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PROGRESSÃO DE REGIME E A INCONSTITUCIONALIDADE DE SUA VEDAÇÃO PELA LEI DOS CRIMES HEDIONDOS

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(1)

FACULDADE DE DIREITO

CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO

PATRÍCIA ROSADO TAVARES

PROGRESSÃO DE REGIME E A INCONSTITUCIONALIDADE

DE SUA VEDAÇÃO PELA LEI DOS CRIMES HEDIONDOS

(2)

PROGRESSÃO DE REGIME E A INCONSTITUCIONALIDADE DE SUA VEDAÇÃO PELA LEI DOS CRIMES HEDIONDOS

Monografia apresentada ao Curso de Graduação em Direito, da Universidade Federal do Ceará (UFC/CE), como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito.

Orientador: Profº. Sérgio Bruno Araújo Rebouças.

(3)

PATRÍCIA ROSADO TAVARES

PROGRESSÃO DE REGIME E A INCONSTITUCIONALIDADE DE SUA VEDAÇÃO PELA LEI DOS CRIMES HEDIONDOS

Monografia apresentada no Curso de Direito, da Universidade Federal do Ceará (UFC/CE), como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito. Orientador: Profº. Sérgio Bruno Araújo Rebouças.

Aprovada em 14 / 07 / 2007

BANCA EXAMINADORA

________________________________________________________

Prof°. Sérgio Bruno Araújo Rebouças (Orientador) Universidade Federal do Ceará

________________________________________________

Prof°. Danilo Santos Ferraz Universidade Federal do Ceará

________________________________________________

(4)

Aos meus pais, meus

exemplos de vida, que tanto ansiaram

(5)

AGRADECIMENTOS

A Deus, por sua infinita generosidade de sempre me guiar pelo melhor caminho, e por me dar forças para finalizar mais essa fase da minha vida;

Ao meu pai – meu maior incentivador –, por seu amor incondicional e por sempre acreditar em mim;

À minha mãe, por sua preocupação com meu futuro profissional; À minha irmã, pela amizade incontestável;

A Tiago, pelos inestimáveis gestos e palavras de carinho, apoio e incentivo, nos momentos difíceis pelos quais passei;

Aos professores Sérgio Bruno Araújo Rebouças – meu orientador – e Danilo Santos Ferraz, pelos valiosos conselhos e por toda generosidade e compreensão;

À Amanda e Tamara, minhas amigas e irmãs socioafetivas, pelo constante interesse em meu bem-estar;

(6)

RESUMO

Aborda os principais aspectos da pena privativa de liberdade – evolução, finalidades, princípios que regem sua aplicação, sistemas e regimes de seu cumprimento –, desenhando a construção histórica do sistema progressivo na execução penal. Exibe uma visão geral da Lei dos Crimes Hediondos, mostrando seu caráter simbólico e indicando as controvérsias por ela suscitadas, em específico a imposição de regime integralmente fechado. E, por fim, demonstra – à luz dos princípios constitucionais – o caráter de garantia constitucional da progressão de regime e a conseqüente inconstitucionalidade de sua vedação aos condenados pela prática de crimes hediondos.

(7)

RESUMEN

Aborda los principales aspectos de la pena privativa de libertad – evolución, finalidades, princípios que rigen su aplicación, sistemas y regímenes de su cumplimiento –, diseñando la construcción histórica del sistema progresivo en la ejecución penal. Exibe una visión general de la Ley de los Crímenes Hediondos, enseñando su carácter simbólico e indicando las controversias por ella suscitadas, en específico la imposición de régimen integralmente cerrado. Por fin, demuestra – a la luz de los princípios constitucionales – el carácter de garantía constitucional de la progresión de régimen y la consecuente inconstitucionalidad de su prohibición a los condenados por la prática de crímenes hediondos.

(8)

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 9

1 A PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE E SEUS PRINCIPAIS ASPECTOS ... 11

1.1 Origem da pena e sua Evolução... 11

1.1.1 No Mundo ... 11

1.1.2 No Brasil ... 13

1.2 Finalidades da pena ... 15

1.2.1 Teorias absolutas ... 15

1.2.2 Teorias relativas ... 16

1.2.2.1 Prevenção geral ... 16

1.2.2.2 Prevenção especial ... 17

1.2.3 Teorias mistas ... 18

1.2.4 Teoria adotada pelo Código Penal brasileiro... 18

1.3Princípios constitucionais que regem a aplicação da pena ... 19

1.3.1 Princípio da dignidade da pessoa humana ... 21

1.3.2Princípio da isonomia ... 22

1.3.3Princípio da legalidade ... 22

1.3.4 Princípio da proporcionalidade ... 23

1.3.5 Princípio da humanidade ... 24

1.3.6 Princípio da individualização da pena ... 26

1.4 Sistemas penitenciários ... 28

1.4.1 Sistema pensilvânico ... 28

1.4.2Sistema auburniano ... 29

1.4.3 Sistema progressivo ... 30

1.4.3.1 Sistema progressivo inglês ... 30

1.4.3.2 Sistema progressivo irlandês... 31

1.4.3.3Sistema adotado pela legislação pátria ... 31

1.5 Regimes prisionais ... 32

1.5.1Tipos de regime ... 32

1.5.1.1 Regime fechado ... 32

1.5.1.2 Regime semi-aberto ... 33

1.5.1.3Regime aberto ... 34

1.5.2Regime inicial ... 35

1.5.3Progressão de regimes ... 35

2 A LEI DOS CRIMES HEDIONDOS ... 38

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2.1.1 A Constituição Federal de 1988 e o Movimento da lei e da ordem ... 38

