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CAPÍTULO 2 FUNÇÃO E ESTRUTURA DA TUTELA SUMÁRIA

2.8 Provisoriedade da tutela sumária

De forma contígua ao elemento instrumentalidade, é a tutela sumária dependente caracterizada por seu componente provisoriedade,285 que define a limitação temporal da

eficácia e dos efeitos de seu provimento, bem como sua incapacidade de solucionar definitivamente a relação controvertida,286 em estrita relação de dependência e submissão a

futuro juízo de mérito proferido em sede de procedimento em cognição plena e exauriente.287

Assim, a provisoriedade que orienta o provimento sumário tem destacado papel na correta identificação dessa técnica processual, refletindo a presença de fator de sucessão

285 Remo Caponi entende existir, também, uma relação de dependência entre a instrumentalidade e a

provisoriedade da tutela sumária cautelar: “i provvedimenti cautelari, in quanto al servizio del provvedimento definitivo, non possono non essere provvisori. La strumentalità costituisce quindi la ragione d’essere della provvisorietà dei provvedimenti cautelari, tanto che si potrebbe parlare anche di una loro provvisorietà strumentale.” Cf. La tutela sommaria nel processo societario in prospettiva europea cit., p. 1371.

286 Cf. Andrea Proto Pisani, Le tutele giurisdizionali dei diritti – Studi cit., p. 466. 287

“La provvisorietà, poi, in un’ottica più técnico-giuridica, sta ad indicare una particolare situazione in cui versano un atto, o i suoi effetti, in rapporto ad un altro atto che avrà natura definitiva.” Cf. Stefano Recchioni, op. cit., p. 33

entre dois provimentos relacionados a uma crise de direito material. O primeiro, necessariamente em caráter precedente, decorre de atividade cognitiva incipiente, voltado aos fins de efetividade ou utilidade da atividade jurisdicional pretendida no processo; já o segundo, amparado em cognição completa, tem aptidão de declarar o direito do caso concreto e ditar definitivamente a disciplina do bem da vida controvertido.

A relação de sucessão, em caráter subordinatório, que configura o elemento

provisoriedade da tutela sumária não se encerra apenas na limitação temporal decorrente

de sua natureza instrumental.288 Mais do que isso, representa a incapacidade do provimento

sumário de declarar a vontade concreta da lei e produzir a eficácia jurídica característica da tutela jurisdicional definitiva. Mesmo naquelas hipóteses em que a instrumentalidade da tutela sumária é apenas estrutural (ou seja, por previsão legal impositiva) e cujos efeitos práticos têm identidade plena com as consequências fáticas da outorga da tutela jurisdicional definitiva pretendida pelo demandante, não se pode admitir presentes a eficácia e os efeitos jurídicos da tutela de cognição completa. A provisoriedade da tutela sumária compreende, assim, implacável substituição289 pela decisão definitiva,290 cuja

função, importa ressaltar, é tornar definitivo especificamente o direito antecipado, jamais o próprio provimento sumário.291

A relação entre os dois provimentos é de sentido único, não se vislumbrando que a instrumentalidade esteja também presente em benefício, e para fins de confirmação, do provimento provisório.292

Essa incapacidade de declarar o direito em conformidade com o contexto fático do caso concreto, a exemplo do fator instrumentalidade, é orientada por dois vetores circunstanciais distintos. De um lado, quando o provimento sumário tem por escopo assegurar a capacidade do processo de realizar seus objetivos institucionais de forma

288

Já Piero Calamandrei advertida a distinção conceitual entre os elementos provisoriedade e temporariedade quando analisados no contexto da tutela cautelar. Cf. Introduzione allo studio sistematico dei provvedimenti cautelari cit., p. 10.

289 Assim, Remo Caponi delimita o significado da provisoriedade do provimento cautelar: “esso dura finchè

non sopravviene la sentenza definitiva nel processo a cognizione piena, dopodichè è sostituito dalla sentenza che accerta l’esistenza del diritto cautelato, o viene semplicemente meno, se viceversa il diritto è dichiarato inesistente.” Cf. La tutela sommaria nel processo societario in prospettiva europea cit., p. 1370.

