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CAPÍTULO 3 A TUTELA ANTECIPADA ESTÁVEL: PROVIMENTO SUMÁRIO

3.2 Alteração estrutural da tutela sumária antecipada

3.2.2 Incidência sobre o elemento provisoriedade

356 Cf. FLASH, Daisson Flash. Estabilidade e controle das decisões fundadas em verossimilhança: elementos

para uma oportuna reescrita. In: ARMELIN, Donaldo (coordd.). Tutelas de urgência e cautelares estudos em homenagem a Ovídio A. Baptista da Silva. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 309.

357 Muito criticada por significativa parcela da doutrina brasileira, por implicar prejuízos ao princípio do

contraditório. Cf. WAMBIER, Luis Rodrigues; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; MEDINA, José Miguel. Breves comentários à nova sistemática processual civil. 3. ed. São Paulo: Ed. RT, 2005. p. 63, comentário ao art. 285-A. No entanto, adotamos as premissas desenvolvidas por José Roberto dos Santos Bedaque em relação às exigências da lei do processo, as quais são direcionadas sempre a resguardar o interesse do destinatário da eficácia do julgamento. Assim, sendo a decisão absolutamente favorável ao sujeito processual protegido pela norma, sua transgressão não pode repercutir a nulidade do provimento. Cf. Efetividade do processo e técnica processual cit., p. 204.

358 Sob a perspectiva do sujeito passiva da relação processual, obviamente não há como se falar em

provimento antecipatório fundamentado no requisito urgência, caso em que a prerrogativa de provocação do poder judiciário é exclusiva da parte que necessita da tutela jurisdicional imediata, em aplicação direta do disposto no art. 6º do Código de Processo Civil.

Ao final do item que se ocupou da análise do significado e dos efeitos decorrentes da presença do elemento provisoriedade na estrutura constitutiva dos provimentos sumários dependentes – no sistema processual brasileiro, a tutela cautelar e a tutela antecipada –, comprovou-se a natureza teleológica desse atributo, cuja finalidade não é outra senão a de conferir efetividade e utilidade à futura decisão a ser proferida ao final do procedimento de cognição completa. Assim, a provisoriedade desses provimentos dependentes está relacionada ao seu insuperável caráter instrumental impostos pelo legislador, mostrando-se inacapaz de atuar definitivamente no litígio, declarando a vontade concreta da lei, ainda que precedida de cognição plena e exauriente.359

Cumpre agora, na esteira da investigação conferida ao fator instrumentalidade, analisar os efeitos que alteração estrutural inerente ao deslocamento do provimento antecipatório para o grupo das tutelas sumárias dotadas de autonomia própria (tutelas sumárias não cautelares) – movimento necessário à implementação da tutela antecipada estável aqui proposta de iure condendo –, produzirá em seu componente provisoriedade, e em que medida essa característica continuará presente nessa técnica de aceleração da prestação jurisdicional pelo processo.

A capacitação da tutela sumária para também atuar definitivamente no ambiente litigioso dos sujeitos parciais do processo, aumentando a efetividade da atuação jurisdicional e evitando a prática de atos processuais desnecessários e os autos deles advindos, decorre primordialmente de opção do legislador em laçar mão de artifício processual de transformação do juízo inicial de verossimilhança dos fatos alegados pelo autor ao ajuizar a petição inicial em juízo formal da verdade, legitimando a solução da controvésia mediante a aplicação da vontade concreta da lei com base na certeza jurídica formal disposta ao julgador.

A transformação jurídica da verossimilhança em verdade legal no processo, que na generalidade dos casos, decorre do exaurimento da função demonstrativa das provas acerca dos fatos apresentados pelas partes e aplicação de regra de distribuição do dever de comprovação, passa a ser implementada também mediante omissão da parte no exercício

359 O exemplo da tutela antecipada concedida em sentença, como destacado alhures, é emblemático em

relação a essa idoneidade de decidir definitivamente a controvérisa. Ainda que proferida após a tramitação de todo procedimento ordinário e já formalmente definido o juízo da verdade e da certeza jurídica, a tutela sumária é invariavelmente substituída pela sentença judicial imperativa.

de faculdade processual que lhe é assegurada por estrito cumprimento das garantias constitucionais de segurança que tutelam o processo civil brasileiro. Em outras palavras, ante a ausência de impulso processual de inciativa exclusiva da parte interessada na atividade demonstrativa da prova e no exercício pleno da ampla defesa e do contraditório, é admitida a declaração e definição da vontade concreta da lei por provimento judicial amparado em juízo de verossimilhança e probabilidade.360

Também sob o aspecto sociológico, a técnica de equiparação entre a execução do juízo cognitivo completo e a livre renúncia pela parte detentora do interesse em realizá-la corresponde também ao senso comum de justiça do método da prestação jurisdicional pelo Estado. A demonstração da ciência inequívoca da parte contra a qual recaí o provimento sumário potencialmente definidor do litígio, em todos os seus termos e consequências, é suficiente se assegurar a plena fruição de todas as garantias constitucionais de segurança ao cidadão que tutelam o processo civil brasileiro e validar a relação jurídica processual triangular a partir dela instaurada. O demandado que entenda ter razão na controvérsia levada à solução judicial certamente não se calará ou se conformará com uma decisão sumária que lhe seja desfavorável,361

não se podendo ainda ignorar o fato de que eventuais prejuízos decorrentes desse provimento à própria provisoriedade da decisão, seja ela obrigatória ou eventual.

