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A importância terapêutica do TZ no CM HER2-positivo é indiscutivelmente traduzida pelo facto do fármaco ser atualmente utilizado ao longo de todos os estadios da doença. Neste âmbito, a presente seção aborda detalhadamente as indicações terapêuticas do fármaco no CM HER2-positivo precoce e avançado bem como as questões terapêuticas relacionadas, considerando em paralelo aquilo que está atualmente aprovado pelas duas principais entidades reguladoras do medicamento ao nível mundial, a Agência Europeia do Medicamento e a U.S. Food and Drug Administration.

1.5.3.1 - Cancro da Mama (CM) Precoce

O CM em estadios precoces é definido como um carcinoma da mama primário invasivo, não metastizado. O tratamento do CM precoce é dividido em duas modalidades: o tratamento neo-adjuvante/primário e o tratamento adjuvante. Como anteriormente referido, enquanto que o objetivo do tratamento neo-adjuvante assenta na redução do tamanho de um tumor de grandes dimensões, de modo a torná-lo operável ou a diminuir a extensão da cirurgia, o objetivo do tratamento adjuvante é, por sua vez, curativo. Porém, todos os regimes terapêuticos usados como opção adjuvante, incluindo aqueles com TZ podem também ser utilizados como uma abordagem pré-operatória. Deste modo, não existem diferenças significativas a referir entre estas duas modalidades de tratamento. No entanto, se o TZ for utilizado em combinação com quimioterapia num âmbito neo-adjuvante, é recomendável manter o esquema de tratamento planeado sem paragens desnecessárias, isto é, sem os dividir num período pré-operatório e pós-operatório, independentemente da magnitude da resposta. É ainda de referir, que uma opção terapêutica adjuvante deve ser iniciada entre duas a seis semanas após a cirurgia, uma vez que tem sido verificado um decréscimo clinicamente relevante da eficácia terapêutica em casos onde a administração é feita após mais de 12 semanas da cirurgia [18].

Numerosos estudos clínicos multicêntricos de grandes dimensões têm avaliado a eficácia do TZ como terapêutica concomitante ou sequencial face à quimioterapia em doentes com CM HER2-positivo precoce, tanto numa abordagem neo-adjuvante como adjuvante. Contudo, dado que estes estudos têm sido extensivamente revistos [10,12,13,46–49] e que as guidelines internacionais para o tratamento do CM precoce foram inclusivamente publicadas recentemente [18,50], não é objetivo deste trabalho abordar os resultados de cada estudo em particular, mas sim os dados conclusivos com relevância para a prática clínica.

Em consonância com estes factos, uma das questões a salientar quando falamos nas indicações terapêuticas do TZ no CM é a diferença que existe entre o perfil de utilização do fármaco e algumas considerações farmacoterapêuticas aprovadas na União Europeia (UE) e nos Estados Unidos da América (EUA). No que toca a esta matéria, a Tabela 1.8 apresenta detalhadamente as indicações terapêuticas do TZ para CM HER2-positivo na UE e nos EUA.

Tabela 1.8 - Indicações Terapêuticas do Trastuzumab (TZ) para o Cancro da Mama (CM) HER2-positivo aprovadas na União Europeia (UE) e nos Estados Unidos da América (EUA)

[15,18,32,51,52]

UE EUA

Cancro da Mama Precoce • Após cirurgia, quimioterapia (neo-

adjuvante ou adjuvante) ou radioterapia (se aplicável);

• Em associação com paclitaxel ou docetaxel, na sequência de quimioterapia adjuvante com doxorrubicina e ciclofosfamida;

• Em associação com quimioterapia adjuvante (constituída por docetaxel e carboplatina);

• Em casos de CM localmente avançado (incluindo inflamatório) ou tumores de diâmetro superior a 2 cm, em associação com quimioterapia neo-adjuvante, seguida de terapêutica adjuvante com TZ.

• Como tratamento adjuvante:

- Como parte de um regime que consiste em doxorrubicina, ciclofosfamida e paclitaxel ou docetaxel;

- Em associação com docetaxel e carboplatina;

- Em monoterapia após terapêutica baseada em antraciclinas.

Cancro da Mama Avançado • Como monoterapia, no tratamento de

doentes com neoplasia metastizada, previamente submetidos a pelo menos dois regimes quimioterápicos para o tratamento da neoplasia. A quimioterapia prévia deve incluir pelo menos uma antraciclina e um taxano;

• Em associação com paclitaxel ou docetaxel, no tratamento de doentes com neoplasia metastizada, não submetidos previamente a quimioterapia e para os quais as antraciclinas não sejam adequadas;

• Em associação com um inibidor da aromatase, no tratamento de doentes pós- menopausa com CM metastizado com expressão de recetores hormonais, não tratados previamente com TZ.

• Como opção de primeira linha para o tratamento do CM HER2-positivo metastizado:

- Em combinação com paclitaxel; - Em monoterapia para doentes que receberam pelo menos um regime de quimioterapia para a doença metastizada.

