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INCUBADORA 2.1: narrativa ramificada

No documento Teatro vs. game: o drama gamificado (páginas 68-73)

FASE 1: INTERATIVIDADE

1 Primeira etapa da pesquisa prática

1.4 INCUBADORA 2.1: narrativa ramificada

Ainda de forma tímida, nesta versão de “INCUBADORA”, já usávamos a série The Sims como inspiração. Entretanto, o jogo não nos

cativou completamente por considerarmos algumas características limitadoras (os Sims vivem em casas e não podem se comunicar em linguagem verbal, por exemplo).

Sem muitas nuances, os personagens eram compostos por características opostas. Passei, então, a chamá-los de “personagens binários”. Eles não cumpriam simplesmente suas responsabilidades, por causa das características opostas que os constituíam, enfrentavam crises individuais que ameaçavam a “Felicidade Geral” da “INCUBADORA”:

a) P1 (responsável pela saúde) – representava a soberania da ciência; sua atenção com a medicalização e higienização se contrapunha a seus sintomas de hipocondria;

b) P2 (responsável pela organização) – representava a soberania da razão; aspirava a uma sensibilidade poética que se mostrava inatingível em virtude de sua forma excessivamente cartesiana de pensar o mundo; c) P3 (responsável pela harmonia) – representava a soberania da ordem; tinha problemas em conciliar seu misticismo com as regras laicas de convivência.

Retomando os workshops, demos início a uma construção física mais minuciosa. A partir dos transtornos sobre os quais já tínhamos conversado, elaboramos um repertório corporal:

a) P1 (Síndrome do Pânico) – sinais de ansiedade com ataques repetidos de medo intenso; tremores, sufocamento, palpitações e sinais de histeria;

b) P2 (Transtorno Obsessivo-Compulsivo) – mania de organização; persistência e repetição de gestos, gerando angústia.

c) P3 (Transtorno Bipolar) – variação entre alegria e tristeza exageradas; agitação física e entorpecimento; sinais de irritação.

Trabalhando a intensidade desses sintomas, estudamos a gestualidade e a qualidade de presença dos personagens, que se tornavam despojados de indícios de semelhança com a realidade.

Por meio dos mesmos comandos da versão anterior, o objetivo dos espectadores era equilibrar as diferenças para manter o nível de “Felicidade Geral” na “INCUBADORA”. Já surgia, portanto, um objetivo mais definido para o público. Ademais, a situação na qual os três personagens estavam envolvidos remetia, mesmo que ainda de maneira sutil, a uma microsociedade.

Estipulamos, enfim, um arco dramático: os personagens começavam satisfeitos com as condições impostas pela “INCUBADORA”; conforme os conflitos iam aparecendo, a convivência tornava-se insuportável.

Diante de determinadas situações, o público poderia escolher um personagem para ser líder (situação comum em realities shows do tipo “Big Brother Brasil”, como tínhamos também discutido nos workshops). A escolha dessa liderança levaria a fábula para diferentes caminhos. Em todos os finais, entretanto, havia o assassinato de um personagem, o que denotava o fracasso deste modelo de sociedade.

Chegamos a uma estrutura como a que segue:

Diante dos conflitos, o público escolhia entre os personagens, o que definia um

Como desta vez tínhamos um texto mais bem estruturado, podíamos nos dedicar com mais atenção à teatralidade da experiência. Havia, por isso, uma escritura cênica mais rigorosa: marcação no espaço, registro de interpretação mais definido, iluminação cênica, sonoplastia estabelecendo ambiências etc.

Gráfico 1 – Estrutura narrativa em ramificações de “INCUBADORA 2.1”.

Apresentação   dos     personagens   Liderança  P1   Liderança  P2   Liderança  P3   Desfecho  P1   Desfecho  P1´   Desfecho  P1´´   Desfecho  P2   Desfecho  P2´   Desfecho  P2´´   Desfecho  P3   Desfecho  P3´   Desfecho  P3´´  

Em 2008, fizemos doze apresentações de “INCUBADORA 2.1” no Teatro Paulo Eiró (Santo Amaro, São Paulo). Pela primeira vez, percebemos os espectadores instigados pelos conflitos. Nos diferentes dias, podíamos experimentar estratégias sutis de persuasão do público, experimentando uma dualidade entre controlador/controlado: um texto falado com mais volúpia ou mais ímpeto fazia com que os espectadores se decidissem por uma trajetória ou outra; a repetição de uma ação, como, por exemplo, esfregar a mão sobre a barriga, fazia com que os espectadores acionassem a cena de alimentação; se os personagens ficassem mudos por muito tempo, a confraternização era rapidamente acionada etc.

A despeito dessas descobertas, notamos que, como não havia explicações prévias nem apresentação clara das regras durante a encenação, os espectadores tinham dificuldade para decidir quando acionar os comandos. Por outro lado, aqueles que entendiam (normalmente os mais jovens) não compartilhavam de um mesmo objetivo – nem todos queriam elevar o nível de felicidade da “INCUBADORA”; queriam sim brincar com a situação apresentada, desafiar as regras ou testar os limites físicos dos atores.

Do ponto de vista da encenação, a interface tacanha prejudicava o projeto como um todo, afinal, os painéis de madeira pareciam demasiadamente obsoletos para promover uma discussão sobre digitalização das mídias – precisávamos urgentemente elaborar uma interface coerente com nossa discussão.

Além disso, a estrutura de ramificações era pouco eficaz. Primeiro, porque era um hipertexto muito pobre, se comparado às experiências anteriores, por exemplo, “EVERGREEN - tarja preta”. Segundo, porque havia um volume de textos muito grande para os atores decorarem e ensaiarem, prejudicando a qualidade das cenas e da narrativa. Estávamos, portanto, diante de um impasse – nossa estrutura dramatúrgica não atendia aos nossos objetivos. Entendemos que, ao invés formular tudo na forma de um hipertexto, poderíamos ter poucos fragmentos recombináveis a partir dos comandos do público.

Depois de um longo tempo de levantamento de material criativo, que resultou nessa curta temporada, finalmente começávamos a sistematizar

alguns conceitos a fim de iluminar uma proposta mais rigorosa de pesquisa sobre interatividade no teatro. Cabe aqui enfatizar a ideia de “personagens binários” e ação cênica como algoritmo, ou “ação-algoritmo”

Computacionalmente falando, os algoritmos são uma sequência de cálculos cujas propriedades determinam funções que desencadeiam ações dentro de um sistema digital. Por isso, segundo Quéau (1993 apud DOMINGUES, 2002b), o algoritmo tem o valor de um verbo para a simulação, ou seja, é uma ação detonadora de outras ações dentro do modelo simulado. Com vínhamos fazendo, as ações cênicas eram organizadas como algoritmos. Dentro deste princípio, passamos as intervenções de “ações- algoritmos”.

Nas nossas discussões depois das apresentações, surgiu a ideia de usar o celular do público como interface, mas não sabíamos como implementar o aparelho na cena.

Como já tinha acontecido no “Cartel de São Paulo”, no momento de dar um passo decisivo, as dificuldades materiais levaram ao esgotamento das relações interpessoais. Interrompemos a pesquisa sob pretexto de amadurecer as novas ideias...

Recorri às artes interativas para pensar em como dar continuidade à proposta.

No documento Teatro vs. game: o drama gamificado (páginas 68-73)