Nota-se que a transformação se opera no elemento de sustentação da provisoriedade. Enquanto que na tutela sumária dependente a provisoriedade está atrelada ao seu escopo instrumental em relação a outro provimento definitivo, na tutela sumária autônoma está associada à cognição que precede o provimento judicial, que em caráter sumário não autoriza a decisão, desde logo, desempenhar propósito definitivo, sob pena de violação do contraditório e da ampla defesa.362 A provisoriedade é, dessa forma, de

360 Cf. Luigi Montesano, que afirma que “il provvedimento sommario diveta definitivo o acquista maggiore

stabilità, sia pure provvisoria, se chi lo subisce non mette in moto meccanismi processuali atti alla sua rimozione, o anche, in alcune ipotesi normative, se il giudice non lo revoca.”

361 Como bem destacou Lea Querzola, “il senso comune sa bene che è nella natura umana replicare anche

quando si ha torto; immaginiamo quando si sappia di avere (e poter dimostrare di avere) ragione.” Cf. Op. cit., p. 173.

362

“Invero, nell’ambito dei provvedimenti sommari non cautelari, la provvisorietà è un effetto che se da un lato discende dalla natura sommaria della cognizione, dipende dall’altro dal verificarsi dell’eventualità che la pronuncia sia assorbita dalla sucessiva statuizione nelle forme ordinarie sul merito della controversia. In altri termi, la sommarietà della cognizione non è di per sé stessa in contrasto con l’aspirazione, caratteristica di tali provvedimenti, a diventare essi stessi definitive e ad assolvere quindi a finalità di tipo essenzialmente definitivo.” Cf. Pasquale Frisina, La tutela anticipatoria: profili funzionali e strutturali cit., p. 380.

natureza eventual,363 diretamente dependente da ação ou omissão do demandado em

promover medidas de impugnação do provimento sumário proferido e obter a declaração judicial do direito com base em cognição plena.364

Dessa forma, na medida em que o sistema jurídico assegura, sem transigências, a realização da cognição plena e exauriente, identifica-se nesse ponto o efetivo valor da eventualidade que sela o destino da tutela sumária potencialmente condutora da aplicação definitiva ou mais estável da vontade concreta da lei no litígio instaurado entre os jurisdicionados. Em outros termos, a suficiência da sumariedade da cognição anda de mãos dadas com a vontade da parte que se sujeita aos efeitos de seu respectivo provimento, vínculo que lhe assegura o exercício do devido processo legal nos moldes reservados pelo legislador constitucional.

Chega-se, então, a ponto nevrálgico da investigação proposta, qual seja, a identificação das necessárias mudanças estruturais na tutela antecipada brasileira com intuito de autorga de estabilidade ao seu provimento, com objetivo de implamentar, no respectivo procedimento em que está inserida – tutela antecipada genérica do procedimento ordinário ou específica dos procedimentos especiais –, a não

obrigatoriedade e a eventualidade do contraditório pleno e exauriente nas hipóteses de

proteção de direitos materiais urgentes ou evidentes sustentados por verossimilhança dos fatos alegados pelo demandante.

A tutela antecipada prevista no ordenamento jurídico brasileiro, para ser provida de estabilidade, deve passar por reformulação em sua estrutura, mediante o rompimento do nexo obrigatório de instrumentalidade que hoje a coloca a serviço do juízo definitivo de mérito, bem como a associação de sua provisoriedade unicamente ao aspecto qualitativo

363 Afirma Michele Taruffo que “si può, tuttavia, corretamente parlare, a tal proposito, di provvedimenti

cautelari che, in linea con le indicazioni comparatistiche, godono di una provvisorietà coerentemente ridimensionata, essendo dotati di una loro peculiare autorità o stabilità, di cui le altre misure cautelari, secondo la consolidata tradizion, non hanno mai fruito.” Cf. COMOGLIO, Luigi Paolo; CORRADO, Ferri, TARUFFO, Michele. Lezioni sul processo civile. Quarta edizione. Bolgna: Il Mulino, 2006. vol. II, p. 45. Lea Querzola, de forma muito precisa, destaca que o provimento implementado pela reforma processual italiana de 2005 é dotado de provisoriedade eventual, “nel senso che sarà provvisorietà nel senso tradizionale del termine se ad esso seguirà cronologicamente il processo di merito, altrimenti no, così che, per usare un’espressione nota, ciò che era provissorio in diritto diviene definitivo in fatto.” Cf. Op. cit., p. 37.

364 Cf. José Roberto dos Santos Bedaque, Tutela cautelar e tutela antecipada: tutelas sumárias e de urgência

da cognição sumária – e não mais à sua finalidade de suporte no sitema –, reduzindo a natureza desse elemento do plano essencial para o eventual.