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Como mencionado alhures, o tributo pode ter as funções arrecadatória e extrafiscal. A primeira quer dizer a pura e simples finalidade de angariar receita decorrente. A segunda é a finalidade de intervir nas condutas sob a instrumentalidade tributária.

A doutrina majoritária, aqui ilustrada por PAULO DE BARROS CARVALHO520, faz a distinção de que, quando a organização jurídica de um tributo tenha por pretensão exclusiva a arrecadação e o abastecimento dos cofres públicos sem a verificação de outros interesses, quer sejam sociais, políticos ou econômicos que venham interferir nas atividades econômicas, será expressão da fiscalidade. Entretanto, quando se empregar fórmulas jurídico-tributárias que se sobrepõem ao fito puramente arrecadatório, tem-se o que se chama de função extrafiscal.

519 DIAS, F.A.C. Desvinculações de receitas da União, ainda necessárias?. Núcleo de Estudos e Pesquisas do Senado Federal. Texto para Discussão nº 103. 2011. Disponível em http://www.senado.gov.br/senado/conleg/textos_discussao.htm acesso em 02 de junho de 2016

Entretanto, o referido autor destaca que alguns tributos conseguem destacar uma função fiscal e outros uma função extrafiscal, mas que, na verdade, não exista uma entidade tributária que expresse pura e simplesmente uma dessas finalidades, pois os dois objetivos se harmonizam.

Nesse sentido, destacam-se os trabalhos de SCHOUERI521, para quem, muito embora as espécies tributárias adotem critérios intrínsecos e extrínsecos de vinculação e destinação, quanto à indução, essas características não são suficientes; é necessário o uso da teoria das causas, a partir da qual se visualiza a tributação com a causa/justificação arrecadatória ou interventiva.

E é justamente por isso que se verifica a necessidade de coerência entre a norma tributária indutora e a atividade estatal que lhe serve de esteio, independente da espécie tributária utilizada. Assim, ao se analisar a presença dessa relação de causa no tributo, qualquer que seja sua espécie, é possível afirmar que se trata de uma norma tributária indutora, cuja feição interventiva, independente da relação de causa e justificação, não vão subverter a configuração e a natureza de sua RMIT522.

Diante disso, exsurge a ideia de Neutralidade Tributária, que, de antemão, importante destacar que ela é compreendida sob duas vertentes. A primeira, que entende que os efeitos extrafiscais são indissociáveis, em consonância com SCHOUERI. E a segunda, que entende o dever de tratamento tributário isonômico. O presente trabalho e a doravante discussão adotarão a primeira compreensão acerca do instituto da Neutralidade Tributária, sob o argumento de que o tratamento tributário isonômico fica a cargo do princípio da igualdade523.

Dessa forma, a primeira compreensão, na verdade, renega a existência da neutralidade tributária, para esse posicionamento, sempre existem os efeitos

521 SCHOUERI, Luís Eduardo. Normas Tributárias Indutoras e Intervenção Econômica. Rio de Janeiro: Forense, 2005. P. 237

522 SCHOUERI, Luís Eduardo. Normas Tributárias Indutoras e Intervenção Econômica. Rio de Janeiro: Forense, 2005. P. 369

523 Ainda acerca dessa discussão, BOMFIM vai se filiar ao entendimento de SCHOUERI, defendendo a influência constante e perene que a tributação faz sobre os comportamentos, mas vai fazer uso da nomenclatura de princípio da neutralidade para veicular a ideia de tributação equânime, não fomentadora de desequilíbrios concorrenciais, logo um desdobramento do princípio da livre concorrência. BOMFIM, Diego. Tributação e Livre Concorrência. São Paulo: Saraiva, 2011. P. 284

extrafiscais de toda e qualquer exação tributária, em diferentes níveis e magnitudes, ainda que eles não tenham sido pretendidos na instituição e na cobrança do tributo, independente de qual espécie seja.

