3. MARIA DE PADILHA E INÊS DE CASTRO NAS CRÔNICAS DE PERO LOPEZ
3.2 A DAMA E OS CRONISTAS: INÊS DE CASTRO NOS RELATOS DE PERO LOPEZ DE
3.2.1 Inês de Castro na crônica de Pero Lopez de Ayala: “é teniala el Infante Don Pedro por
Em uma rápida contextualização da personagem, Inês de Castro viveu de 1325 a 1355
e era filha bastarda de Pero Férnandez de Castro, personagem de grande importância na corte
castelhana durante o reinado de Afonso XI. Assim como Maria de Padilha, atuava como aia
na casa de João Afonso de Albuquerque, no entanto, servindo à mãe deste senhor e não à
mulher dele, como fazia Maria. Inês, de modo diverso à outra aia, não permanecerá em
Castela, seguindo na comitiva que João Afonso de Albuquerque conduziu a Portugal para que
131 AYALA, P. L. de. Op. Cit. Año Onceno (1360), Cap. XIV, p. 506. (Ver apêndice, tabela das individualidades femininas em Ayala).
a infanta Constança Manuel se casasse com o infante e futuro rei Pedro I. No reino português,
portanto, Inês de Castro atuaria como aia da futura rainha de Portugal
132.
A presença de Inês de Castro na Cronica del Rey D. Pedro de Pero Lopez de Ayala se
dá em dois capítulos, o XXVI do quarto ano (1353) e o XIV do décimo - primeiro ano (1360).
Conforme afirmou Antônio Resende de Oliveira, o texto de Ayala será o primeiro relato
verdadeiramente cronístico ainda no século XIV a abordar a personagem e seu caso com o rei
Pedro I de Portugal
133. A crônica ayalina seria, conforme Maria do Rosario Ferreira, o relato
que junta pela primeira vez o amor de Pedro e a morte de sua amada, que ocorreu em Santa
Clara de Coimbra, como podemos observar no trecho [o grifo é nosso]:
Don Pedro de Portogal amaba tanto á la dicha Doña Ines de Castro, que decia á algunos de sus privados que era casado con ella; é por esto el Rey Don Alfonso su padre fizola matar á la dicha Doña Ines en Sancta Clara de Coimbra do ella posaba:134
Vê-se aqui uma das primeiras vezes em que o verbo amar é conjugado com relação à
D. Pedro e Inês de Castro
135. Após Ayala, a presença do grande amor do monarca pela aia se
fortalecerá nas narrativas ao longo dos séculos.
Interessa-nos saber como Inês de Castro tem sua história relatada na pena de Pero
Lopez de Ayala, quais e que tipo de dados aparecem relacionados a ela. Para isso, dividiremos
as citações referentes à personagem nos dois capítulos enunciados em temas específicos. O
primeiro deles tem ligação com a citação inicial da aia na crônica, no capítulo XXVI (do ano
de 1353) que tem como título “Como Don Alvar Perez de Castro se fué para Portogal”. Neste
momento, Ayala descreve como após ser avisado por Maria de Padilha do atentado tramado
contra ele por Pedro I de Castela, Álvaro Peres de Castro vai para Portugal, onde estava sua
irmã, Inês de Castro, amante do infante português Pedro. Álvaro e sua irmã eram filhos
bastardos de Pero Férnandez de Castro. Conforme o cronista castelhano, Álvaro:
[...] fuese para Portogal para el Infante Don Pedro de Portogal, que fué despues Rey, que tenia Doña Ines de Castro su hermana, la qual este Infante Don Pedro despues que foi Rey de Portogal, dixo que era casado con ella, [...].136
132 FERNANDES, F. R. As potencialidades de aia... p. 78.
133 OLIVEIRA, A. R. As vidas de D. Pedro e D. Inês de Castro na Historiografia Medieval Portuguesa. In: Atas do VI Colóquio da Secção Portuguesa da Associação Hispânica de Literatura Medieval, Coimbra, Outubro de 2006. p. 4. Disponível em: http://www.seminariomedieval.com/vidas de pedro e ines de castro.pdf.
