• Nenhum resultado encontrado

Importância das Pequenas Empresas Industriais no Problema de Acidentes do Trabalho em São Paulo

3 – Revisão bibliográfica

3.2 Acidentes de trabalho nas micro e pequenas empresas

3.2.7 Importância das Pequenas Empresas Industriais no Problema de Acidentes do Trabalho em São Paulo

René Mendes defendeu tese de mestrado em 1975 avaliando a ocorrência de acidentes em função do porte do estabelecimento. O autor destaca que apesar de consultar, naquela época, extensa bibliografia, praticamente não encontrou referências sobre aspectos desfavoráveis relacionados às condições de segurança e saúde nas pequenas e médias empresas.

O conceito adotado para definir o porte da empresa foi em função do número de pessoas ocupadas, critério este utilizado na ocasião pelo IBGE e pela FIESP/CIESP considerando como:

x Pequenas empresas: menos de 100 empregados x Médias empresas: de 100 a 499

x Grandes empresas: 500 ou mais empregados

O autor aponta que de acordo com o Censo Industrial do IBGE, em 1970 no Estado de São Paulo 52 % dos estabelecimentos tinham até 4 funcionários e 95,7 %

menos de 100, ou seja, eram considerados pequenos negócios, responsáveis por 39,8 % das pessoas ocupadas.

No Brasil, as pequenas empresas predominavam nas atividades econômicas de madeira, mobiliário e couro, com respectivamente 75 %, 71 % e 53 % dos estabelecimentos.

Para o desenvolvimento do estudo foram analisados 6.310 acidentes do trabalho considerados graves, ocorridos na grande São Paulo, no período de 1969 a 1974 que constavam de processos arquivados na Coordenação Regional de Acidentes do Trabalho do Instituto Nacional de Previdência Social. Foi considerado acidente grave aquele que levava a óbito, produzia incapacidade permanente ou que produzia lesões graves como fraturas e perdas de substâncias.

O autor faz análise demográfica dos dados, apontando que o perfil dos acidentados correspondia a jovens, homens, solteiros e que ocorre concentração de acidentes graves na faixa etária entre 20 a 34 anos, o que acompanhava uma maior proporção de trabalhadores jovens nas pequenas empresas comparado às grandes e médias.

Quanto ao tipo de acidente, 97,2% dos acidentes analisados são típicos, sendo apenas 9 fatais do total de 6.310 acidentes. O autor analisa que o baixo número de óbitos pode ser explicado pelo fato de ter sido excluído do material analisado os acidentes ocorridos na construção civil, os de trânsito e de trajeto, que responderiam por cerca de 90% dos óbitos por acidentes de trabalho. No entanto esta questão não fica muito clara, pois em tabela que distribui os 6.310 acidentes por ramo de atividade a construção está presente, com um número de casos que representa menos de 1% do total.

É apontado ainda que quanto menor a empresa maior a proporção de acidentes com incapacidade permanente.

Quanto ao ramo de atividade, a indústria contribui com quase 90 % dos acidentes graves e que em números absolutos a indústria mecânica e de material elétrico e eletrônico, seguida pela indústria metalúrgica eram as que apresentavam maior incidência de acidentes. Considerando-se o número de trabalhadores do setor, a maior incidência continua sendo na indústria mecânica (com grande predomínio no grupo estamparia de metais) seguida pela de produtos alimentícios (destaque para padarias). É

explicado que apenas em 3.188 acidentes dos 6.310 analisados constava a informação do código de atividade. Parece haver confusão na classificação das atividades econômicas, primeiro em considerar a indústria mecânica e de material elétrico no mesmo grupo, depois ao considerar o grupo de estamparia na indústria mecânica ao invés da metalurgia, sendo que por outro lado a estamparia é um processo produtivo utilizado em várias atividades econômicas. Quanto às padarias, estas estão inseridas no grupo da indústria alimentícia ao invés de comércio varejista.

Não é relevante a este estudo identificar as causas destas diferenças de enquadramento (talvez motivada, em parte, pelo uso da classificação de atividades econômicas da época), mas sim observar que as atividades que mais geravam acidentes correspondiam às que utilizavam máquinas e equipamentos como prensas, guilhotinas, cortadeiras nas indústrias e cilindros de massa nas padarias, cujos acidentes muitas vezes relacionam-se com a ausência de proteção destas máquinas, acarretando em esmagamento ou amputação de membros dos trabalhadores.

Ao analisar a ocorrência de acidentes de acordo com o porte do estabelecimento o autor verificou que, apesar das pequenas empresas empregarem 29,5 % dos trabalhadores, registraram 51,7% dos acidentes graves, enquanto as grandes empregavam 33,5% e registraram 15,5% dos acidentes graves. É registrado ainda que o risco de ocorrência de acidentes graves nas pequenas empresas é o dobro dos das médias ou quatro vezes maior comparado as grandes. Em seguida é feita a mesma análise considerando-se a atividade econômica. Na indústria mecânica o risco de ocorrência de acidentes graves é duas vezes maior na pequena comparada à grande e no gênero produtos alimentícios 4 vezes maior na pequena comparada à grande.

