2. AS MULHERES NAS CRÔNICAS DE FERNÃO LOPES E PERO LOPEZ DE
2.2 ALGUNS PERFIS FEMININOS NAS CRÔNICAS DE PERO LOPEZ DE AYALA E FERNÃO
2.2.1 Perfis femininos na Crónica de D. Pedro I, de Fernão Lopes
Na crônica de Fernão Lopes sobre Pedro I de Portugal encontramos uma gama da
presença feminina (ao total, foram registradas 25 mulheres, incluindo Inês de Castro e Maria
de Padilha), composta tanto por mulheres da alta nobreza, quanto por mulheres de estratos
mais populares. Relacionado a este fato, temos que as personagens femininas nos ajudam a
compor um painel em si tão pouco generoso, quando nos reportamos à história das mulheres
no Medievo. Sendo que, de nossa análise, percebemos que as mulheres da nobreza,
principalmente as infantas, aparecem a maior parte das vezes relacionadas a acordos
matrimoniais entre os reinos ibéricos, o que representava uma forma de manter a estabilidade
política das casas dinásticas. Uma ilustração deste caso é o de D. Isabel
91, citada em dois
90 Idem, Año Décimonono (1368), Cap. IV, p. 582.
91 Filha de D. Pedro de Castela é personagem de um casamento planejado com o Infante Dom Dinis de Portugal, filho de Pedro, o Cru, e Inês. Os casamentos planejados nesse capítulo demonstram uma forma de assegurar a paz entre Castela e Portugal. (Ver apêndice, tabela das individualidades femininas em Fernão Lopes). In: LOPES, F. Crônica de D. Pedro. Porto: Livraria Civilização, 1965. Cap. XV, Pág. 66. Filha de D. Pedro de Castela é personagem de um casamento planejado com o Infante Dom Dinis de Portugal, filho de Pedro, o Cru, e
capítulos da crônica, a qual é referenciada pelo casamento que seu pai, Pedro I de Castela,
planejava com o infante D. Dinis de Portugal, objetivando assegurar a paz entre os dois
reinos.
Com relação ainda às mulheres nobres, gostaríamos de ressaltar mais dois exemplos.
Primeiramente, a presença da rainha D. Maria na crônica lopeana, que aparece em três
capítulos, sendo o motivo do primeiro, que trata do traslado de seu corpo para Castela. No
entanto, sua citação fundamental se encontra no capítulo XVI
92, no qual Fernão Lopes afirma
uma conhecida versão do envolvimento da rainha na morte de Leonor de Guzman. Porém,
curiosamente o cronista diz, de modo diferente de Pero Lopez de Ayala, que D. Maria não
teria sido capaz de mandar fazer tal feito sem o consentimento de seu filho
93, atribuindo,
portanto, o assassinato de Leonor de Guzman, a Pedro I de Castela e não à rainha Maria,
como havia feito Ayala. Desta forma, Fernão Lopes inocenta a portuguesa, irmã de D. Pedro I
de Portugal.
Outra importante presença na crônica lopeana é a de Leonor dos Leões, que atesta a
importância da matéria de Castela na obra do cronista português, pois Fernão Lopes
empenha-se na descrição da história relacionada a esta personagem. Leonor era filha do Conde
Henrique Trastâmara, que depois se tornou rei de Castela
94. Ela teria sido dada a leões do rei
quando bebê, mas estes não lhe fizeram nada, o rei se comovendo de tal fato poupou-lhe da
morte, mas escondeu-a de seu pai. Na narrativa, Fernão Lopes fala de sua recuperação e
entrega a Dom Henrique, quando esta tinha a idade de 14 anos.