134 AYALA, P. L. de. Op. Cit. Año Onceno (1360), Cap. XIV, p. 506.
135 FERREIRA, M. do R. Onde está Inês posta em sossego? In: Atas do VI Colóquio da Secção Portuguesa da
Associação Hispânica de Literatura Medieval, Coimbra, Outubro de 2006. p. 9. Disponível em:
http://www.seminariomedieval.com/outras_pub_online/FERREIRA INES DE CASTRO. pdf 136 AYALA, P. L. de. Op. Cit. Año Cuarto (1353), Cap. XXVI, p. 438.
A descrição de Ayala sobre o ocorrido é breve, mas a informação de que Álvaro Peres
de Castro foi para junto do infante Pedro de Portugal por este ser amante de sua irmã, implica
na já amplamente debatida questão da busca pela privança régia, possibilitada neste caso, pelo
parentesco com uma pessoa próxima do rei. Nesta situação (assim como na de Diego Garcia
de Padilha, irmão de Maria de Padilha), a privança de Álvaro é obtida através de sua irmã,
uma pessoa próxima em demasia do monarca português por ser sua predileta.
A presença do irmão de Inês em Portugal e sua influência sobre o “cunhado”, herdeiro
da coroa portuguesa, assim como no caso dos parentes de Maria de Padilha, também irá gerar
repercussões no reino. No entanto, sua influência não irá se refletir em um conflito entre a
nobreza e o infante Pedro, mas sim em um conflito entre este e seu próprio pai, Afonso IV.
Muitos pesquisadores crêem na hipótese de que uma influência negativa de Álvaro e de seu
meio-irmão Fernando Peres de Castro
137sobre Pedro, incluindo um plano deveras ambicioso
de tomar a coroa de Castela, o que teria gerado a morte de Inês a mando de Afonso IV, como
forma de romper a ligação entre os parentes da aia e Pedro, futuro rei de Portugal
138. Além
disso, D. Afonso IV poderia também ter sido influenciado por seus conselheiros Pero Coelho,
Álvaro Gonçalves e Diego Lopes Pacheco, que temeriam a perda de suas influências sobre a
monarquia portuguesa para os Castro.
A partir deste ponto e já partindo para um tema seguinte de análise, temos as
referências relacionadas aos motivos da morte de Inês de Castro. A última hipótese
apresentada acima é somente uma das que podem ser depreendidas da crônica ayalina, visto
que o cronista diz no capítulo XIV (do ano de 1360) que:
é por esto el Rey Don Alfonso su padre fizola matar á la dicha Doña Ines é fueron en consejo con él de la matar dos Caballeros suyos, uno que decian Diego Lopez Pacheco, é otro Pero Cuello, é otros dos omes criados del Rey.139
Sem citar diretamente Álvaro Gonçalves, Ayala fala dos outros conselheiros que
teriam tido parte na morte de Inês, não explicando os motivos que teriam levado estes homens
a darem tal conselho ao rei Afonso IV. Porém, em um momento anterior, o cronista afirma
que o monarca português teria tomado tal atitude devido ao fato de lhe terem dito que o
137 Filho legítimo de Pero Férnandez de Castro, que, assim como Álvaro, também se envolveu em uma revolta nobiliárquica contra D. Pedro de Castela e foi para Portugal tentar se aproximar do infante amante de sua irmã. 138 FERNANDES, F. R. As potencialidades de aia... p. 5.