2.1.2 Violência, mídia e pressão popular ... 40

2.1.3 Lei nº 8.072/90 ... 41

2.2 A Lei e seus projetos ... 42

2.3 Conceito de crime hediondo... 45

2.3.1 Critério legal ... 46

2.3.2 Critério judicial ... 46

2.3.3 Critério misto ... 47

2.3.4 Critério legislativo definidor ... 47

2.3.5 Critério adotado pelo legislador brasileiro ... 47

2.4 Elenco de crimes hediondos ... 49

2.4.1 Alterações na relação de crimes hediondos ... 49

2.4.2Atual rol de crimes hediondos ... 50

2.4.3Crimes equiparados aos hediondos ... 51

2.5Aspectos Polêmicos ... 52

2.5.1 Considerações gerais ... 52

2.5.2Regime de cumprimento da pena integralmente fechado ... 53

2.5.2.1 Aplicação temporal ... 55

2.5.2.2 Regime fechado integral x Lei do Crime Organizado e Lei de Tortura ... 57

2.5.2.3 Posicionamento doutrinário e jurisprudencial quanto à sua constitucionalidade ... 60

3 INCONSTITUCIONALIDADE DA VEDAÇÃO À PROGRESSÃO DE REGIME PELA LEI DOS CRIMES HEDIONDOS ... 63

3.1 Progressão de regime e sua constitucionalidade ... 63

3.3.1 Constituição, princípios e progressão ... 63

3.1.2 Imperatividade constitucional da progressão ... 64

3.1.3 A questão da progressão nos crimes hediondos... 70

3.2 Ineficácia da Lei dos Crimes Hediondos ... 76

3.3 Declaração de inconstitucionalidade do art. 2º, §1º, pelo Supremo Tribunal Federal ... 79

3.3.1 Controle de constitucionalidade ... 79

3.3.2 Habeas Corpus nº 82.959-7/SP ... 80

3.3.3 Alcance da declaração ... 82

3.4 Lei nº 11.464/07 ... 83

CONCLUSÃO... 86

REFERÊNCIAS ... 89

(10)

INTRODUÇÃO

No Direito Penal pátrio, a expressão crime hediondo foi empregada, pela

primeira vez, na Carta Magna de 1988, que, assentando-se nas premissas do Movimento da Lei e da Ordem, dispôs em seu art. 5°, inciso XLIII, que os crimes hediondos e os a ele assemelhados são considerados inafiançáveis e insuscetíveis de graça e anistia. Todavia, a inovação trazida por este dispositivo legal não gozava de aplicabilidade imediata, uma vez que remetia à legislação infraconstitucional a tarefa de definir tal sorte de crimes.

Com vistas a regulamentar esse inciso, foi editada, em 25 de julho de 1990, a Lei n° 8.072/90, que determinou quais crime s seriam considerados hediondos e estabeleceu seu tratamento penal. Trata-se de um diploma legal que, desde sua publicação, tornou-se objeto de intensas polêmicas e debates doutrinários que versavam e versam acerca da (in)constitucionalidade de determinadas restrições que impõe.

Um dos pontos que mais suscitou e suscita controvérsias é a obrigatoriedade de cumprimento da pena em regime integralmente fechado, sendo expressa e terminantemente vedada a progressão de regime prisional – corolário do princípio da individualização da pena – aos condenados por crimes rotulados de hediondos, numa tentativa inócua de reprimir o aumento dos índices de criminalidade.

O presente estudo monográfico debruça-se exatamente sobre essa problemática da progressão em crimes hediondos. Para tanto, desdobra-se em três capítulos.

(11)

progressivo foi o eleito pelo legislador brasileiro; e expõe os tipos de regime aos quais o condenado à clausura pode ser submetido, abordando suas peculiaridades.

No capítulo segundo, aborda o contexto em que a Lei dos Crimes Hediondos foi criada; faz uma breve retrospectiva dos projetos de lei propostos para regulamentar o inciso XLIII, do art. 5º da Carta Política; explicita o critério adotado pelo legislador ordinário para definir quais crimes devem ser considerados hediondos; tece considerações gerais sobre os aspectos polêmicos deste diploma legal; e dedica-se especificamente à controversa imposição de regime integralmente fechado por seu art. 2º, § 1º, cuidando de sua aplicação temporal e do posicionamento doutrinário e jurisprudencial quanto à sua constitucionalidade.

(12)

1 PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE E SEUS PRINCIPAIS

ASPECTOS

1.1 Origem da pena e sua evolução

A pena é um meio indispensável para a conservação de uma sociedade juridicamente organizada.1 Sua origem se perde no tempo, e sua história se confunde com a própria história do Direito Penal. Desde os primórdios, onde havia um agrupamento humano, existiam regras visando um convívio harmônico, cujo desrespeito implicava em repreensão àquele que deixasse de observá-las.

Ao longo da história da humanidade, a pena percorreu várias etapas, em conformidade com a evolução moral e ética dos povos. Diversas foram as punições infligidas aos infratores, as quais, em sua grande maioria, eram de uma incrível crueldade (ex. amputações, mutilações, queimaduras, açoites, galés, estrangulamento, afogamento, suplício dos paus, esquartejamento, pena de morte, etc.) e não guardavam proporção com o delito cometido. Objetivava-se simplesmente castigar, causando o máximo possível de sofrimento.

A privação da liberdade como pena resultante de um crime é uma criação recente do Direito Penal. A seguir, traçaremos uma breve retrospectiva da evolução das penas – até o surgimento da pena privativa de liberdade –, tanto no mundo como em nosso país.

1.1.1 No Mundo

Nas comunidades primitivas, verificou-se a primeira manifestação de cultura jurídica através da denominada vingança privada. A reação à ofensa era exercida pela própria vítima (vingança privada direta) ou por seus parentes (vingança

1 MARQUES, José Frederico. Curso de Direito Penal: o delinqüente, a sanção penal, a pretensão

(13)

de sangue) e, muitas vezes, atingia inclusive os familiares do infrator. Não havia

qualquer preocupação com a proporcionalidade do revide ou com a verdadeira justiça. De sua evolução, surgiu, na Babilônia, o talião.

Consoante a Lei de Talião, o castigo aplicado ao agressor deveria ser igual ao dano por ele causado, o que se constituiu num avanço extraordinário na tentativa de impedir a vingança desproporcional, e contribuiu para que o talião se mesclasse em quase todos os códigos de moral da Antigüidade, a exemplo do Alcorão, do Código de Hammurabi, do Código de Manu e da Lei das XII Tábuas.

Nas antigas civilizações, era predominante a idéia da pena como castigo, e a sanção que se aplicava com mais freqüência era a pena de morte, inclusive na Grécia Antiga e no Império Romano, onde também se aplicavam as terríveis sanções do desterro, castigos corporais e outros suplícios.2

Por volta de 452 a.C., predominou a fase da vingança divina, na qual o chefe da comunidade, muitas vezes confundido com a própria divindade, exercia o poder de sanção em nome de Deus.