Na sequência do estudo são discutidas as causas de ocorrência de acidentes nas pequenas empresas. O autor cita a importância da abordagem multicausal em detrimento do conceito de causa única, utilizando o modelo da história natural da doença, ou seja, relacionando o agente, hospedeiro e meio para analisar os acidentes de trabalho ocorridos.

Nos fatores ligados ao agente, é utilizada como referência a teoria de Heinrich, baseada nos atos e condições inseguras. É relatada a interpretação destes conceitos pelos técnicos e acadêmicos da época, sendo apresentada uma tabela de autores comparando-se a incidência dos fatores causais atos/condições inseguras nos acidentes

por eles analisados. É defendida a idéia que deve ser dado atenção às condições inseguras, que equivaleria ao “Agente”, sendo a eliminação destas o primeiro passo para um programa de segurança do trabalho. Além disso, é feita a crítica de que muitas conclusões de analise de acidentes que apontavam ato inseguro dos trabalhadores na realidade deveriam ter apontado como causa do acidente as condições inseguras de trabalho. A abordagem utilizada pelo autor para analise dos acidentes evidencia que naquela época a concepção predominante na sociedade brasileira correspondia a paucicausalidade dos acidentes.

Já nos fatores ligados ao hospedeiro, que equivaleria ao trabalhador, é defendida a idéia que os aspectos sócio-econômicos (origem rural / baixa qualificação / baixa escolaridade) são mais importantes que os biológicos, sendo que as pequenas empresas acabavam por absorver a força de trabalho não qualificada proveniente da zona rural, já que estes trabalhadores não tinham oportunidade de colocação nas grandes empresas.

É citada pesquisa realizada na indústria têxtil, onde se concluiu que praticamente não existia operários com formação profissional em escolas técnicas nas pequenas empresas e que estas funcionavam como escola experimental de baixo nível a serviço das médias empresas.

Além da formação profissional, deveria-se considerar a aquisição de padrões culturais (sociedade rural para urbana, motivação para o trabalho) na questão da qualificação profissional.

Quanto aos fatores ligados ao meio, é analisado que uma boa parte dos empresários brasileiros que vieram da elite rural, ligados a atividades tradicionalmente organizadas em moldes pré-capitalistas, não abandonaram valores antigos, como a propriedade familiar da fazenda e das fábricas, adotando padrão de comportamento incompatível com uma sociedade industrial moderna.

Na conclusão da tese, Mendes avalia uma política de prevenção de acidentes para as pequenas e médias empresas, criticando a legislação brasileira que contrariamente a recomendação 112 da OIT (que trata dos serviços de saúde ocupacional) prevê SESMTs para empresas de grande risco acima de 100 empregados, deixando sem qualquer cobertura as micro e pequenas empresas. São apresentadas sugestões que ainda hoje são necessárias, como tornar obrigatório as MPEs participarem de serviços especializados de segurança e saúde que atenderiam um grupo de estabelecimentos, que estes serviços

não tivessem fins lucrativos, como cooperativas, instituições da administração pública ou instituição sindical, vincular programas de crédito às MPEs a melhoria das condições do ambiente de trabalho, dentre outras sugestões.

POSSAS (1989) faz uma análise da dissertação de Mendes, apontando que o autor deixou de qualificar a amostra de dados que utilizou, já que por se tratar de acidentes graves analisados pelo INPS e não acidentes graves em geral a amostra poderia apresentar outras variáveis que transformariam os dados em tendenciosos.

Outra restrição apontada é que o autor não avaliou se a maior proporção de acidentes graves nas pequenas empresas não está relacionada com uma maior concentração de estabelecimentos pequenos e médios em alguns gêneros industriais. No entanto, Mendes apresenta para os dois maiores setores com incidência relativa de casos registrados a taxa de acidentes para os ramos de indústria mecânica/de material eletrônico e de produtos alimentícios, considerando o número de empregados de cada um dos estratos de empresas (pequena, média, e grande), sem desprezar, portanto, o quantitativo dos trabalhadores de determinado porte que foram expostos ao risco.

Quanto ao fato apontado por Possas de que caberia discutir se a maior incidência de acidentes nas pequenas empresas é devida realmente ao tamanho ou deve ser atribuído às condições técnicas de cada setor de atividade, acreditamos que esta dúvida fica eliminada pelo menos nos setores da indústria mecânica/de material eletrônico e de produtos alimentícios, quando o autor apresentou a distribuição dos dados dos três estratos de empresas no mesmo setor. Seria interessante se o autor apresentasse este mesmo tratamento de dados para os outros setores de atividades econômicas.

Tomando por base o ano de 1973 Possas calcula a correlação ordinal de Spearman entre acidentes e tamanho de empresas, não obtendo correlação entre gravidade dos acidentes e tamanho das empresas, mas sim uma correlação de 0,49 para tamanho das empresas e frequência de acidentes. A autora conclui que pelos resultados obtidos não há aparentemente mais acidentes graves nas pequenas e médias empresas, mas os acidentes em geral tendem a ser mais frequentes nelas.

Apesar das críticas apresentadas anteriormente ao trabalho de Mendes é louvável a iniciativa de já na década de 70 o autor dedicar atenção às condições de trabalho nas pequenas empresas, assunto este que começaria a ganhar atenção dos técnicos da área somente a partir da década de 90.