A veiculação de vedação ao tratamento diferenciado advém do princípio da igualdade, cujo intuito é garantir uma tributação justa, o que depreende não um tratamento tributário retilineamente igual para todos os contribuintes, mas sim para aqueles que estejam em situações econômicas idênticas.524

Consoante a isso, relembra-se o que já fora exposto, a partir dos trabalhos de BOMFIM525 e TEATHER526. Para o primeiro autor, por vezes a atuação interventiva tributária do Estado, especialmente mediante a desoneração, pode gerar privilégios odiosos a criar uma situação de incidência e tratamento tributário diferente para contribuintes iguais, favorecendo uns e prejudicando outros, o que reflete também nos níveis de livre concorrência e competitividade. Já o segundo autor aponta a introdução de novas fatores de falhas sistêmicas a partir da intervenção estatal, como por exemplo, a criação de paraísos fiscais.

Em se tratando de discussão constitucional que envolve tributação e livre concorrência, não se pode deixar de enfrentar as disposições do art. 146-A da Constituição Federal527, do que se destaca o trabalho de BOMFIM, para quem, diante de condições desiguais entre competidores semelhantes, impõe-se uma equalização, sob o princípio da livre concorrência, garantidor da igualdade de condições entre agentes econômicos do mesmo setor. Essa imposição é um dever atribuído ao Estado, que pode utilizar da instrumentalidade tributária, inclusive sob os anseios extrafiscais528, considerando sua feição de agente garantidor da livre concorrência,

524 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Linguagem e Método. 4ª Ed. São Paulo: Noeses, 2011. P. 283 525 Ver Nota 304

526 Ver Notas 305-307

527 CF/88. Art. 146-A. Lei complementar poderá estabelecer critérios especiais de tributação, com o objetivo de prevenir desequilíbrios da concorrência, sem prejuízo da competência de a União, por lei, estabelecer normas de igual objetivo. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)

inclusive sem que seus próprios atos sejam causadores dos desequilíbrios concorrenciais529.

Diante disso, é que, segundo o autor, a Constituição Federal apresenta o art. 146-A, como uma regra que outorga competência e autorização para a instituição de critérios especiais de tributação, uma verdadeira união, diálogo e complementaridade entre Direito Tributário e Direito econômico530.

Assim, a preservação e o equilíbrio da concorrência mediante a tributação se caracteriza pela efetiva arrecadação, a qual, com eficiência, vai evitar distúrbios, desequilíbrios e falhas na competitividade, bem como vai evitar a obtenção de vantagens competitivas ilícitas pela sonegação531.

Aprofundando-se sobre o art. 146-A, BRAZUNA o interpreta como elemento normativo que apresenta uma regra autorizativa, ou seja, de competência para o legislador estabelecer critérios especiais de tributação sobre desequilíbrios concorrenciais, essa prescrição recai sobre o comportamento do legislador532. Ademais, esse mesmo dispositivo representa uma autorização constitucional para que o legislador intervenha sobre a ordem econômica mediante a instrumentalidade da tributação e seu viés indutor533.

Com vistas a combater desigualdades e imbuída pelo dever de tratamento equânime da tributação534, o autor defende que o art. 146-A permite o manuseio dos critérios de incidência tributária para fazê-los mais ou menos gravosos a gerar efeitos indutores que se prestem a prevenir o desequilíbrio concorrencial.

529 BOMFIM, Diego. Tributação e Livre Concorrência. São Paulo: Saraiva, 2011. P. 186 530 BOMFIM, Diego. Tributação e Livre Concorrência. São Paulo: Saraiva, 2011. P. 187 531 BOMFIM, Diego. Tributação e Livre Concorrência. São Paulo: Saraiva, 2011. P. 263

532 BRAZUNA, José Luis Ribeiro. Defesa da Concorrência e Tributação - à luz do artigo 146-A da Constituição. São Paulo: Quartier Latin, 2009. P. 128

533 BRAZUNA, José Luis Ribeiro. Defesa da Concorrência e Tributação - à luz do artigo 146-A da Constituição. São Paulo: Quartier Latin, 2009. P. 131

534 BRAZUNA, José Luis Ribeiro. Defesa da Concorrência e Tributação - à luz do artigo 146-A da Constituição. São Paulo: Quartier Latin, 2009. P.115-118

Por fim, ao analisar a natureza das diversas espécies tributárias, o autor conclui que a CIDE é um tributo inegavelmente vocacionado para veicular uma norma tributária indutora do art. 146-A535.