290 Cf. José Roberto dos Santos Bedaque, Tutela cautelar e tutela antecipada: tutelas sumárias e de urgência

(tentativa de sistematização) cit., p. 154.

291

Destacam Enrico A. Dini e Giovanni Mammone, que “se il diritto è stato anticipato a mezzo del provvedimento cautelare, tale situazione provvisoria potrà essere resa definitiva dal provvedimento principale, ma non sarà reso definitivo il provvedimento cautelare, che è provvisorio. Definitivo è il provvedimento di merito, non il provvedimento cautelare.” Cf. Op. cit., p. 52.

292 “Infatti, è il provvedimento sommario ad essere strumentale a quello definitivo e non viceversa.” Cf

efetiva, traduzindo-se em tutela de segurança voltada unicamente à conservação de fatos ou de situações jurídicas fundamentais à realização da vontade concreta da lei,293 nota-se

que a provisoriedade é condição natural dessa técnica processual, ligada, pois, à essência do instituto. Nesse caso, a atividade judicial é voltada à análise e constatação da presença dos pressupostos relacionados à tutela conservativa (perigo da demora da tramitação do procedimento ordinário e probabilidade do direito exposto pelo demandante), deixando à tutela definitiva a tarefa de subsumir os fatos apurados em instrução processual detalhada ao direito abstrato previsto em lei para a tutela final de mérito com função declaratória do direito (tutelas declaratória, constitutiva ou condenatória).294 Assim, a provisoriedade

decorre do próprio exaurimento de sua função de segurança da atividade jurisdicional do Estado.

Como visto, e por outro lado, há situações em que a tutela sumária tem conotação satisfativa, a compreender a exata antecipação dos efeitos práticos da tutela jurisdicional final pretendida pelo demandante, com a finalidade de preservar a utilidade do processo de cognição plena e exauriente. Nesses casos, a limitação temporal imposta ao provimento judicial sumário decorre de sua incapacidade, ope legis, de acertar o direito que deve reger a relação intersubjetiva dos sujeitos parciais do processo. O legislador, no exercício de suas funções institucionais, retira da tutela concedida a partir de juízos de probabilidade e verossimilhança a capacidade produtiva de eficácia e efeitos295

jurídicos necessários à tutela definitiva de interesses juridicamente protegidos, ainda que os efeitos práticos da tutela jurisdicional pretendida sejam desde logo desfrutados pelo demandante beneficiário da tutela sumária,296 Uma vez mais, portanto, a subordinação da satisfação de um direito a

293 Para Carlos Alberto Alvaro de Oliveira, na tutela conservativa (cautelar), uma vez que o obejto da

cognição não é o mesmo do processo cautelar, “a eficácia e o efeito exsurgem, por consequência, não da lei substancial, mas da própria lei processual” Cf. Perfil dogmático da tutela de urgência cit., p. 15. Ademais, para o professor gaúcho, a eficácia e o efeito da tutela antecipatória, por sua vez, decorrem da lei substancial.

294 O art. 810 do CPC brasileiro traz regra de exceção a essa proposição, possibilitando que o litígio seja

definitivamente resolvido já em sede cautelar, a partir do acolhimento de alegação de prescrição ou decadência do direito afirmado pelo demandante. Nesse caso, o provimento proferido em cognição sumária tem sua estrutura modificada de forma intercorrente no processo, desprendendo-se dos elementos instrumentalidade e provisoriedade inerentes à tutela cautelar, definindo autonomamente o litígio entre as partes.

295

Carlos Alberto Alvaro de Oliveira define, com precisão, os conceitos de eficácia e efeitos do provimento judicial: “A eficácia diz respeito ao conteúdo do ato jurídico, aos elementos que o compõem, os efeitos à produção de alterações no mundo sensível, como consequência da eficácia.” Cf. Perfil dogmático da tutela de urgência cit., p. 10.