infante Pedro queria se casar com a aia e tornar seus filhos com ela legítimos, conforme o
trecho:
“E fizola el Rey Don Alfonso matar, por quanto le decian que el Infante Don Pedro su fijo queria casarse con ela, é face los dichos fiijos legítimos; é pesabale el Rey Don Alfonso, por quanto la dicha Doña Ines non era fija de Rey, ca era fija de Don Pedro de Castro que dixeron de la Guerra, un grand Señor en Galicia, que le oviera en una Dueña; 140
Portanto, talvez tivesse sido esta a advertência dada pelos conselheiros, no entanto,
aqui se centra outra referência à morte de Inês Castro e seu motivo: o fato de ela não ser filha
de reis (ou seja, não ser uma infanta, o que por si só já não era comum de se acontecer, pois o
casamento de um rei envolvia a escolha de uma esposa de alta linhagem, provinda de
membros da realeza) e sim uma filha bastarda de D. Pero Férnandez de Castro. O pai de Inês
era primo e aliado de Afonso Sanches (filho bastardo do rei D. Dinis e preferido deste para o
trono), o qual era irmão de Afonso IV (herdeiro legítimo da Coroa portuguesa). Afonso
Sanches, apoiado por D. Dinis, e Afonso IV (ainda infante) entraram em disputa pela coroa de
Portugal em um conflito durante as décadas de 1310-20
141, na qual o primeiro saiu perdendo.
Haveria, portanto, uma razão pessoal do rei Afonso para ser contra o relacionamento do
infante Pedro com a filha de Pero Férnandez de Castro, motivo este superficialmente citado
por Ayala ao afirmar: “ca era fija de Don Pedro de Castro que dixeron de la Guerra, un
grand Señor en Galicia, (...)”.
Neste mesmo trecho, encontramos ainda outro motivo para o assassinato de Inês de
Castro, a informação já relacionada da possibilidade do infante Pedro vir a se casar com ela e
fazer de seus filhos legítimos, o que para um monarca como Afonso IV, que havia tido muitos
problemas com irmãos bastardos para assumir a coroa, não agradaria nem um pouco. Visto
que a provável disputa que se travaria entre seu neto legítimo, Fernando (filho do casamento
de Pedro com Constança Manuel) e os filhos legitimados de Pedro com Inês de Castro, traria
grande instabilidade ao reino. Relacionada à questão dos filhos que o ainda infante teve com a
amante, há referência maior a eles anteriormente, na primeira citação da crônica, no ano
quarto: “É ovo della el dicho Rey Don Pedro fijos al Infante Don Juan, é al Infante Don
Donis, á la Infanta Doña Beatriz, que casó con el Conde Don Sancho hermano del Rey Don
Enrique de Castilla,(...)”. Os filhos são, portanto, nomeados, bem como é dito o destino de
140 Idem.
141 SALES, M. Vínculos políticos luso-castelhanos no século XIV. In: MEGIANI, A. P. T. & SAMPAIO, J. P. (Orgs.) Inês de Castro: A época e a memória. São Paulo: Alameda, 2008. pp. 19 e 20.
Beatriz, o qual se enlaça com os rumos de Castela através do casamento com o irmão do rei
D. Henrique II.
Em seguida destacamos os temas relacionados ao início da relação entre o infante
português e a aia, e à afirmação de Pedro de Portugal de ter se casado com a amante.
Primeiramente, ressaltamos a referência com relação ao início do envolvimento dos amantes
[o grifo é nosso]: “é teniala el Don Pedro por quanto era muy fermosa, é aviale tomado
despues que morió la Infanta Doña Costanza, fija de Don Juan Manuel, con quien el dicho
Infante Don Pedro fuera casado,(...)”
142. Sublinhamos aqui que Ayala afirma ter D. Pedro se
envolvido com Inês de Castro após a morte de sua mulher, Constança, o que não
caracterizaria, portanto, adultério. Observaremos no item seguinte, como Fernão Lopes coloca
a questão de outra maneira. Já o motivo para o surgimento da relação, brevemente citado pelo
cronista, teria sido simplesmente a beleza de Inês.
O amor que a aia teria gerado em D. Pedro é colocado por Ayala como a causa para a
declaração deste de ter se casado com Inês de Castro [o grifo é nosso]: “Don Pedro de
Portogal amaba tanto á la dicha Doña Ines de Castro, que decia á algunos de sus privados
que era casado con ella;”
143. E é com relação a este casamento que temos outras referências.
Por exemplo, é por ter possivelmente Pedro afirmado a alguns que teria casado com a aia, que
seu pai, ao tomar conhecimento disto, mandou matar Inês, conforme Ayala. O cronista
também comenta brevemente o que teria sido a declaração de Cantanhede em 1360, dizendo
somente que: “Don Pedro despues que foi Rey de Portogal, dixo que era casado con ella, é
llamaronla la Reyna Doña Ines: é yace enterrada con el dicho Rey Don Pedro de Portogal
en el Monasterio de Alcobaza.”