Seguindo-se à vingança divina, vem a fase da vingança pública, que prevaleceu durante toda a Idade Média. Aqui, buscava-se a manutenção da ordem e a segurança do poder soberano, ao qual conferia o poder de castigar os súditos. Utilizava-se a pena como meio de intimidação, e sua aplicação era feita arbitrariamente e de acordo com a condição social do réu. Foi o período mais abominável da história da execução penal.

A expansão e afirmação do catolicismo, nesse período, culminaram com o surgimento do Direito Canônico. Foi nessa época que surgiu o gérmen da pena de prisão, a idéia do cárcere para castigar os homens, com a pena de confinamento para a purgação dos pecados, que inspirou a criação das Casas de Correção

(Houses of Correction), destinadas à reforma dos desocupados e desordeiros, por

intermédio do trabalho compulsório.

Ressalte-se que, embora existissem registros da existência de encarceramento desde a Antigüidade, a prisão – recolhimento celular em

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masmorras, mosteiros, castelos e torres –, nesses casos, não ostentava o caráter de pena, destinando-se apenas à contenção e guarda dos réus até seu julgamento ou execução. Era uma espécie de sala de espera dos mais terríveis tipos de tormentos e castigos.

Na segunda metade do século XVIII, a difusão dos ideais iluministas leva a uma nova fase conhecida como período humanitário da pena, na qual pensadores, filósofos e juristas pregavam a necessidade de moderação das punições – cujo monopólio conferia ao Estado – e de sua proporcionalidade com o crime cometido. A partir de então, a pena privativa de liberdade se difunde, e passa a ser considerada o melhor remédio no combate à delinqüência.

A essa época, Cesare Beccaria foi o principal defensor da humanização da pena, a qual, segundo ele, deveria ser pública, proporcional ao delito e previamente determinada. Humanização esta que persiste como objetivo até os dias atuais, não obstante a existência de alguns movimentos que, olvidando os direitos e garantias fundamentais historicamente conquistados, buscam o endurecimento do tratamento penal.

1.1.2 No Brasil

O descobrimento e a colonização das terras brasileiras pelos portugueses fizeram com que se aplicasse aqui a legislação penal lusitana. Eram leis severas, que refletiam o sistema penal europeu daquela época.

No período colonial, as penalidades e sua forma de aplicação eram descritas no Quinto Livro das Ordenações (Código dos Civilizados); tinham como finalidade conter a delinqüência pelo terror que sua crueldade despertava e não possuíam correlação alguma com a gravidade da culpa. A pena de morte era largamente utilizada, bem como as penas infamantes: açoite, marca de fogo, galés etc.

(15)

Somente com o advento do Código Criminal do Império a prisão passou a ter caráter de sanção penal, e se dividia em três modalidades: prisão perpétua com trabalhos forçados, prisão com trabalhos forçados e prisão simples. As demais penas previstas por este Código eram: pena de morte, galés, açoite (somente para escravos), banimento, degredo, suspensão de emprego, perda de emprego e multa.

Proclamada a República, surge um novo Código Criminal, que estabelecia como penas: prisão celular, reclusão, prisão com trabalho obrigatório, prisão disciplinar, banimento,3 interdição, suspensão e perda de emprego. As penas corporais, como se percebe, não mais foram adotadas, tendo sido ampliado o rol das penas privativas de liberdade, que deviam ser temporárias e não podiam exceder a trinta anos.

Em 1940, durante o governo de Getúlio Vargas, mais outro Código Penal vem à tona. As penas, agora, eram apenas três,4 a saber: reclusão, detenção e multa. As duas primeiras, privativas de liberdade, eram temporárias e não podiam ultrapassar o limite de trinta anos, tal e qual também dispunha o Código anterior. Ademais disso, deviam ser executadas de acordo com um sistema progressivo, dividido em quatro partes, sobre o qual discorreremos mais adiante.

No ano de 1977, a Lei nº 6.416 modificou o Código Penal de 1940, equiparando as espécies de pena privativa de liberdade para efeito de uniformização do regime progressivo, mudança essa acolhida e aperfeiçoada na reforma de 1984 da parte geral do Código e na Lei nº 7.210/84 – Lei de Execução Penal. As inovações mais significativas dessa reforma, operada pela Lei nº 7.209/84, foram: a eliminação, o quanto possível, da pena segregativa imposta pelo cárcere – com o surgimento das penas alternativas ou substitutivas –, a humanização das penas e a individualização da reprimenda.5

3 Em 1932, o Decreto n° 22.213, de 14 de dezembro de 1932, aprovou a Consolidação das Leis

Penais, que modificou o Código Republicano de 1980, abolindo a pena de banimento e criando a pena de prisão correcional.

4 Em 1941, a Lei de Contravenções Penais instituiu nova espécie de pena privativa de liberdade, a

prisão simples.

5 NORONHA, E. Magalhães. Direito Penal: introdução e parte geral. 24. ed. São Paulo: Saraiva,

(16)

1.2 Finalidades da pena

A discussão acerca das finalidades da aplicação da pena vem de longas datas. Os fins que a ela se atribuem variam necessariamente de acordo com as concepções vigentes em cada fase da cultura, e, também, segundo as exigências da consciência jurídica e comum.6

Como visto, suas funções mais comuns eram, de início, a de simples vingança ou castigo, ou, ainda, a de expiação dos pecados do condenado. Ao longo de sua evolução, no entanto, a pena foi objeto de uma série de teorias que lhe atribuíram finalidades ora retributivas, ora preventivo-utilitárias, e ora um misto dessas duas primeiras. Tais teorias, divididas pela doutrina em absolutas, relativas e mistas, surgiram da necessidade teórica e filosófica de se racionalizar o exercício do poder punitivo e legitimar a intervenção penal estatal. Vejamos, a seguir, em que consiste cada uma delas.

1.2.1 Teorias absolutas

As teorias absolutas ou retribucionistas, da Escola Clássica, tiveram em Kant e Hegel seus principais defensores. Consideravam que o fim da pena nada mais era do que castigar. Em outras palavras, o mal que se impunha ao condenado (ou seja, a pena) tinha como função apenas recompensar, retribuir a violação de conduta praticada pelo infrator, a fim de se realizar a justiça.

