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3 INCONSTITUCIONALIDADE DA VEDAÇÃO À PROGRESSÃO DE REGIME

3.2 Ineficácia da Lei dos Crimes Hediondos

Não é novidade que a Lei dos Crimes Hediondos surgiu para acalmar o clamor popular. Inspirada no Movimento da Lei e da Ordem, endureceu penas e suprimiu, sem autorização constitucional, a garantia da progressão de regimes, dentre outras medidas, simplesmente para fazer frente à sensação generalizada de insegurança, sob a justificativa – demasiado equivocada, diga-se de passagem – de que o recrudescimento do tratamento penal diminuiria a criminalidade.

Voltamos a repisar o caráter nitidamente simbólico desse diploma, pois, como lucidamente explica Franco:

[...] os conflitos sociais não são equacionados com a criação de figuras criminosas, e sim com políticas públicas de caráter social. Quando se propõe isso, é como se a exacerbação das penas pesadas fosse suficiente para resolver os problemas, que são sociais.113

De fato, concordar com a assertiva de que o problema da criminalidade repousa na qualidade das leis é atitude deveras ingênua, pois as leis, por si só, não são suficientes para a repressão à violência. Não se resolve a problemática da criminalidade com leis mais rígidas. Não é a criação de penas mais severas que vai impedir a prática criminal,114 ou, do contrário, durante a Idade Média – período no qual se aplicaram as penas mais cruéis de que tem conhecimento a humanidade –, o índice de delinqüência seria nulo.

Isso porque o que gera a vontade de se praticar o delito não é o fato de a lei ser mais ou menos severa, o que é mais do que natural, pois, sendo o crime um ato humano complexo, que está relacionado com os acontecimentos de ordem política, econômica e social – e até mesmo orgânicos –, a mudança na seara normativa dissociada dos demais aparelhos de contenção da criminalidade é

113 BARBOSA, Bia. Crimes Hediondos: texto perdeu sentido e deve ser reformado, dizem

especialistas. Carta Maior. Publicado em: 10 set. 2006. Disponível em: <http://www.direitos.org.br/index.php?option=com_content&task=view&id=1796&Itemid=2>. Acesso em 30 out. 2006.

114 Anote-se, a título de exemplo, que as estatísticas relativas aos países que até pouco tempo

adotavam a pena capital demonstram claramente que essa pena não exercia qualquer efeito dissuasivo.

absolutamente irrelevante.115

Acontece que, na sociedade, encontra-se bastante difundida a idéia de que somente com a aplicação de penas mais rígidas, que retribuam o mal causado mediante a imposição de um maior período de isolamento e a subtração de garantias fundamentais, é que se consegue reduzir a criminalidade.

Por sua vez, para o Governo Federal é bem mais fácil – e muito menos trabalhoso – seguir no caminho do Direito Penal simbólico, com leis absurdas, penas desproporcionais e presídios superlotados, do que adotar uma política criminal séria, que promova maiores investimentos no setor educacional e em programas sociais. Daí ter optado o legislador por criações legais como a Lei nº 8.072/90, que não resolvem o problema da criminalidade, porque não atacam suas causas.

Tendo isso em vista, é fácil perceber que a Lei dos Crimes Hediondos já nasceu fadada a fracassar em seu objetivo primordial de inibir o avanço da criminalidade, mediante a imposição de um tratamento penal mais enérgico que, dentre outras medidas, inviabiliza a progressão de regime de cumprimento da pena privativa de liberdade. E, de fato, outra não foi a sorte desse diploma legal. Consoante Alberto Silva Franco – maior representante do sentimento de ojeriza a essa lei: “[...] cedo comprovou-se a inutilidade da lei dos Crimes Hediondos e se efeito meramente simbólico tornou-se transparente. Amiudaram-se os fatos

etiquetados como hediondos e a aplicação da lei revelou-se frustrante.”116

Dezessete anos se passaram após a edição da Lei nº 8.072/90, e o que se observa é que não houve redução ou estabilização da prática dos crimes considerados hediondos. Pelo contrário, desde então a criminalidade só aumenta. É o que demonstram as estatísticas.

Em estudo elaborado a pedido do Ministério da Justiça e divulgado em agosto do ano pretérito, o Instituto Latino Americano das Nações Unidas para prevenção do Delito e tratamento do Delinqüente (ILANUD) avaliou os impactos gerados por esse diploma nos índices oficiais de criminalidade e no sistema prisional, bem como sua eficácia enquanto instrumento de política criminal. As

115 JÚNIOR, Walter Nunes da Silva. O Direito Penal e a Criminalidade. Disponível em:

<http://www.jfrn.gov.br/docs/doutrina102.doc>. Acesso em: 04 mar. 2007.

conclusões não podiam ser outras: a Lei dos Crimes Hediondos não teve impacto positivo nos índices de criminalidade, que aumentaram; colaborou para agravar o aumento da superpopulação carcerária – na medida em que estabeleceu regime fechado integral –, tornando o sistema penitenciário ainda mais degradante; e revelou, mais uma vez, que seu processo de elaboração não contou com um debate profundo e consistente sobre como combater a violência crescente em nosso país, apontando para a necessidade de que seja adotada uma postura mais conseqüente na formulação de políticas criminais.

A equipe de pesquisadores do ILANUD realizou, ainda, entrevistas qualitativas com os presos, para verificar se a aposta intimidativa da Lei nº 8.072/90 influencia no comportamento do criminoso, antes e depois de preso, e concluiu que os condenados, apesar de saberem que estão prestes a cometer um crime cuja pena será mais dura, não deixam de praticá-lo. Afinal, o autor não pega o Código

Penal para decidir se comete ou não o delito.117

Levando-se em consideração os resultados obtidos com essa pesquisa, o que se observa, mais uma vez, é a desproporcionalidade da vedação à progressão, pois se proibiu uma garantia fundamental sem que qualquer benefício

à defesa da ordem pública ou da segurança social fosse alcançado.118 Sua única

“contribuição” foi aumentar sobremaneira a população carcerária, e negar à pena a possibilidade de sua aplicação com uma finalidade social.

É de ver-se, assim, que o resultado obtido com essa norma não guarda proporcionalidade alguma com a restrição que impõe ao condenado, pois o fim que almejava atingir não foi alcançado. Trata-se, desse modo, de medida totalmente inócua e desnecessária num combate efetivo à criminalidade. Junte-se isso às inúmeras outras violações – já apontadas – a princípios de nossa Carta Política, e a

117 BARBOSA, Bia. Op. cit.

118 Consoante leciona Capez: “[...] a criação de tipos incriminadores deve ser uma atividade

compensadora para os membros da coletividade. Com efeito, um direito penal democrático não pode conceber uma incriminação que traga mais temor, mais ônus, mais limitação social do que benefício à coletividade.” E acrescenta: “Quando a criação do tipo não se revelar proveitosa para a sociedade, estará ferido o princípio da proporcionalidade, devendo a descrição legal ser expurgada do ordenamento jurídico por vício de inconstitucionalidade.” (CAPEZ, Fernando. Op. cit., 2007, p. 168).

conclusão não é outra senão a patente necessidade de se expurgar o art. 2º, §1º, da Lei dos Crimes Hediondos, do nosso ordenamento, por incompatibilidade vertical com o texto da Lei Fundamental.

3.3 Declaração de inconstitucionalidade do art. 2º, §1º, pelo Supremo Tribunal

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