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Maria de Padilha na crônica de Fernão Lopes: “tal voontade pos elRei em ella, que já

3. MARIA DE PADILHA E INÊS DE CASTRO NAS CRÔNICAS DE PERO LOPEZ

3.1 A DAMA E OS CRONISTAS: MARIA DE PADILHA NOS RELATOS DE PERO LOPEZ DE

3.1.2 Maria de Padilha na crônica de Fernão Lopes: “tal voontade pos elRei em ella, que já

Maria de Padilha é a segunda mulher mais citada na Crônica de D. Pedro I, de Fernão

Lopes; vindo atrás somente de Inês de Castro, a amante e mulher mais importante da vida do

monarca português Pedro. A amante de Pedro Cruel teve ao total no texto lopeano (composto

por quarenta e quatro capítulos) presença em seis capítulos

123

. Primeiramente, devemos

destacar, conforme observou Marcella Guimarães, que uma das principais fontes para a

construção do texto do cronista português foram as crônicas de Pero Lopez de Ayala. Além

disso, a mesma historiadora ao analisar a crônica lopeana detectou que dos quarenta e quatro

capítulos da crônica, acrescidos do prólogo, 54% se referem a questões de Castela, de Pedro

Cruel e da guerra que manteve com Aragão. Sendo que do restante da crônica 23% versam

sobre a justiça e aplicação desta pelo monarca português e 14% se referem à relação entre D.

Pedro de Portugal e Inês de Castro

124

. Observando esta grande presença da matéria de Castela

na crônica portuguesa, as diversas referências à Maria de Padilha não são de se estranhar.

Da mesma forma, percebemos que as descrições da amante de Pedro Cruel presentes

no texto de Fernão Lopes são muito parecidas com as do texto de Ayala. No capítulo XVI

(intitulado “Dalguumas pessoas que elRei Dom Pedro de Castella mandou matar, e como

casou com a Rainha Dona Branca e a leixou”) , ela é citada como a manceba que o rei D.

Pedro de Castela tomou quando ainda se tratava do casamento com Dona Branca de Bourbon.

. Nota-se a semelhança com o relato de Ayala sobre Maria de Padilha sobre Maria:

[...] que amdava por domzella em casa de Dona Izabel de Meneses, filha de Dom Tello de Meneses, molher de Dom Joham Affonso Dalboquerque, que a criava; e tal vontade pos el Rei em ella, que já nom curava de casar com Dona Branca [...].125

122 LOPES, Op. Cit., Cap. XVI, p. 73. (Ver apêndice, tabela das individualidades femininas em Fernão Lopes). 123 Maria está presente na crônica lopeana nos capítulos: XVI, XVII, XX, XXV, XXX, XXXVII.

124 GUIMARÃES, M. L. Os protagonismos do Cruel e do Cru.... p. 112. 125 LOPES, F. Op. Cit. Cap. XVI, p. 73.

Neste mesmo capítulo, o cronista atribui ao rei castelhano a característica de “mui

luxurioso”, dizendo também que “quaaes quer molheres que lhe bem pareciam, posto que

filhas dalgo e molheres de cavaleiros fossem, e isso mesmo donas dordem ou doutro estado,

que nom guardava mais huumas que outras.”

126

. O cronista não se exime durante todo este

capítulo de classificar D. Pedro I de Castela como um anti-exemplo. Além disso, insere uma

ilustração da crueldade do monarca, referente ao rei mandar matar Álvaro Peres de Castro

(irmão de Inês de Castro), e Álvaro Gonzalez Moram, os quais, no entanto, são avisados por

Maria de Padilha e por isso escapam da morte

127

.

Além deste capítulo, temos citações que se referem à Maria nos capítulos XVII e XX

(os quais também tratam exclusivamente de Castela e do rei Pedro Cruel), nos quais o cronista

português aborda, assim como Ayala, o temor dos nobres castelhanos com relação à

influência que os parentes de Maria Padilha vinham tendo sobre o rei e o reino. Citações estas

inseridas na descrição com relação à questão que envolvia a defesa de Branca de Bourbon,

para que o rei abandonasse a amante e fosse se estabelecer com sua esposa legítima

128

.

Por fim, destacamos a presença de Maria no capítulo XXIX, que trata das razões por

que duvidavam alguns de que Pedro de Portugal havia se casado em segredo com Inês de

Castro. Fernão Lopes cita Maria de Padilha ao abordar o fato de ter D. Pedro de Castela

pronunciado nas cortes de Sevilha que havia se casado com a amante em segredo, antes de seu

casamento com Dona Branca de Bourbon, e por isto teria sido Maria de Padilha rainha de

Castela e seus filhos eram, portanto, infantes; além disso, o cronista atesta a presença de

quatro testemunhas que estavam no ato. O autor então compara o caso do rei castelhano com

o do rei português, que reuniu cortes para falar que havia se casado com Inês de Castro em

segredo e que não havia declarado antes por temer a reação de seu pai, Afonso IV, que era

contra sua relação com a aia. Em dado momento percebemos a utilização que Fernão Lopes

faz desta situação que descreve [o grifo é nosso]:

Mas diziam que este feito queria parecer semelhante a elRei Dom Pedro de Castella, que posto que el mandasse matar Dona Branca sua molher, em quamto Dona Maria de Padilha foi viva, que elle tiinha por sua manceba; nunca lhe nenhuum ouviu dizer que ella fosse sua molher. E depois que ella morreo, em humas cortes que fez em Sevilha, alli declarou peramte todos, que primeiro casara com ella que com Dona Branca, [...]. 129

126 Ibidem, p. 72. 127 Ibidem, p. 75.

128 Ibidem, Caps. XVII e XX, pp. 83, 95-97. 129 Ibidem, Cap. XXIX, p. 138.

O cronista, portanto, faz uso da declaração que havia feito Pedro de Castela, para

afirmar que poderia ser falsa a declaração de Pedro de Portugal de que havia se casado com

Inês, pois teria o monarca português se inspirado no que fizera seu sobrinho castelhano. No

entanto, observamos um problema nesta afirmação, pois D. Pedro de Portugal teria feito a

Declaração de Cantanhede em 1360 (Inês morrera em 1355 e o rei Afonso IV em 1356),

quatro anos após a morte de seu pai. E a declaração de D. Pedro de Castela, segundo a crônica

de Ayala, foi feita em 1362 (um ano após a morte de Maria de Padilha), ou seja, como poderia

o rei português copiar a atitude de seu sobrinho se este a fez dois anos depois? Conforme

Fátima Fernandes, em referência a Arnaut, em 1361 Pedro de Portugal encaminhou ao Papa

um pedido de reconhecimento da validade de seu casamento secreto com Inês de Castro para

o qual recebeu resposta negativa

130

. 1361 é também o ano da morte de Maria de Padilha,

portanto, temos que Pedro Cru fez a declaração de seu casamento antes do monarca

castelhano e não o contrário, como afirmou Fernão Lopes. Nossa hipótese é a de que o

cronista português, como funcionário da Dinastia de Avis (fundada por D. João Mestre de

Avis, que se tornou rei apesar do apreço de muitos no reino pelos filhos de D. Pedro e Inês de

Castro), teria muitos motivos para afirmar que o casamento de Pedro e Inês poderia muito

bem não ter sido realizado e se tratar de uma invenção do monarca. Haja vista que sua

crônica, como tantas outras no período, tinha como função básica legitimar dinastias que

haviam sido fundadas. Fernão Lopes, apesar de sua pretensão em escrever a verdade dos

fatos, era um homem comprometido com o poder e para justificar Avis não poderia legitimar

os filhos provindos da relação de D. Pedro e Inês de Castro. Tal situação abordaremos

novamente na discussão da presença de Inês de Castro na crônica de Fernão Lopes.

Com relação ainda à citação exposta tanto por Ayala quanto por Fernão Lopes de que

teria o rei castelhano pronunciado seu casamento com Maria de Padilha nas cortes de Sevilha,

podemos depreender como a atitude de D. Pedro de Castela enuncia a vontade do monarca de

legitimar o amor que viveu com esta mulher; visto que as iniciativas da Igreja nos séculos XII

e XIII elevaram a importância do matrimônio na cristandade. Além disso, este sacramento,

principalmente para a nobreza e realeza, significava também benefícios, em grande parte

materiais, como observamos no caso de Leonor da Aquitânia, pois seus maridos obtiveram

como dote o Ducado da Aquitânia, que fora herdado por ela. Já para D. Pedro I de Castela,

pronunciar seu casamento com a aia significava, além de possivelmente eximir sua culpa pelo

abandono de Branca de Bourbon (o casamento não teria sido válido devido ao rei já estar

casado com Maria de Padilha), garantir direitos de infantes aos filhos que tivera de seu caso

com a amante, vide que enuncia também a vontade que tinha de ser seu filho Afonso futuro

rei de Castela. Portanto, podemos perceber que mais importante que a discussão da

autenticidade dos casamentos de Pedro de Castela com Maria de Padilha ou de Pedro de

Portugal com Inês de Castro é a iniciativa dos dois monarcas de tentarem legitimar suas

relações com estas duas mulheres e as implicações que estas declarações geraram em suas

sociedades.

Observamos nesta análise da figura de Maria de Padilha na crônica de Fernão Lopes a

diferença que o cronista atribui à personagem com relação à crônica de Ayala. Em Ayala,

Maria é exaltada e citada várias vezes como elemento importante da época, que influenciou o

contexto. Sua figura é elogiada pelo cronista castelhano em diversos momentos, como

exemplo de bondade, formosura e contrário ao perfil de seu amante, Pedro Cruel. Na crônica

de Fernão Lopes, a aia castelhana, apesar das citações semelhantes ao texto ayalino, está

situada basicamente em relação às atitudes de seu amante, o qual está muito presente na

crônica portuguesa devido à importância que Fernão Lopes atribui aos assuntos relacionados a

Castela.

3.2 A DAMA E OS CRONISTAS: INÊS DE CASTRO NOS RELATOS DE PERO LOPEZ