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Temporada-teste: mapeamento de falhas

No documento Teatro vs. game: o drama gamificado (páginas 108-113)

FASE 1: INTERATIVIDADE

3 Teste de Jogo (playtest)

3.3 Temporada-teste: mapeamento de falhas

Fizemos doze apresentações no Teatro Coletivo (São Paulo), com uma média de quinze espectadores por sessão.

Já no saguão, era evidente como o público estava instigado em interagir com a cena usando o próprio aparelho celular. Enquanto pessoas abaixo de 30 anos pareciam entediadas pela redundância de explicações de como se inscrever no software, pessoas entre 30 e 60 anos ficavam desnorteadas, quase desistindo da inscrição. Constatadas essas diferenças geracionais, decidimos que as informações seriam sintetizadas em um cartaz próximo da bilheteria e dois funcionários do teatro ajudariam os espectadores com dificuldades em manipular o próprio aparelho.

Por um erro técnico, smartphones que usavam o sistema operacional OS X apresentaram uma instabilidade que fazia com que algumas versões de iPhones saíssem constantemente do jogo, à revelia da vontade do interator. Não conseguimos resolver este bug até o fim das apresentações.

Figura 17 – iPhone de espectador, tela de abertura.

Na Figura 17, pode-se ver o iPhone de um interator que, durante o espetáculo, retornou para a tela de abertura do software “INCUBADORA”. Tendo em vista que é sempre a interface que cria a jogabilidade, problemas como esse prejudicavam o prazer de interagir. Espectadores portando aparelhos deste tipo tinham que se reinscrever várias vezes, o que foi motivo de reclamações recorrentes.

Para além dessas pessoas prejudicadas, em todas as apresentações notamos que, logo no início, os espectadores conectados apertavam botões aleatoriamente para testar a interface. Jogadores, normalmente, esperam que games reajam imediatamente aos seus estímulos. Em razão de o “espetáculo-game” ser cooperativo, o software funcionava por votação. O tempo de espera em que outras pessoas faziam suas escolhas gerava ansiedade, afinal, todos queriam assistir, o quanto antes, ao resultado de suas intervenções. Para não perder a credibilidade do jogo, a voz em off salientava a importância da cooperação entre os espectadores, mas isso não era suficiente. Ao ver, finalmente, seu apelido contabilizado pelo sistema, os interatores mostravam sinais de satisfação.

Ainda assim, a ansiedade, de fato, só diminuía quando os espectadores se certificavam de que o apertar de um botão, mais do que os nomes projetados, implicava também uma mudança da encenação. Efetuava-se o pacto de jogo, surgindo o prazer de agir sobre o evento.

Depois desse entrosamento com a interface e com o jogo, o público voltava sua atenção para a cena; uma parte dos espectadores tentava controlar a narrativa observando o “Placar de Felicidade”; outra parte, porém, dedicava-se a competir para ver quem conseguia interagir mais vezes e mais rapidamente, sem se preocupar com o impacto que a escolha teria no espetáculo. A proporção entre esses “interatores engajados” e “interatores competidores” variou de acordo com a apresentação. A questão seria então como assimilar esse comportamento “competidor” sem restringir a ação do interator.

Outro perfil interessante de interatores era formado por aqueles que procuravam “brechas” para subverter o objetivo do jogo. Eles queriam potencializar conflitos, ao invés de tentar amenizá-los. Criando distúrbios, eles pretendiam levar aquela microssociedade ao colapso o quanto antes; mais do que isso, queriam levar os atores ao esgotamento físico. De certa maneira, eles testavam o limite do universo simbólico instaurado. Entendo que eles queriam, na verdade, levar a própria representação à falência. Esses espectadores não estavam mais se relacionando com personagens, e sim com corpos humanos sobre os quais eles exerciam algum controle.

Ao invés de encarar isso como atitude baderneira de uma parte do público, entendemos que contrariar os objetivos do jogo seguindo suas regras era uma vontade genuína de testar comportamentos, portanto, uma maneira legítima de jogar. Como oferecíamos poucos recursos para esses “interatores provocadores”, eles logo percebiam as limitações do “espetáculo- game” e se entediavam.

Além desses perfis, verificamos que, no decorrer do “espetáculo- game”, o sistema de pontuação com valores opostos para uma mesma função gerava confusão generalizada: fazia pouco sentido apertar “alimentar” valendo quinze pontos em determinada situação e, pouco tempo depois, esta mesma função valer cinco pontos negativos. Por mais que houvesse uma justificativa dramática (“atividades benéficas tornam-se prejudiciais pelo excesso de repetição”, advertia a voz em off), a jogabilidade exigia simplicidade, e não explicações elaboradas.

Certa confusão ocorria também com as duas funções menos claras no imaginário do espectador – “envergonhar” e “arrepender”. O público tinha

dificuldade em aplicar esses verbos ao longo do “espetáculo-game”, tendo em vista que eles têm uma ação pouco definida. Além disso, “arrepender-se” é um verbo pronominal (no dicionário Aurélio não há outra acepção), o que era motivo de hesitação para o público: “quem vai se arrepender? Como eu posso fazer o outro se arrepender?”

Identificamos problemas também nos desfechos apresentados: o espectador não sabia como ganhar o jogo. A estratégia de reduzir a pontuação por meio do assassinato de P2 era uma manipulação que prejudicava o princípio básico de jogabilidade. Quando notavam a existência desse roteiro preconcebido, todos os espectadores se mostravam decepcionados, mesmo aqueles que não jogavam. Essa decepção estava atrelada à decisão inaugural de se manter um arco dramático, afinal, essa predefinição reduzia o controle que o espectador podia exercer. De certa maneira, o roteiro-base era um embuste da jogabilidade.

No que diz respeito ao cenário, a materialização da quarta parede só fazia sentido quando, servindo de resistência para a relação direta entre público e cena, era atravessada pela vibração energética dos atores. Esse atravessamento acontecia nos momentos em que os atores se dirigiam diretamente aos espectadores, rompendo com a convenção dramática, ou quando comentavam as escolhas de jogo feitas pelos interatores. Essas relações, às vezes fortuitas, às vezes ostensivas, estabeleciam um jogo real com a plateia, ora de cumplicidade, ora de confronto, que transpunha o interfaceamento instituído.

Nesse sentido, a cenografia, embora bem resolvida, impunha algumas dificuldades no tocante à escolha do material.

Figura 18 – P1 dirigindo-se diretamente ao público.

Na Figura 18, P1 reclama dos outros personagens diretamente para os espectadores e pede que eles mudem o rumo dos acontecimentos. Como se pode perceber, o plástico translúcido prejudicava a nitidez da cena.

No documento Teatro vs. game: o drama gamificado (páginas 108-113)