A pena extrairia sua força moral e sua justificação do fato de ser expressão da exigência natural – viva no coração de todo homem e atuante em todos os setores da vida moral – de que ao bem deve seguir o bem e ao mal deve seguir o mal.7

A finalidade da pena, portanto, esgotar-se-ia na idéia de pura retribuição. Não havia preocupação alguma com a sua utilidade, nem com a pessoa do

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criminoso. Em outras palavras, não se cogitava de qualquer tentativa de ressocialização do delinqüente e de restauração da paz jurídica da comunidade afetada pelo crime.

No mundo moderno, o retribucionismo puro se encontra ultrapassado, tendo sido execrado há muito do cenário jurídico civilizado. Embora conceitualmente a pena seja um castigo, seu fim não se esgota na mera retribuição, o que atentaria contra os princípios que fundamentam os direitos humanos, significando um retorno inaceitável ao período medieval.

1.2.2 Teorias relativas

Em momento posterior, surgiram as teorias relativas ou utilitárias, adotadas pelos seguidores da Escola Positiva. A pena continua a ser encarada como um mal necessário, mas defende-se que, por se tratar de um instrumento de política criminal, deve deter um sentido social-positivo, qual seja, prevenir a prática de novos delitos. Como bem esclarece José Salgado Martins, não há preocupação com a justiça intrínseca da pena, como na teoria anterior, mas com sua utilidade político-social.8

As teorias relativas subdividem-se em: teoria preventiva geral (positiva e negativa) e teoria preventiva especial.

1.2.2.1 Prevenção geral

Para a prevenção geral, a ameaça da pena em abstrato, bem como sua concreta imposição e execução, têm como finalidade tanto intimidar os delinqüentes potenciais, a fim de que não infrinjam as normas penais (prevenção geral negativa), como reforçar a confiança da comunidade no ordenamento jurídico-penal (prevenção geral positiva).

(18)

Os adeptos da concepção negativa asseveram que o melhor modo de se defender a sociedade contra o fenômeno criminal é através da ameaça da pena em geral, que suscita, nos cidadãos, inibições capazes de frustrar as forças psicológicas determinantes do crime que possam existir em seu ânimo.9

Uma das críticas merecidamente tecidas a essa teoria é a de que não leva em consideração um aspecto importante da psicologia do delinqüente, que é a sua confiança em não ser descoberto. A simples ameaça de imposição de pena, portanto, não é suficiente em si para impedir o indivíduo de realizar o ato delitivo.10

Outra falha argutamente apontada é a de que essa teoria, ao não estabelecer os limites da reação punitiva, tende a criar um direito penal do terror, pois quem pretender intimidar através da pena tenderá a reforçar esse efeito, castigando tão duramente quanto possível, o que contraria o princípio da dignidade da pessoa humana e os que dele decorrem.11

1.2.2.2 Prevenção especial

A prevenção especial dirige-se exclusivamente ao delinqüente, para que não volte a cometer novos crimes futuramente. Almeja tanto a intimidação do condenado, mediante o enclausuramento (prevenção especial negativa), como também – e principalmente – sua recuperação e sua reinserção na comunidade, a fim de que não volte a transgredir os comandos jurídicos (prevenção especial positiva).

Observa-se, nessa teoria, uma mudança de paradigma. Em vez de se preocupar apenas com o crime e a pena em si – como faziam os defensores das teses absoluta e da prevenção geral –, demonstra preocupação com a pessoa do

9 BETTIOL, Giuseppe.

Op. cit. p. 113.

10 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2006, v. 1, p.

114.

11Consoante a valiosa lição de Cezar Roberto Bitencourt: “[...] não se pode castigar amedrontando,

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criminoso e as circunstâncias que o levaram a praticar o crime, buscando promover sua correção.

A maior crítica feita à prevenção especial positiva é a de que se trata de uma utopia, pois tentar reeducar uma pessoa para a liberdade em condições de não-liberdade se constitui num verdadeiro paradoxo.

1.2.3 Teorias mistas

Do embate ideológico entre as duas teorias retro mencionadas, surgiram teorias mistas ou unificadoras, que salvaguardaram o caráter retributivo da pena e o ideal de justiça, e a ele adicionaram a função de inocuização e reeducação do criminoso. Defendiam que a retribuição e a prevenção (geral e especial) são aspectos distintos de um mesmo fenômeno, a saber, a pena.

Seria a teoria ideal, se a finalidade pedagógica (ressocializadora) não fosse transformada em letra morta da legislação. Ainda assim, são essas teorias que predominam nas legislações contemporâneas e na doutrina atual, e mesmo os que não acreditam no efeito ressoacializador da pena de prisão não negam a necessidade de uma política de educação e assistência ao preso, que lhe facilite o acesso aos meios capazes de lhe permitir o retorno à sociedade em condições de convivência normal.12

1.2.4 Teoria adotada pelo Código Penal brasileiro

No Brasil, a doutrina tradicionalmente se mantém filiada a essa última teoria, posicionamento este que acabou por influenciar o Código Penal vigente, o qual – em seu art. 59 – dispõe que a aplicação da pena pelo juiz deve assumir duplo sentido: de retribuição e de prevenção.

12

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Por seu turno, o art. 1° da Lei de Execução Penal – dispõe que: “A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado.”13

Observa-se, portanto – do cotejo entre os dois dispositivos referidos acima –, que, quando da prolatação da sentença condenatória, a pena deve ser aplicada com finalidade retributiva e preventiva (prevenção geral), e, no momento da execução, deve objetivar a integração social do condenado (prevenção especial), a fim de que este se conscientize de que a prática de ato ilícito não compensa, e se arrependa, não mais voltando a delinqüir.

Não obstante, as reformas penais ao longo dos últimos anos vêm reforçando, por razões utilitárias e de oportunidade, o pensamento prevencionista, sobretudo no sentido da prevenção geral negativa, com constantes aumentos da pena e agravamento da execução, como se a cominação abstrata, por si só, pudesse solucionar o grave problema da criminalidade em nosso país. Exemplo disso é a apelativa e simbólica Lei nº 8.072/90 – Lei dos Crimes Hediondos, a ser abordada no capítulo seguinte.