Contrariamente à UE, nos EUA o âmbito de utilização do TZ no tratamento do CM precoce não contempla uma abordagem neo-adjuvante e, por outro lado, considera legítima a combinação do fármaco com uma antraciclina (doxorrubicina).

A associação do TZ aos protocolos de quimioterapia no tratamento de doentes com CM HER2- positivo em estadios precoces, quer em regime neo-adjuvante quer em regime adjuvante, é sem dúvida vantajosa, uma vez que fornece melhores resultados terapêuticos quando comparado com o uso de quimioterapia em monoterapia. De facto, esta estratégia terapêutica providência taxas de resposta superiores e um risco de recidiva da doença e de morte inferior [18,48–50]. Em concordância, estudos farmacoeconómicos têm justificado o custo-efetividade do esquema terapêutico adjuvante nesta subpopulação de doentes envolvendo a associação de quimioterapia com TZ, face a um esquema terapêutico clássico de quimioterapia [11].

De um modo geral, o TZ pode ser utilizado de uma forma concomitante ou sequencial em relação aos fármacos quimioterápicos (isto é, integrado ou após terminar o regime de quimioterapia). A este nível, uma questão que tem sido alvo de debate, é se de facto existem diferenças relevantes entre as duas combinações terapêuticas e, se assim for, qual delas é a mais vantajosa. Considerando os dados atualmente disponíveis, existe uma forte tendência em favor da administração concomitante em termos de eficácia terapêutica, inclusive no CM precoce [13,18,47–50].

No entanto, as guidelines recentes da Sociedade Europeia de Oncologia Médica relativas ao diagnóstico, tratamento e seguimento do CM primário, subscritas pela EMA, alertam que o TZ pode ser rotineiramente coadministrado com quimioterapia não baseada em antraciclinas e ainda com hormonoterapia. O uso concomitante com antraciclinas não é recomendado, devido ao conhecido risco de cardiotoxicidade [18,32]. Como argumento desta recomendação, Feng Du e colaboradores (2014) levaram a cabo uma meta-análise de ensaios clínicos no sentido de investigar a segurança e a eficácia do uso concomitante de antraciclinas com o TZ, concluindo que existe um risco acrescido de toxicidade cardíaca tanto em tratamentos neo- adjuvantes como no tratamento de CM metastizado (mesmo em períodos de tratamento curtos) [49]. Por sua vez, no ensaio clínico BCIRG006 foram reportados menos acontecimentos cardíacos no grupo de doentes que recebeu a combinação de docetaxel com carboplatina e TZ, em comparação com o grupo de doentes onde foi usada uma associação com antraciclinas [15,50].

De facto, embora a combinação de TZ com antraciclinas seja aprovada pela FDA, a combinação com taxanos é mais segura e tem demonstrado ser mais efetiva do que o tratamento sequencial [18,32,51]. Para a maioria dos doentes, o uso de um regime terapêutico baseado em antraciclinas seguido por um regime terapêutico envolvendo a combinação de um taxano com o TZ é a escolha preferida [18]. Estes pressupostos são também transversais para o tratamento do CM avançado e, por isso, devem ser tidos em conta.

Contrariamente, as recomendações atualmente preconizadas no que respeita à duração do tratamento com TZ diferem entre os dois principais estadios do CM [17,18]. Os doentes com CM precoce devem ser tratados com TZ durante um ano, ou (na UE) até à regressão da doença (aquele que ocorrer primeiro); a extensão do tratamento para além de um ano não é recomendada [32,51]. Não foram demonstrados benefícios adicionais com a administração de TZ durante dois anos e o risco de efeitos adversos pode aumentar substancialmente, particularmente no que concerne à taxa de disfunção cardíaca [31]. Tendo em conta o referido, tem vindo a ser avaliada a possibilidade de reduzir a duração do tratamento com TZ em doentes com CM HER2-positivo em estadio precoce: resultados similares foram obtidos com apenas 9 semanas de tratamento, porém a não-inferioridade do tratamento com TZ quando administrado por 6 meses não foi demonstrada e, portanto, a duração standard do tratamento continua a ser de 12 meses [18,53].

Por fim, é importante referir que não existem dados robustos acerca da eficácia do tratamento adjuvante com TZ em casos de CM de pequenas dimensões (T < 0,5 cm) sem envolvimento nodular, nem em doentes com idade superior a 70 anos. Desta forma, não é possível estabelecer um benefício claro do uso de TZ nestes grupos [50,54]. Apesar dos estudos parecerem suportar a ideia de que a terapia adjuvante pode melhorar os resultados clínicos de tumores com menos de 1 cm, o uso de TZ neste quadro clínico não está ainda oficialmente aprovado. No entanto, devido ao elevado risco de insucesso terapêutico, as guidelines internacionais recomendam que o TZ deve mesmo ser considerado neste grupo de doentes, em particular naqueles com CM RE-negativo. Do mesmo modo, o TZ deve ser considerado para o tratamento adjuvante do CM HER2-positivo em mulheres idosas, particularmente quando o risco de recidiva é elevado, o risco de cardiotoxicidade associada ao TZ é baixo e o prognóstico sugira uma esperança média de vida prolongada [18,54].