Assim sendo, a tributação será instrumento para induzir e influir as condutas dos agentes econômicos/contribuintes, seja sob as vestes da desoneração, seja mediante a oneração, a se elevar ou reduzir as alíquotas e determinadas cargas tributárias, o Fisco vai estimular ou desestimular um universo de possibilidades de atuação do contribuinte para atraí-lo o afastá-lo de uma determinada forma de agir, buscando, sempre a harmonia e equilíbrio do mercado536.

A respeito de todos esses elementos postos neste tópico, como bem ensina ELALI, as normas indutoras não trazem obrigações comportamentais aos agentes, ou seja, não são diretivas. Fazem uso de atrativos vantajosos para induzir a adoção dos comportamentos que a norma pretende, os quais, via de regra, são aqueles mais desejáveis pelo ordenamento.

Dentre os quais, o referido autor destaca, ainda, que o poder econômico, conforme já profundamente exposto anteriormente, corresponde a um exercício legítimo das liberdades econômicas, sobretudo compreendendo a função social. Nesse sentido, a indução recairia para reprimir o abuso e a ilegitimidade dos exercícios dessas liberdades, bem como para tornar as condições mais favoráveis para a realização e o engajamento nos comportamentos mais harmônicos e desejáveis pelo sistema e as relações socioeconômicas nele contidas537, do que se destaca o exercício da livre concorrência permeada pelas função e justiça sociais defendidas em capítulo anterior.

Diante disso, vê-se que a espécie tributária CIDE pressupõe intervenção estatal, que pode se dar sob a modalidade de indução ou a combinação das várias formas intervencionistas, bem como o efeito arrecadatório. E a atual proposta de

535 BRAZUNA, José Luis Ribeiro. Defesa da Concorrência e Tributação - à luz do artigo 146-A da Constituição. São Paulo: Quartier Latin, 2009. P. 185

536 BOMFIM, Diego. Tributação e Livre Concorrência. São Paulo: Saraiva, 2011 P. 89

537 ELALI, André de Souza Dantas. Tributação e Regulação Econômica: um exame da tributação como instrumento de regulação Econômica na busca da redução das desigualdades regionais. São Paulo: MP, 2007. P. 174

instituição da CIDE em decorrência da intervenção estatal que o Direito Antitruste faria sobre específico setor econômico se revela em total compatibilidade e respeito a toda essa discussão.

De todo modo, a CIDE proposta pode ser instituída de modo nacional, regional ou local. Na primeira hipótese, atingiria todos os agentes econômicos de um determinado segmento. Nas segunda e terceira, todos aqueles inseridos na circunscrição delimitada. Em todos os casos, estar-se-ia introduzindo norma indutora sobre determinados comportamentos a que se buscar intervir.

Aliás, diante da natureza setorial de incidência, seja pela delimitação material, seja pela delimitação territorial, a presente proposta não apresenta maiores problemas quanto aos tratamentos diferenciados, não haveria tributação diferenciada para contribuintes iguais, muito menos estaria o Estado promovendo novas falhas sistêmicas censuráveis e nem se estaria patrocinando novos fatores de desequilíbrios.

Na presente proposta, a existência e a cobrança de uma CIDE sob o argumento de intervenção econômica em determinados e específicos setores vai transmitir a ideia de que os segmentos com falhas sistêmicas e nos quais há a disseminação de práticas anticoncorrenciais sofrerão ou poderão vir a sofrer aumento da carga tributária.

Logo, na atual proposta de CIDE, haveria tanto a veiculação de uma ideia de influência direta sobre determinadas condutas que se quer evitar ou reduzir a prática, ou sob outro prisma, estimular as práticas interessantes, quanto também a arrecadação tributária.

Além disso, a proposta veicularia uma ideia de acabar com a necessidade de intervenção que justifica a exação de modo a promover a harmonização e o ajustamento das condutas o quanto antes, na tentativa de buscar pôr fim à necessidade interventiva e, consequentemente, à exação e à carga tributária.