1.3 Princípios constitucionais que regem a aplicação da pena

Em seu artigo 1°, caput, a Constituição Federal brasileira de 1988 define o

perfil político-constitucional de nosso país como sendo o de um Estado Democrático de Direito, do qual partem princípios que regem os mais diversos campos da atuação humana.

Da lição de Antônio Roque Carraza, extrai-se que:

[...] princípio jurídico é um enunciado lógico, implícito ou explícito, que, por sua grande generalidade, ocupa posição de preeminência nos vastos quadrantes do Direito e, por isso mesmo, vincula, de modo inexorável, o entendimento e a aplicação das normas jurídicas que com ele se conectam.14

13 BRASIL. Lei de Execução Penal. Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984.

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Por seu turno, princípios constitucionais são aqueles eleitos pelo constituinte como fundamentos ou qualificações da ordem jurídica nacional; decorrem de certas normas constitucionais e são os pilares sobre os quais se sustentam todas as relações entre os indivíduos.

Sendo a Constituição Federal, a Lei Máxima de nosso ordenamento jurídico, todas as demais normas devem não só se adequar ao Texto Constitucional, mas também – e principalmente – observar os princípios constitucionais (explícitos ou implícitos) que dele derivam, máxime quando se tratar de norma penal restritiva da liberdade individual.

Como vimos anteriormente, a pena privativa de liberdade não mais tem caráter de vingança, tanto que, desde o movimento iluminista, busca-se humanizá-la e racionalizá-la. Nessa esteira, a Carta Constitucional alberga uma série de princípios de matiz penal, que defluem de direitos e garantias historicamente conquistados, e cuja observância é obrigatória, seja na cominação, seja na aplicação ou execução da pena. Nesse sentido, Sérgio Salomão Shecaira ensina que:

[...] um sistema de sanções penais, seja no momento de construção legislativa, seja no momento de sua aplicação judicial, seja, enfim, no seu momento de execução, tem de estar necessariamente vinculado aos princípios constitucionais que, no modelo sócio-jurídico já referido, dão forma e limites ao exercício do poder punitivo. Princípios constitucionais, explicitados na Constituição, como os da legalidade, da personalidade, da individualização e da humanidade da pena, e princípios implícitos no próprio modelo constitucional escolhido, como o da proporcionalidade da pena e da culpabilidade, devem ser necessariamente valorados.15

Tecidas essas considerações, vejamos agora o conteúdo de alguns dos mais importantes princípios constitucionais que regem a aplicação da sanção penal privativa de liberdade, cuja exposição é de primacial importância para os fins do presente estudo monográfico.

São Paulo: Malheiros, 2003, p.33.

15 SHECAIRA, Sérgio Salomão; JUNIOR, Alceu Corrêa. Teoria da Pena: finalidades, direito positivo,

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1.3.1 Princípio da dignidade da pessoa humana

A dignidade é um atributo inerente a todo e qualquer ser humano. O princípio da dignidade da pessoa humana – expressamente reconhecido na maioria das Constituições, após sua consagração na Declaração Universal dos Direitos Humanos – é a pedra angular sobre a qual se deve construir todo o monumento do sistema penal, tendo caráter superlativo e vinculante.

Trata-se de um princípio estruturante, do qual derivam inúmeros outros afetos à esfera criminal, tais como o princípio da legalidade, da proporcionalidade, da humanidade etc., e se constitui num importante elemento de proteção dos direitos contra medidas restritivas.

Fernando Ferreira dos Santos lecionaque:

[...] ao inserir, pela primeira vez, o princípio da dignidade da pessoa humana num texto constitucional, o legislador constituinte brasileiro acompanhou o caminho aberto pela Lei Fundamental alemã, de 24 de maio de 1959, que, no Título I – Dos Direitos Fundamentais – artigo primeiro, estabelecia que a dignidade do homem é intangível e seu respeito e proteção é obrigação de todo o poder público.16

No art. 1°, inciso III, da atual Constituição Feder al, o legislador elegeu a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos do Estado brasileiro, elevando o ser humano ao patamar mais elevado das considerações.

Com a adoção desse princípio, a Lei Fundamental buscou – em clara limitação à atividade punitiva estatal: impedir a degradação do indivíduo e sua redução a mero objeto de manipulação, proteger e promover as condições fundamentais para uma vida adequada, e coibir qualquer obstáculo que avilte o ser humano ou impeça a efetivação de seus direitos fundamentais.17

16 SANTOS, Fernando Ferreira dos. Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana.

São Paulo: Celso Bastos, 1999, p. 55.

17 BOLDRINI, Rodrigo Pires da Cunha. A proteção da dignidade da pessoa humana como

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1.3.2 Princípio da isonomia

Dispõe o art. 5°, inciso I, da Lei Maior, que todos são iguais perante a lei, em direitos e obrigações, o que significa que os indivíduos, ainda que subjetivamente desiguais, merecem igual tratamento jurídico, na medida de suas desigualdades.

Ingo Wolfgang Sarlet ensina que a garantia da isonomia – tanto na sua dimensão formal quanto na material – a todos os seres humanos constitui um pressuposto essencial para o almejado respeito à dignidade da pessoa humana, de forma que não se pode tolerar toda e qualquer ofensa que contra o princípio isonômico se inflija.18

No campo penal, quando da cominação abstrata da pena pelo comando legal, a ameaça de sua aplicação paira igualmente sobre todos os indivíduos que compõem a comunidade jurídica. No momento de sua aplicação e execução, no entanto, as desigualdades inerentes a cada indivíduo, no caso concreto, impõem que o tratamento a eles dispensado seja desigual,19 para adequar-se às suas peculiaridades, sob pena de afronta não só ao princípio sob enfoque, mas também aos princípios da individualização da pena e da proporcionalidade.

1.3.3 Princípio da legalidade

Para boa parte da doutrina, este é o mais importante dos princípios do Direito Penal, o pilar que sustenta toda a ordem jurídico-penal – como conseqüência que é do princípio da dignidade da pessoa humana –, e tem função essencialmente garantista.

Sua origem remonta à Magna Carta de 1215, na Inglaterra, e sua principal finalidade consiste em inibir as manifestações caprichosas da vontade do detentor do poder, garantindo aos cidadãos que sua liberdade só será cerceada pelo Estado

18 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na

Constituição de 1988. 2. ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002, p. 91.

