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CAPÍTULO 3 A TUTELA ANTECIPADA ESTÁVEL: PROVIMENTO SUMÁRIO

3.5 Questões procedimentais relevantes

Não obstante as advertências apresentadas no item antecedente, no sentido de que a proposta formulada no trabalho não contemplaria os pormenores do procedimento que dispusesse regra de tutela antecipada estável, assim como de que os requisitos hoje

cogitar que o provimento antecipatório estável seja a palavra final do poder judiciário a respeito da existência ou não do crédito materializado no título apontado a protesto. Para que isso ocorra em decisão sumária autônoma, e ainda no plano exemplificativo e hipotético, deveria a petição inicial estar acompanhada de prova documental que atestasse a quitação do débito, a ensejar a extinção do direito subjetivo do credor. Assim, a tutela antecipada estaria amparada na convicção judicial de que a dívida não mais existe, podendo assim, legitimamante, ter eficácia estável no ambiente jurídico das partes.

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José Roberto dos Santos Bedaque, ao analisar a pertinência do modelo de provimento antecipatório estável, enfatiza “que motivar significa apresentar razões por que se chegou a determinada conclusão. Não basta, evidentemente, a repetição de fórmulas vagas e imprecisas, vazias de qualquer conteúdo, como presentes os requisistos legais, verificada a ausência de perigo ou de prova inequívoca de verossimilhança. Essas afirmações expressam a conclusão do juiz, não os fundamentos pelos quais ele assim entende. Tem a parte o direito de saber por que os requisitos legais estão presentes ou ausentes.”. Cf. Tutela cautelar e tutela antecipada: tutelas sumárias e de urgência (tentativa de sistematização) cit., p. 332.

existentes para a concessão do provimento antecipatório não seriam, em substancia, alterados pela mudança estrutural necessária à contemplação da tutela sumária estável em nosso ordenamento processual, constata-se que algumas opções procedimentais se revelariam mais adequadas à realidade substancial do processo e contribuiriam para o funcionamento harmônico do sistema. Em linhas gerais, são três ordens de questões objetivas, a saber: (i) a admissão inequívoca da tutela antecipada em procedimento preparatório, nos moldes previstos às medidas cautelares pelo artigo 796 do Código de Processo Civil; (ii) a exclusão do fator reversibilidade dos efeitos da decisão sumária como requisito essencial à concessão da medida (art. 273, § 2º); (iii) implementação da técnica de estabilização em caráter geral e no tecido do procedimento comum. São questões marginais ao tema investigado, que certamente otimizariam os benefícios esperados da técnica processual de julgamento com base em juízo de verossimilhança.

A primeira das questões apresentadas já há muito vem sendo defendida por parte da doutrina e, de alguma maneira, admitida em nossos Tribunais por analogia legislativa de princípios gerais inicialmente destinados apenas às medidas cautelares conservativas dispostas no Livro III do Código de Processo Civil. A urgência, que muitas vezes acompanha e legitima o deferimento da medida antecipatória pleiteada pelo demandante, pode se revelar de tamanha intensidade que simplesmente inviabiliza o adequado preparo da petição inicial ou organização de todos os elementos necessários à propositura da demanda cognitiva completa.

Assim, na medida em que o artigo 273 do Código de Processo Civil limitou a introduzir, em caráter geral, a tutela antecipada em nosso sistema processual, sem a preocupação – e muito menos condição material – de dar tratamento integral ao instituto,384

e diante da convergência de propósitos em relação à tutela cautelar conservativa, vem sendo defendido o cabimento da instauração de procedimento prévio visando à antecipação de tutela que será posteriormente pleiteada em processo principal, por aplicação da regra contida no artigo 796 de nosso diploma processual.385

384 Cf. Cândido Rangel Dinamarco, Nova era do processo civil cit., p. 81. 385

“Nesses casos, não vejo como impedir a antecipação em processo prévio, tal como ocorre com as cautelares conservativas (CPC, art. 796).” Cf.: José Roberto dos Santos Bedaque, Tutela cautelar e tutela antecipada: tutelas sumárias e de urgência (tentativa de sistematização) cit., p. 336.

Uma vez que a implementação da técnica do provimento sumário autônomo tem por escopo maior a economia de juízo especificamente para aqueles casos em que a decisão liminar tem importância destacada no contexto litigioso das partes, nada mais razoável que o acesso dos jurisdicionados ao pleito da tutela de urgência seja de toda maneira facilitado pelo direito processual. Dessa forma, para que dúvidas ou debates acadêmicos não obstruam a utilização da medida em caráter preparatório, nada mais razoável que esse mecanismo seja disposto de forma expressa pelo legislador.