296

“Si può affermare che la tutela d’urgenza può assicurare, anche com la tecnica dell’anticipazione, soltanto gli effetti principali della sentenza e non anche quelli secondari.” Cf. Ferruccio Tommaseo, Riflessioni sulla tutela cautelare d’urgenza cit., p. 1495.

uma tutela de cognição sumária ou de cognição plena e exauriente está alojada nos campos da conveniência e da oportunidade ligados à política legislativa.

Ademais, a provisoriedade, quando presente na configuração da tutela sumária, impõe ao provimento dela decorrente duas condições elementares ao seu harmônico enquadramento no sistema processual no qual está inserida, sob risco de desvirtuamento de suas funções regimentais. De um lado, controla a delimitação temporal dos efeitos do provimento sumário, o qual deve ser extinto caso desprovido de posterior procedimento cognitivo ordinário – não instauração ou extinção anômala do juízo de mérito –, ou deve ser absorvido pela tutela ordinária definitiva provedora da eficácia jurídica almejada por uma das partes.297 Adicionalmente, se extrai da própria lógica do conteúdo provisório da

medida que os efeitos do provimento sumário jamais poderão implicar prejuízos ao processo principal – que visa dotar de efetividade – ou ao provimento final definidor da crise de direito material – ao qual pretende conferir utilidade.298

Corolário desse dever de convívio harmônico no sistema processual no qual está inserido é, de forma notória, a taxativa proibição legal de o provimento sumário arrastar efeitos fáticos ou jurídicos irreversíveis, o que sacaria do processo cognitivo ordinário a capacidade de atuar, no futuro e após a exaustão de seus atos procedimentais, a vontade concreta da lei. No processo civil brasileiro, essa regra vem expressa no § 2º do art. 273 de seu diploma processual, de aplicação específica àquelas tutelas sumárias de conteúdo antecipatório.299 Esse dever de harmonia e sua consequente proteção ao provimento

definitivo produzido em cognição completa sustenta, ademais, a previsão de revogabilidade da tutela sumária caso se revele, no trâmite do processo, descabida e desprendida de seus fundamentos essenciais. Tanto o provimento sumário antecipatório

297

Nunca se olvidando do efeito declaratório negativo da sentença de improcedência da demanda.

298 Cf. Stefano Recchioni, op. cit., p. 48.

299 Essa regra, vale destacar, pode ser relativizada em razão das peculiaridades do direito controvertido, no

qual se perceba a colisão de direitos fundamentais dos litigantes. Nessas hipóteses, deve o juiz se valer de prudente sopesamento dos valares em conflito, ponderando e decidindo, a partir do princípio da proporcionalidade, em juízo do direito mais forte e juízo do mal maior. Esse o entendimento de Carlos Alberto Alvaro de Oliveira, que afirma que “essa realidade determina a validade relativa da regra mencionada, pois sempre que se verificar o conflito o juiz haverá de se inclinar pelo provável titular do direito em discussão, sob pena de dificultar o acesso à jurisdição, com violação da garantia contida no inc. XXXV do art. 5º da Constituição da República.” Cf. Perfil dogmático da tutela de urgência cit., p. 37. Por sua vez, Andrea Proto Pisani entende que “il giudice deve valutare comparativamente il danno che subirebbe l’istante dalla mancata concessione del provvedimento cautelare ed il danno che subirebbe la controparte dalla sua concessione: e conseguentemente concedere il provvedimento solo quando il pregiudizio dell’istante sia qualitativamente o quantitativamente maggiore del danno subito dalla controparte.” Cf. Le tutele giurisdizionali dei diritti – Studi cit., p. 483.

dos efeitos da tutela jurisdicional quanto aquele que, sob o designo de tutela cautelar, visa a conservar situações imprescindíveis aos objetivos finais do processo de conhecimento ou executivo, ao se revelarem prejudiciais e antagônicos à decisão final que acertará o direito do caso concreto, devem ser, já que provisórios, imediatamente revogados pelo juiz.300 Essa

regra, em nosso sistema processual, está positivada no parágrafo 4º do art. 273 (tutela antecipada) e também no caput do art. 807 (tutela cautelar), ambos do Código de Processo Civil.301