19 Não se pode, por exemplo, aplicar pena idêntica ao que matou por inveja e ao homicida que

(24)

nas hipóteses previamente estabelecidas nas normas jurídicas – comandos gerais, abstratos e impessoais. Nesse sentido, Ney Moura Teles adverte que: “Por mais imoral que seja uma conduta humana, a ela só corresponderá uma sanção penal se, antes de sua prática, tiver entrado em vigor uma lei considerando-a crime [...]”.20

O princípio da legalidade penal encontra-se insculpido no art. 5°, inciso XXXIX, do Diploma Constitucional pátrio, bem como no art. 1° do Código Penal, que garantem que não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal (nullum crimen, nulla poena sine praevia legem).

Atualmente, esse princípio é entendido em três acepções, quais sejam: reserva legal, anterioridade da lei e taxatividade. Ou seja, para a criminalização de condutas ou imposição de penas exige-se lei federal, aprovada no Congresso Nacional, com observância de todas as regras que regem o processo legislativo (reserva legal), vigente à data da prática da conduta prevista (anterioridade) e que tenha normas claras e objetivas (taxatividade).

1.3.4 Princípio da proporcionalidade

A noção de proporcionalidade21 surgiu já no século XVIII, durante o

movimento iluminista, com a idéia de limitação do poder estatal – embora dela se possam identificar alguns sinais anteriormente, a exemplo da Lei de Talião. Não obstante, o princípio da proporcionalidade é uma consagração do constitucionalismo

moderno, e, a despeito de não ser adotado expressamente por nossa Constituição,

20 TELES, Ney Moura. Direito Penal: parte geral. São Paulo: Atlas, v. 1, 2004, p. 73.

21 A noção de proporcionalidade mais aceita na atualidade se desenvolveu na Alemanha, a partir da

(25)

pode ser aferido pela interpretação sistemática das normas e princípios constitucionais.

Consoante o lúcido entendimento do professor Sérgio Salomão Shecaira: Em matéria penal, o princípio da proporcionalidade deve ser observado em três momentos distintos, ou seja, no momento legislativo de cominação da sanção penal, no momento judicial de aplicação da pena em concreto e também no momento da execução da pena. No primeiro momento, o legislador deve considerar a conduta que está tipificando e cominar uma pena proporcional à gravidade do delito. Por outro lado, no segundo momento, o juiz deve considerar a conduta efetivamente praticada pelo agente e aplicar uma pena proporcional à gravidade objetiva do ato praticado22.

De acordo com o princípio da proporcionalidade, portanto, a resposta punitiva estatal ao crime deve guardar proporção com o mal infligido ao corpo social, não sendo admitidas penas idênticas para crimes de lesividade distinta. Dele também decorre que a limitação à liberdade individual só se autoriza quando a relevância do interesse que o tipo incriminador visa tutelar assim justificar e, mais ainda, se essa restrição se revelar vantajosa em uma relação de custos e benefícios sociais, ou seja, se demonstrada sua utilidade para os fins que almeja atingir.

1.3.5 Princípio da humanidade

Em sua origem, as penas eram extremamente severas e absolutamente arbitrárias e excessivas. O movimento humanitário do século XVIII, que teve suas raízes ainda no século XVII, desempenhou importantíssimo papel histórico na progressiva humanização dos costumes e, assim, do próprio Direito Criminal.23

Àquela época, Cesare Beccaria já propunha:

Entre as penalidades e no modo de aplicá-las proporcionalmente aos delitos, é necessário, portanto, escolher os meios que devem provocar no espírito público a impressão mais eficaz e mais durável e, igualmente, menos cruel no corpo do culpado24.

22 SHECAIRA, Sérgio Salomão; JUNIOR, Alceu Corrêa.

Op. cit. p. 89.

23 MESTIERI, João. Teoria Elementar do Direito Criminal. t. 1., [

S.l]: Sedegra, 1971.

(26)

Apesar dos esforços empreendidos, desde aquele período, no sentido de humanizar a aplicação da pena, o princípio da humanidade só passou a ser assinalado, formalmente, em 1948, quando a Organização das Nações Unidas – influenciada pelo sentimento de defesa dos direitos humanos, que ganhou força ao final da Segunda Guerra Mundial – promulgou a Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Trata-se de um dos mais importantes princípios pertinentes à pena e deflui do princípio da dignidade da pessoa humana, garantindo aos condenados certos direitos, independente do tipo e da quantidade de pena. Em nosso ordenamento, pode ser extraído de diversos dispositivos constitucionais, dentre eles os incisos III e XLIX, do art. 5°, da Constituição Federal de 1988, que dispõem, in verbis:

... III – ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante;

... XLIX – é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral;25 Tais incisos limitam o exercício do jus puninedi estatal, na medida em que

proíbem que seja dispensado tratamento desumano ao indivíduo infrator, e que se lhe exponha a situações degradantes ou vexantes, pois, mesmo preso ou condenado, o homem preserva o direito personalíssimo à sua integridade física, moral e psíquica.

A Constituição veda, também, a instituição de penas cruéis, banimento, pena de morte,26 de caráter perpétuo e de trabalhos forçados (art. 5°, inciso XLVII).

Decorre, ainda, desse princípio, a existência de responsabilidade social frente ao delinqüente, voltada à sua recuperação. O Estado deve aplicar a pena visando o bem-estar de todos os indivíduos da sociedade, inclusive do condenado, uma vez que uma das finalidades da pena é precisamente a ressocialização.

Em consonância com a Lei Maior, a Lei de Execução Penal (LEP) também consagra esse princípio, ao assegurar ao condenado ou internado todos os direitos

25 BRASIL. Constituição (1988).Constituição da República Federativa do Brasil. 11. ed. São Paulo:

Rideel, 2005.

26 A pena de morte só é admitida excepcionalmente, em caso de guerra declarada, nos termos do art.

(27)

não atingidos pela sentença ou pela lei, bem como proibir qualquer distinção de natureza racial, social, religiosa ou política (art. 3°, parágrafo único, LEP).