Já as mulheres dos outros estratos sociais aparecem geralmente relacionadas ao caráter
justiceiro de Pedro I de Portugal, que não perdoava delitos de nenhum setor da sociedade,
cometidos tanto por homens quanto por mulheres. Neste sentido, alguns exemplos, o primeiro
é o de uma mulher chamada Ellena, que aparece no capítulo X da obra. Ellena é referida como
uma alcoviteira, que havia feito um feitiço contra uma mulher que dormira com o almirante
Lançarote Peçanho. O rei D. Pedro tendo descoberto tal feito manda que a alcoviteira seja
queimada, e aqui vemos Fernão Lopes afirmar o caráter justiceiro do rei, conforme o trecho:
Inês. Os casamentos planejados nesse capítulo demonstram uma forma de assegurar a paz entre Castela e Portugal. (Ver apêndice, tabela das individualidades femininas em Fernão Lopes).
92 A crônica lopeana, diferentemente da ayalina, não é dividida pelos anos de reinado, contendo com uma divisão em 44 capítulos.
93 LOPES, Op. Cit., Cap. XVI, p. 72. (Ver apêndice, tabela das individualidades femininas em Fernão Lopes). 94 Ibidem, Cap. XXXIX, p. 181. (Ver apêndice, tabela das individualidades femininas em Fernão Lopes).
“El Rei Dom Pedro queria gram mal a alcouvetas e feitiçeiras , de guisa que por as justiças
que em ellas fazia, mui poucas husavam de taaes offiçios”
95. Como podemos observar, esta
figura feminina possui uma representação moral no Baixo Medievo bastante negativa,
servindo como uma boa ilustração para demonstrar a justiça do monarca.
Já o segundo exemplo é o de Caterina Tosse, uma personagem feminina do meio
urbano, casada com o corregedor Lourenço Gonçalvez. Esta mulher, segundo Fernão Lopes,
teria se envolvido com o estimado escudeiro do rei, Affonso Madeira. Tendo D. Pedro, o Cru,
descoberto que Afonso havia dormido com ela, manda capá-lo, mesmo tendo grande apreço
por tal homem; e assim, mais uma vez temos o exemplo da justiça implacável do monarca
português. É interessante observar que Fernão Lopes dedica um capítulo inteiro de sua obra a
esta questão, elencada já no seu título: “Como el Rei mandou capar huum seu escudeiro por
que dormio com huma molher casada”
96. Além disso, observamos a contradição existente
entre a crueza, a pregação moral do monarca, e sua própria conduta social. Pois observando
a análise de José Gaspar Nascimento da Crónica de Dom Pedro, percebemos que no capítulo
V, Fernão Lopes trata da promulgação de uma lei em que o rei estabelece rigorosas multas em
dinheiro ou castigos corporais a homens que abandonassem suas mulheres e filhos para
ficarem com amantes, ou que mantivessem estas em suas próprias casas
97. Desta forma, temos
duas ilustrações da condenação total do adultério pelo monarca, que de maneira contrária,
possuía uma amante (mesmo que não se possa comprovar o envolvimento de Inês com Pedro
ainda em vida de sua mulher, Constança Manuel, ele passara bom tempo vivendo com a
amante sem estar casado).
Outro perfil citado é o da mulher de Afonso André. Sua morte é motivo principal do
capítulo IX, que trata de exemplos de “justiças” que o monarca Pedro mandou fazer: “Como
el Rei mandou queimar a molher Daffonso André e doutras justiças que mandou fazer”. O rei
havia mandado degolar e queimar esta mulher (que não tem seu nome citado por Fernão
Lopes) ao saber que ela “fazia maldade” a seu marido. Afonso André foi se queixar da atitude
do monarca, dizendo-lhe que já havia se vingado da esposa e “do que lhe poinha as cornas”. O
rei teria se precipitado em sua justiça ao interferir desta maneira na vida do casal, pois o
marido também alegara que conhecia a mulher muito mais que o monarca para este cometer
tal atitude. Outro exemplo semelhante e quem vêm logo em seguida na narrativa é o de Maria
95 LOPES, F. Cap. X. p. 45. (Ver apêndice, tabela das individualidades femininas em Fernão Lopes). 96 Ibidem,Cap. VIII. pp. 37-39. (Ver apêndice, tabela das individualidades femininas em Fernão Lopes).
97 NASCIMENTO, J. G. de O. A Língua Portuguesa no século XV: Fernão Lopes. Sorocaba, SP: TCM, 2001. p. 55.