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1 A PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE E SEUS PRINCIPAIS ASPECTOS

1.5 Regimes prisionais

Zaffaroni e Pierangelli, citando Neuman, ensinam que: “Chama-se regime penitenciário ao conjunto de normas que regulam a vida dos reclusos, em

estabelecimentos penais.”43

Proferida a sentença penal condenatória à pena privativa de liberdade, o trânsito em julgado dessa decisão – que deve conter o regime em que a pena deve ser executada – confere ao Estado o título executivo que lhe habilita a exigir seu cumprimento pelo condenado.

De acordo com o Código Penal, as penas privativas de liberdade podem ser de três espécies – reclusão, detenção e prisão simples – e seu cumprimento pode ser efetuado em três diferentes regimes: fechado, semi-aberto ou aberto (art. 33, caput, CP).

Passaremos a ver, agora, as principais características dos regimes adotados por nosso Código, cujas regras podem ser vislumbradas nos arts. 33 a 37 do Diploma Penal, e 110 a 119 da Lei de Execução Penal – criada para atender a todos os problemas relacionados à execução penal.

1.5.1 Tipos de regime

1.5.1.1 Regime fechado

Nesse regime, a pena deve ser cumprida em penitenciária, e o condenado

deve permanecer isolado em compartimento individual, durante o período noturno,44

42 apud MARQUES, José Frederico. Op. cit. p. 127.

e trabalhar em comum, durante o dia, de acordo com suas aptidões e as ocupações anteriores, desde que compatíveis com a privação da liberdade. O trabalho externo só é admitido excepcionalmente, em obras públicas.

Como bem observou Mirabete:

O regime fechado caracteriza-se por uma limitação das atividades em comum dos presos e por maior controle e vigilância sobre eles. Devem cumprir pena nesse regime os presos de periculosidade extrema, assim considerados na valoração de fatores objetivos: quantidade de crimes, penas elevadas no período inicial de cumprimento, presos reincidentes etc.45

Registre-se, por oportuno, que o condenado a esse tipo de regime deve ser submetido, no início do cumprimento da pena, a exame criminológico de classificação para individualização da execução, nos termos do art. 34 do Código Penal, a ser realizado por Comissão Técnica de Classificação (art. 6°, LEP), que levará em conta os antecedentes e a personalidade do apenado (art. 5°, LEP).

1.5.1.2 Regime semi-aberto

Trata-se, consoante Armida Bergamini Miotto, de um meio-termo entre a prisão fechada – servida de aparatos físicos ou materiais que garantem segurança

máxima, a fim de que se evitem fugas – e a prisão aberta.46

Sobre a origem desse regime, Manoel Pedro Pimentel assinala que:

[...] a evolução da pena mostrou ser necessária redução ao máximo possível do período de encarceramento na prisão de segurança máxima. Daí a origem da prisão semi-aberta como estabelecimento destinado a receber o preso em sua transição do regime fechado tradicional para o regime aberto ou de liberdade condicional.47

A idéia de prisão semi-aberta surgiu na Suíça, com a construção da prisão de Witzwill. Nela, a pena deve ser cumprida em colônia agrícola, industrial ou similar,

44 Sobre esse isolamento em cela individual no período noturno, Bitencourt comenta que, na prática:

“[...] não passa de ‘mera carta de intenções’ do legislador brasileiro, sempre tão romântico na fase de elaborações dos diplomas legais. Com a superpopulação carcerária constatada em todos os estabelecimentos penitenciários, jamais será possível o isolamento dos reclusos durante o repouso noturno.” (BITENCOURT, Cezar Roberto. Op. cit, p. 556).

45 MIRABETE, Julio Fabbrini. Op. cit., 2004, p. 268. 46

Ibid. p. 273.

ou ainda em compartimento coletivo que observe os requisitos de salubridade exigidos nos arts. 91 e 92 da Lei de Execução Penal.

O trabalho externo – inclusive na iniciativa privada – é admissível, bem como a freqüência a cursos supletivos profissionalizantes, de instrução de segundo grau ou superior (art. 35, §2°, CP).

1.5.1.3 Regime aberto

Identificados, paulatinamente, os defeitos e os resultados insatisfatórios da execução da pena em prisões fechadas, e sendo animadores os índices de ressocialização obtidos nas prisões semi-abertas, acelerou-se o processo de sua institucionalização, caminhando-se para um progressivo estágio, que é representado pela prisão aberta.

Baseia-se, esse regime, na autodisciplina e no senso de responsabilidade do condenado, uma vez que a pena é cumprida sem qualquer vigilância. Dessa forma, deve ser concedido apenas àqueles que apresentarem – pelos seus antecedentes ou pelo resultado dos exames a que foram submetidos – fundados indícios de que vão a ele ajustar-se (art. 114, inciso II, CP).

Durante o dia, o condenado deve trabalhar ou comprovar a possibilidade de fazê-lo, e, no período noturno, tem que se recolher à Casa de Albergado ou estabelecimento adequado, não sendo admitido o cumprimento desse regime em residência particular, salvo as exceções do art. 117 da Lei de Execução Penal, justificadas pelas condições pessoais do agente (condenado maior de 70 anos ou acometido de doença grave, e condenada gestante ou com filho menor ou deficiente físico ou mental).