1.3.6 Princípio da individualização da pena

O art. 5°, inciso XLVI, da Carta Constitucional de 1988, consagra o princípio constitucional-penal da individualização da pena. Trata-se de uma garantia frente ao poder repressivo do Estado, que, na aplicação da resposta penal, tem de conformar a pena – seja na sua quantidade, seja na sua qualidade – ao fato concreto e à personalidade do autor do delito. Constitui-se, portanto, no alicerce da dosimetria da pena, e, mais do que isso, num postulado básico de justiça.

Individualizar, então, nada mais é do que adaptar a pena às particularidades – antropológicas, físicas, morais e psíquicas – do indivíduo que violou a norma e do delito por ele praticado, e somente através dessa atividade é que se pode alcançar um dos principais objetivos que se almeja atingir com a aplicação penal, qual seja a ressocialização.

Manoel Gonçalves Ferreira Filho e Sahid Maluf acentuam o caráter constitucional imperativo da individualização, assinalando, este último, ser inconstitucional a norma legal que fixar pena certa, sem deixar margem ao critério judicial para a graduação da pena.27

O processo de individualização se desenvolve em três etapas ou fases distintas, apontadas pela doutrina: cominação (fase legislativa), aplicação (fase judicial) e execução (fase administrativa).28

No primeiro momento – de cominação da pena ao fato típico abstratamente punível –, o legislador estabelece, para cada comportamento considerado criminoso, uma pena, cuja qualidade e quantidade variam consoante a

27

apud FERREIRA, Sérgio de Andréa. A Técnica da Aplicação da Pena como Instrumento de sua

Individualização nos Códigos de 1940 e 1969. 1. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1977, p. 14.

28 Roberto Lyra vai mais além e, em prefácio à obra

A Técnica da Aplicação da Pena como Instrumento de sua Individualização nos Códigos de 1940 e 1969, p. 10, aduz que “a individualização

(28)

importância do bem que se visa proteger juridicamente e a gravidade do ataque a ele perpetrado. Essa fase domina e dirige as demais, na medida em que é a lei que traça as normas de conduta do juiz e dos órgãos da execução penal, na aplicação das sanções.29

Na fase seguinte, a individualização é efetuada pelo magistrado, que, atendendo às circunstâncias enumeradas no art. 59 do Código Penal (culpabilidade, antecedentes, conduta social e personalidade do agente; motivos, circunstâncias e conseqüências do crime; e comportamento da vítima), estabelecerá a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos, bem como o regime inicial de seu cumprimento .

Por fim, aplicada a sanção penal, inicia-se sua execução, derradeira e principal fase em que se deve operar o processo de individualização, que não termina, portanto, com o trânsito em julgado da sentença condenatória, como bem observa Alberto Silva Franco:

Mais importante do que a sentença em si é o seu cumprimento na prática, porque é na execução que a pena cominada pelo legislador, em abstrato, ajustada pelo juiz ao caso particular, encontra o seu maior momento de concreção. É aí que o processo individualizador chega à sua derradeira fase: adere, de modo definitivo, à pessoa do condenado.30

No mesmo sentido, é o escólio de Salgado Martins, o qual assevera que: “O princípio da individualização preside também a execução da pena. Logo, ao iniciar o cumprimento da pena de reclusão, devem ser levadas em conta as condições pessoais do condenado [...].”31

Tanto é assim, que a Lei de Execução Penal ressalta, em seu artigo 5°,32

a necessidade de tratamento específico ao condenado na fase executória, com vistas à individualização, a qual repele qualquer tentativa de catalogação dos réus, e é fundamental para que seja alcançada a harmônica integração social preconizada pelo art. 1° deste mesmo diploma.

29

apud FERREIRA, Sérgio de Andréa. Op. cit. p. 16.

30

apud PINTO NETO, Moysés da Fontoura. Da inconstitucionalidade do § 1º, art. 2º, da Lei 8072/90.

Jus Navigandi, Teresina, ano 4, n. 39, fev. 2000. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=1102>. Acesso em: 30 out. 2006.

31 MARTINS, José Salgado.

Op. cit. p. 352.

32 De acordo com a redação desse artigo: “Os condenados serão classificados segundo os seus

(29)

Durante a execução penal, essa individualização é fundamentalmente realizada através do instituto da progressão de regime prisional, benefício concedido quando as características pessoais do condenado e seu respeito às normas de disciplina interna (bom comportamento) indicarem sua viabilidade, como veremos mais adiante.

1.4 Sistemas penitenciários

No final do século XVII, a pena privativa de liberdade tornou-se a principal sanção penal, e a prisão – que até então era o estabelecimento no qual os acusados permaneciam detidos até a sentença final –, passou a ser o local em que tais penas eram executadas.

Tendo em vista que a utilização das prisões como instrumento de punição se revestia da mesma tonalidade iníqua e desumana dos castigos impostos pelas legislações penais das monarquias absolutistas, surgiram reflexões acerca de como se deveria efetuar o sistema de seu cumprimento.33

A expressão sistema penitenciário tem origem na idéia católica de

penitência para a expiação dos pecados,34 e consiste, segundo Neuman, no

conjunto de diretrizes e elementos essenciais à execução das penas privativas de liberdade.35 Os principais sistemas propostos foram: o pensilvânico (ou da filadélfia),

o auburniano e o progressivo (inglês e irlandês).

1.4.1 Sistema pensilvânico

Surgiu na Filadélfia, em 1790, após a construção da prisão norte-americana Wallnut Street Jail, através da influência católica dos cárceres monásticos

33 MARQUES, José Frederico.

Op. cit. p. 124.

34 TELES, Ney Moura.

Op. cit. p. 330.

35

apud ZAFFARONI, Eugênio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal

(30)

da Idade Média. Durante todo o cumprimento da pena, o preso permanecia isolado – de dia e à noite – em celas individuais,36 sem direito a trabalho ou qualquer tipo de

comunicação exterior.37 Só se permitia a leitura da Bíblia ou de outros livros religiosos.

Tratava-se de um sistema extremamente severo, com conseqüências nefastas para a saúde física e psíquica dos presos. O isolamento total constituía-se em verdadeira tortura; muitos dos condenados enlouqueciam e, não raras vezes, suicidavam-se, o que lhe rendeu muitas críticas, por impossibilitar a readaptação social do apenado absolutamente isolado.