Não se pode cogitar, ademais, que a ainda maior fragilidade do juízo cognitivo possa prejudicar a qualidade da decisão potencialmente definidora da crise de direito material existente entre as partes. A concessão da medida antecipatória e sua condição de palavra definitiva do judiciário sobre o tema estão assentados em dois vetores de segurança indissociáveis da técnica da tutela antecipada estável, quais sejam, a verossimilhança das alegações do autor e a inércia processual inequívoca da parte interessada na instauração do juízo cognitivo completo. Assim, diante de uma petição inicial em procedimento preparatório que não reúna condições mínimas de verossimilhança das alegações do demandante, deve o juiz desacolher a medida sumária pretendida; uma vez concedida a medida liminar, ela somente será lei entre as partes se assim o demandado permitir, deixando de observar o ônus processual a ele atribuído. Em relação aos interesses do autor, o provimento sumário autônomo proferido em procedimento prévio somente poderá atingir seus objetivos auspiciados de deflação do contencioso judicial e de rápida solução do litígio se o resultado concreto tenha identidade com aquilo que alcançaria após instauração e trâmite ordinário do processo de cognição plena. Do contrário, é de se esperar naturalmente a propositura da demanda principal.

Também o segundo dos temas apresentados neste item para análise, a exclusão do fator reversibilidade dos efeitos da decisão sumária como requisito essencial à concessão da medida (art. 273, § 2º), vem, de alguma maneira, já sendo objeto de questionamentos386

e propostas de relativização de sua força aplicativa.387

386 Nesse sentido, Ada Pellegrini Grinover destaca que “o limite imposto pelo § 2º do art. 273 do Código de

Processo Civil à concessão da tutela antecipada tem recebido interpretações nem sempre uniformes da doutrina, que ora vê nesse dispositivo um óbice instransponível para o deferimento da providência, ora atenua o rigor legal, para admiti-la mesmo diante do risco de eventual irreversibilidade. Além disso, controverte-se acerca deste último conceito.” Cf. O processo – Estudos e pareceres cit., p. 60.

387 Cf. Idem, p. 61. Luiz Guilherme Marinoni distingue os conceitos de “irreversibilidade do provimento” e

Diante do fato de que a tutela sumária caminha ao longo do trâmite procedimental gerando os efeitos práticos da tutela jurisdicional pretendida pelo demandante, mas sempre desprovida de qualquer eficácia jurídica sobre a relação de direito material debatida entre as partes, mostra-se razoável a preocupação do legislador em evitar situações irreversíveis causadas por decisões estritamente processuais e, no rigor da lei, ainda descoladas do direito material a ser declarado pelo juiz ao final do litígio. Mas agora, a partir do momento em que se permite que a decisão sumária carregue consigo também a eficácia jurídica pretendida pelo autor da demanda – podendo ser, inclusive, a última palavra do judiciário sobre o tema, a depender da postura do réu –, nada mais razoável do que desatrelá-la de requisito incompatível com a atuação imperativa e definitiva do poder jurisdicional do Estado.

Por fim, cumpre relevar que o maior dos méritos atingidos pelo legislador processual que introduziu a norma contida no artigo 273 do Código de Processo Civil foi, certamente, a disponibilização, em caráter genérico, de técnica indispensável aos objetivos maiores de efetividade e utilidade da prestação jurisdicional do Estado. A tutela antecipada, que no direito brasileiro era até então admitida em procedimentos esparsos relacionados a específicas relações de direito material, passou a atuar universalmente no tecido do procedimento comum do processo de conhecimento, contemplado um sem- número de crises de direito material existentes no ambiente de convivência dos cidadãos em sociedade.

Dessa forma, ao se cogitar a evolução do instituto da tutela antecipada, nada mais razoável do que se confiar que seu aprimoramento deva ocorrer também de forma pulverizada no universo do procedimento da fase de conhecimento do processo ordinário disposto em nosso ordenamento jurídico.

produza efeitos fáticos irreversíveis seja, do ponto de vista estrutural, provisória, vale dizer, incapaz de dar solução definitiva ao mérito.” Cf.: A Antecipação da tutela cit., p. 166. José Roberto dos Santos Bedaque entende que a relativização da exigência é solução que “leva em conta exatamente aquelas situações em que a antecipação mostra-se imprescindível, apesar de faticamente irreversível.” Cf. Tutela cautelar e tutela antecipada: tutelas sumárias e de urgência (tentativa de sistematização) cit., p. 275, nota 450.

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