Seu deferimento ao condenado que almeja progredir de regime pressupõe a aceitação do programa de execução e das condições (gerais e especiais) impostas pelo juiz.

1.5.2 Regime inicial

De acordo com o art. 59, inciso III, do Código Penal, a determinação do regime em que o condenado deve iniciar o cumprimento da pena deve ser feita pelo juiz que proferir a sentença condenatória, com observância das circunstâncias mencionadas no caput, a saber: culpabilidade, antecedentes, conduta social, personalidade do agente, motivos, circunstâncias e conseqüências do crime, e comportamento da vítima.

Devem ser igualmente observadas as regras contidas no art. 33 e seus parágrafos, do mesmo diploma legal, que estabelecem que o regime inicial é determinado pela espécie e quantidade de pena imposta e pela reincidência.

Consoante o caput desse último dispositivo, a pena de reclusão deve ser cumprida em regime fechado, semi-aberto ou aberto, e, a de detenção, em regime semi-aberto ou aberto, exceto quando se verificar a necessidade de transferência a regime fechado. Por sua vez, o §2° do mesmo artigo estabelece, que:

a) o condenado a pena superior a 8 (oito) anos deverá começar a cumpri-la em regime fechado;

b) o condenado não-reincidente, cuja pena seja superior a 4 (quatro) anos e não exceda a 8 (oito), poderá, desde o princípio, cumpri-la em regime semi- aberto;

c) o condenado não reincidente, cuja pena seja igual ou inferior a 4 (quatro) anos, poderá, desde o início, cumpri-la em regime aberto.48

São, portanto, essas as regras legais que devem servir de parâmetro para o magistrado, na determinação do regime inicial de cumprimento das penas privativas de liberdade. Caso a sentença não faça expressa menção ao regime inicial, deve ser aplicado o regime mais benéfico, desde que juridicamente cabível.

1.5.3 Progressão de regime

Vimos que o sistema penal brasileiro consagra o sistema progressivo para o cumprimento da pena privativa de liberdade, o qual surgiu da necessidade histórica

de um novo modelo que suplantasse o fracasso dos sistemas penitenciários que o antecederam.

Sendo uma das funções da pena a integração ou reinserção social (art. 1°, LEP), seu processo de execução deve ser dinâmic o, sujeitando-se a mutações, de acordo com o comportamento do apenado diante do tratamento penitenciário de que é paciente. Desse modo, satisfeitas determinadas exigências legais, deve-se possibilitar a transferência do condenado de um regime mais rigoroso para outro mais suave, com vistas à sua paulatina reintegração ao meio social. Não é outra a lição de Mirabete:

Não havendo condições de promover-se o fim da pena no ambiente agressivo do cárcere em regime fechado e sendo necessária a gradual integração social do condenado, possibilita-se que ele conquiste a progressão quando dê sinais de modificação de comportamento depois de ter recebido orientação adequada, instrução e ensinamento com vistas a sua profissionalização ou aperfeiçoamento. A progressão, porém, deve ser efetuada por etapas já que, nas penas de longa duração, a realidade ensina que se deve agir com prudência para não permitir que o condenado salte do regime fechado para o aberto.49[sic]

No Brasil, a progressividade dos regimes tem seu fundamento legal no art. 33, §2°, do Código Penal, e no art. 112 da Lei de E xecução Penal (LEP). O primeiro destes dispositivos assinala que: “As penas privativas de liberdade deverão ser executadas em forma progressiva, segundo o mérito do condenado [...].”

O art. 112 do diploma que trata da execução penal, por seu turno, dispõe: A pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva com a transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos 1/6 (um sexto) da pena no regime anterior e ostentar bom comportamento carcerário, comprovado pelo diretor do estabelecimento, respeitadas as normas que vedam a progressão50. (grifo nosso)

São, portanto, dois os requisitos exigidos legalmente para que se admita a progressão: um objetivo, que é o cumprimento de interstício temporal mínimo (pelo menos um sexto da pena no regime anterior), e outro subjetivo, que é a existência de

49 MIRABETE, Julio Fabbrini. Op. cit., 2004, p. 387.

50 A expressão ‘respeitadas as normas que vedam a progressão’, foi acrescentada pela Lei nº

10.792/2003, em razão da previsão - inconstitucional, como veremos mais adiante -, pelo art. 2°, §1°, da Lei dos Crimes Hediondos, de regime integralmente fechado, quando da condenação pela prática dos crimes assim rotulados.

mérito do condenado, evidenciado por seu bom comportamento carcerário51. Aponte-se, por oportuno, que, se o regime inicial de cumprimento for o fechado, a passagem pelo regime intermediário (semi-aberto) é obrigatória.

Com o advento da malfadada Lei nº 8.072/90, no entanto, o direito à progressão restou vedado por seu art. 2°, §1°, na m edida em que esse dispositivo estabeleceu – em total dissonância com o nosso sistema normativo penal e com os princípios constitucionais que regem a aplicação da resposta punitiva estatal – que os condenados por crime hediondo deverão cumprir a pena privativa de liberdade em regime integralmente fechado. Com a devida vênia aos que defendem essa medida, trata-se de norma flagrantemente inconstitucional, e dela trataremos nos capítulos seguintes.

51 Registre-se, ainda, que o desmérito do condenado também pode conduzir à regressão de regime

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