144. Em seguida, Ayala diz (em trecho que já citamos) que
teriam os filhos de Inês com Pedro sido chamados de infante D. João, infante D. Dinis e
infanta D. Beatriz. Já no capítulo posterior e mais extenso sobre o caso de Inês e Pedro, o
cronista comenta o fato de ter o monarca português dito que ela fora sua mulher legítima e
que não havia ousado pronunciar seu casamento com a amante antes por medo da reação de
seu pai, Afonso IV
145; este medo da parte do infante com relação ao pai se relaciona com a
questão dos rapazes (e não somente as moças) terem pouco poder de decisão sobre o próprio
matrimônio, ponto que discutimos em nosso primeiro capítulo. Observamos como o autor faz,
142 AYALA, P. L. de. Op. Cit. Año Onceno (1360), Cap. XIV, p. 506. 143 Idem.
144 Ibidem, Año Cuarto (1353), Cap. XXVI, p. 438. 145 Ibidem, Año Onceno (1360), Cap. XIV, p. 506.
portanto, somente uma descrição dos fatos, não contestando em nenhum momento o que
atribui ser a voz de D. Pedro sobre seu relacionamento com a amante. É importante
ressaltarmos que diferentemente de várias outras mulheres da crônica ayalina, Inês de Castro
não possui voz própria na narrativa, está sempre subordinada aos acontecimentos que
envolvem sua relação com Pedro; ou seja, aos dados de sua morte, à afirmação de Pedro de ter
se casado com ela e por fim, à vingança de seu amante ao matar os conselheiros que teriam
influenciado seu assassinato. Tal diferença com relação a outras mulheres da crônica pode
estar relacionada ao fato de Pero Lopez de Ayala não ter conhecido Inês como as outras
figuras femininas que descreve.
Partindo para o último tema das referências de Inês no texto ayalino, a questão do
assassinato dos conselheiros de Afonso IV que teriam provocado a morte de Inês está presente
desde o título do capítulo XIV do ano de 1360: “Como el Rey Don Pedro de Castilla fizo su
pleyto con el Rey Don Pedro de Portogal, que le entregaria algunos Caballeros de Portogal
que estaban en su Regno, é le diese otros Caballeros de Castilla que estaban en Portogal”.
Como já havíamos dito, os conselheiros nomeados por Ayala são somente Pero Coelho e
Diego Lopes Pacheco, os outros envolvidos, como Álvaro Gonçalves, são citados como:
“otros dos omes criados del Rey
146. Em seguida, o cronista afirma que tais cavaleiros fugiram
para Castela por medo de D. Pedro de Portugal, assim como havia cavaleiros de Castela
escondidos em Portugal por medo de D. Pedro de Castela. E, desta forma:
[...] fué tratado entre el Rey Don Pedro de Castilla, é el Rey Don Pedro de Portogal, que cada uno de los Reyes entregase al otro los Caballeros que eran asi fuidos en el su Regno, para facer dellos lo que quisiesen. É fué asi fecho, é fueron entregados al Rey de Portogal Pero Cuello é un Escribano, los quales fueron muertos en Portogal; e Diego Lopez Pacheco fué apercebido, e fuyó de Castilla para el Regno de Aragon147.
Observamos que foi morto Pero Coelho e um escrivão, o qual certamente seria Álvaro
Gonçalves, como veremos na crônica de Fernão Lopes. Nenhuma referência ao modo como
tais homens são assassinados é feita, a descrição é breve e simples. Há ao final do capítulo, no
entanto, o seguinte comentário: “É los que esto vieron tovieron que los Reyes ficieron lo que
la su merced fué; mas que el tal troque non debiera ser fecho, pues estos Caballeros estaban
sobre seguro em los Regnos”
148. Ou seja, há uma desaprovação moral de tal ato, corroborada
146 Idem. 147 Idem. 148 Idem.