A provisoriedade do provimento sumário, enquanto fator de obstrução de sua aptidão ao reconhecimento e realização definitiva da vontade concreta da lei (eficácia jurídica), merece ainda consideração pontual necessária a sua exata identificação no contexto da prestação jurisdicional pelo processo. Como já enfatizado por abalizada doutrina, a provisoriedade é inerente ao próprio provimento, e não aos efeitos fáticos e jurídicos dele decorrentes.302 Veja-se, por exemplo, a tutela sumária manifestada em caráter

conservativo sob a forma do arresto cautelar de bens de devedor303 (CPC, art. 813). Seu

efeito prático é a preservação de bens expropriáveis no patrimônio do executado; seu efeito jurídico é a incidência de constrição judicial sobre determinado bem ou conjunto de bens do devedor. Um e outro continuam presentes, em caráter de continuidade, no esgotamento do provimento sumário decorrente da eficácia da decisão proferida em juízo cognitivo completo: a conversão do arresto cautelar em penhora (CPC, art. 818), mantém tanto o efeito preservador da solvabilidade do demandado quanto o efeito constritivo judicial sobre o bem que será objeto de expropriação. O mesmo fenômeno ocorre, agora de forma inexorável, quando se lança mão da técnica da cognição sumária com função antecipatória

300 “Il rapporto di strumentalità si coglie nel fatto che il provvedimenti cautelari possono essere revocati e

modificati da parte del giudice istruttore della causa di merito, se si verificano mutamenti nelle circunstanze.”; Cf. Remo Caponi, La tutela sommaria nel processo societario in prospettiva europea cit., p. 1371.

301 A revogabilidade do provimento sumário, quando justificada na proibição de prejuízos à decisão

degfinitiva de mérito, parece deixar em evidência a possibilidade de retratação do juiz, sem a ocorrência do fenômeno da preclusão ao sujeito imparcial do processo. Isso porque, caso o julgador se convença ao longo da tramitação procedimental ordinária que a decisão tomada em cognição sumária está, na verdade, indo de encontro aos seus escopos funcionais e ao futuro êxito da tutela definitiva, deve rever sua decisão e adequar a atuação jurisdicional aos fins da utilidade e efetividade que a informa.

302

Nesse sentido são as lições de Andrea Proto Pisani: “Le cose cambiamo notevolmente ove provvedimento cautelare si passi a considerare i suoi effetti. Mentre il provvedimento cautelare – come si è visto – è sempre provvisorio, gli effetti del provvedimenti non lo sono sempre.” Cf. Le tutele giurisdizionali dei diritti – Studi cit., p. 466.

303

Ou potencial devedor, já que a sentença condenatória, líquida ou ilíquida, pendente de recurso e por isso passível de revisão, pode amparar essa modalidade de tutela de urgência, conforme parágrafo único do art. 814 do CPC.

dos efeitos do provimento definitivo de mérito. Os efeitos pretendidos pelo demandante, que são antecipados com base em decisão provisória, se procedente a pretensão do demandante, são integralmente mantidos e referendados por decisão final dotada da eficácia jurídica decorrente da atuação jurisdicional do Estado-Juiz.

O conjuto de argumentos expostos no presente item evidencia, em conclusão, que no contexto da técnica da antecipação de tutela jurisdicional acolhida pelo ordenamento jurídico brasileiro, seja ela genérica ou específica, a provisoriedade compõe sua estrutura em decorrência da própria finalidade a ela atribuída pelo legislador, tendo, assim, conotação nitidamente teleológica. Dessa forma, ainda que seja precedida de cognição completa – como, por exemplo, a tutela antecipada concedida em sentença do processo de conhecimento –, jamais assumirá a condição de decisão definitiva da demanda, sendo naturalmente substituída no momento em que o provimento final de mérito desfrutar de condição imperativa – trânsito em julgado ou interposição de recurso desprovido de efeito suspensivo.

CAPÍTULO 3