria ser feito, e que, na educação, estava representada por pais e mestres que ofereciam diretrizes fundamentais às atividades de filhos e estudantes. O modelo de gestão educacional defendido pelo MST caminha nessa perspectiva, bem como a forma de forjar o conhecimento a partir da unidade coletiva.

É importante salientar que das correntes pedagógicas clássicas, as tratadas acima são as que refletem melhor a metodologia do MST, embora eles reconheçam a importância de outros métodos, ou outras práticas, como aquelas desenvolvidas por Emília Ferreiro, no processo de alfabetização de crianças, bem como as abordagens cognitivas elaboradas por Piaget. Entretanto, negam qualquer possibilidade de vinculação com a abordagem comportamentalista utilizada por Skinner, ou a tradicionalista, chamada por Paulo Freire de “educação bancária”.

Outras abordagens metodológicas podem até ter influenciado esse ecletismo do MST, porém, em seus documentos não é possível a identificação de influências diferentes destas acima

descritas.

3.6 O trabalho na formação de adultos

“Pés descalços sobre a terra, força da seiva e do sonho menino da liberdade, planta nas covas do vento a estrela da vida nova até que a fúria do povo - a correnteza do mar - arraste todas as cercas, liberte de toda morte a terra de semear”.

(Pedro Tierra)

A formação de adultos desenvolvida no interior do MST é quase toda ela influenciada pela pedagogia de Paulo Freire, sobretudo através da utilização de sua metodologia de alfabetização de adultos, a partir de temas geradores.

Paulo Freire é tido pelo MST como o grande educador popular nacional, a ponto de Roseli Caldart, afirmar que “Onde estiver agora, que Freire possa continuar inspirando nossa

trajetória. E que possamos nos tornar dignos de sua herança: uma profunda crença na pessoa humana, combinada com coerência política e temperada com ousadia e humildade” (Caldart,

1997:180).

Com sua metodologia de alfabetização, inspirada nos princípios freirianos, o MST busca, através da utilização das chamadas palavras geradoras, descobrir os segredos da exploração do capital sobre a massa oprimida da sociedade brasileira, principalmente dos trabalhadores rurais.

Para o MST, aquilo que Francisco Wefort chama de maiêutica46, constitui-se na grande descoberta desse autor para ajudar às classes oprimidas a se descobrirem oprimidas e, com isso, poderem buscar a sua libertação. Nesse sentido, fica subentendido que a educação é um dos principais fatores de libertação da sociedade, sendo sua ausência fator de escravidão.

Analisando o primeiro período da obra de Paulo Freire, (período que vai de 1959 a 1967), Silvia Manfredi (1978:68), conclui que “A visão de uma ‘Educação para a participação’ é

enfoque central do autor em quase todos os trabalhos e conferências que datam deste período”.

Como o MST tem basicamente o caráter de movimento, acredita que tanto a educação como a sociedade vivem um período de trânsito social, que vem acompanhado de algumas inflexões que devem levar a sociedade capitalista a se transformar necessariamente numa sociedade socialista, cabendo aos movimentos sociais somente precipitar esse momento através de sua participação.

Nesse sentido, para Paulo Freire, “o caráter dessa ‘participação’ deveria ser ativo,

denotando sempre uma perspectiva de criticidade e reflexão” (Manfredi 1978:68).

Silvia Manfredi (1978:82), em análise já citada da obra de Paulo Freire, diz que as mudanças numa sociedade,

“... se configuram a partir da dinâmica das relações que os homens