1.4.2 Sistema auburniano

Surgiu no início do século XIX, em Auburn, Estado de Nova York, com o intuito de superar as limitações e defeitos do sistema anterior. Nesse sistema, os presos continuavam isolados, durante a noite, em celas individuais, mas, durante o dia, trabalhavam e faziam as refeições em comum.

A despeito de ser autorizada aos reclusos a realização de atividades em comum, era-lhes terminantemente vedado o diálogo. Exigia-se-lhes o mais absoluto silêncio.38 Só podiam falar com os guardas, se lhes permitissem, e em voz baixa. A

comunicação externa também era proibida – tal e qual no sistema anterior –, e a infringência às normas era punida com castigos severos, que incluíam até mesmo açoites.

Como se vê, o sistema auburniano, assim como o pensilvânico, baseava-se em uma disciplina rígida e na completa submissão do condenado. Seus pontos vulneráveis eram exatamente a regra desumana do silêncio – que levou ao surgimento de uma linguagem própria entre os presos, com as mãos, que se observa, até hoje, nas prisões em que a disciplina é mais rígida – e a crueldade dos castigos que se impunham.

36 Daí o porquê de também ser conhecido como

solitary system.

37 Não tinham direito a visitas nem podiam enviar ou receber correspondências. 38 Daí também ser denominado

(31)

1.4.3 Sistema progressivo

Consoante Carlos García Valdés, o apogeu da pena privativa de liberdade se deu com o abandono dos regimes celular e auburniano, e a conseqüente adoção do regime progressivo,39 que surgiu da necessidade de se aprimorar seus

antecessores, fadados ao fracasso, diminuindo o rigor na execução da pena. Ao tratar do tema, Cezar Roberto Bitencourt explica que:

A essência deste regime consiste em distribuir o tempo de duração da condenação em períodos, ampliando-se em cada um os privilégios que o recluso pode desfrutar de acordo com sua boa conduta e o aproveitamento demonstrado do tratamento reformador. Outro aspecto importante é o fato de possibilitar ao recluso reincorporar-se à sociedade antes do término da condenação. A meta do sistema tem dupla vertente: de um lado pretende constituir um estímulo à boa conduta e à adesão do recluso ao regime aplicado, e, de outro, pretende que este regime, em razão da boa disposição anímica do interno, consiga paulatinamente sua reforma moral e a preparação para a futura vida em sociedade.40

Vê-se, assim, que se tratou, efetivamente, de um inquestionável avanço penitenciário, porque, pela primeira vez, houve preocupação em preparar o condenado para retornar ao convívio com a sociedade. Daí ter sido adotado por todos os povos civilizados do mundo, com as mais diversas adaptações e particularidades.41

1.4.3.1 Sistema progressivo inglês

Surgiu na Inglaterra, em 1840, e foi desenvolvido por Alexander Moconochie, capitão da Marinha Real, para suprir as deficiências dos dois outros sistemas apontados. Sensibilizado com as condições desumanas dos sistemas então vigentes, o capitão desenvolveu um modelo através do qual o condenado poderia diminuir sua pena e ser posto em liberdade mais rapidamente através do trabalho e da boa conduta.

39

apud BITENCOURT, Cezar Roberto. Op. cit. p. 166.

40 Ibid., p. 166. 41 TELES, Ney Moura.

(32)

O cumprimento da pena era dividido em três estágios. No primeiro, denominado período de prova, o preso permanecia totalmente isolado, tal e qual ocorria no sistema filadélfico; no segundo, os presos trabalhavam sob a lei do silêncio durante o dia, e, à noite, permaneciam isolados, como no sistema auburniano; no último estágio, concedia-se-lhes liberdade provisória, mediante o atendimento de determinadas condições, até atingirem a liberdade definitiva.

Esse sistema, também conhecido como sistema de “vales” ou “marcas”, logo se tornou um sucesso, tendo sido implantado por toda a Inglaterra, e sofreu aprimoramentos diversos.

1.4.3.2 Sistema progressivo irlandês

Em 1854, Walter Crofton, diretor das prisões na Irlanda, criou um novo sistema para o cumprimenta das penas, por intermédio do aperfeiçoamento do sistema inglês.

Com o intuito de melhor preparar o regresso do recluso ao convívio social, Crofton introduziu um quarto período de cumprimento da pena entre o segundo e o terceiro do modelo inglês, denominando-o de período intermediário. Nesse período, o preso trabalhava ao ar livre, no exterior do estabelecimento penal, e podia manter contato com os demais internos. Era uma preparação para a vida em sociedade de forma condicional, e serviu de inspiração para a denominada prisão aberta.

1.4.3.3 Sistema adotado pela legislação pátria

O sistema progressivo, mais moderno, democrático e – sobretudo – mais humano, foi o eleito por nosso Código Penal e pela Lei de Execução Penal, para efeito de cumprimento das penas privativas de liberdade. Na realidade, consoante o ensinamento autorizado de Roberto Lyra, a legislação pátria adotou um sistema

(33)

feições inteiramente peculiares: o sistema progressivo brasileiro,42 a ser abordado no item referente à progressividade dos regimes.

1.5 Regimes prisionais

Zaffaroni e Pierangelli, citando Neuman, ensinam que: “Chama-se regime penitenciário ao conjunto de normas que regulam a vida dos reclusos, em estabelecimentos penais.”43

Proferida a sentença penal condenatória à pena privativa de liberdade, o trânsito em julgado dessa decisão – que deve conter o regime em que a pena deve ser executada – confere ao Estado o título executivo que lhe habilita a exigir seu cumprimento pelo condenado.

De acordo com o Código Penal, as penas privativas de liberdade podem ser de três espécies – reclusão, detenção e prisão simples – e seu cumprimento pode ser efetuado em três diferentes regimes: fechado, semi-aberto ou aberto (art. 33, caput, CP).

Passaremos a ver, agora, as principais características dos regimes adotados por nosso Código, cujas regras podem ser vislumbradas nos arts. 33 a 37 do Diploma Penal, e 110 a 119 da Lei de Execução Penal – criada para atender a todos os problemas relacionados à execução penal.

1.5.1 Tipos de regime

1.5.1.1 Regime fechado

Nesse regime, a pena deve ser cumprida em penitenciária, e o condenado deve permanecer isolado em compartimento individual, durante o período noturno,44

42

apud MARQUES, José Frederico. Op. cit. p. 127.

43

(34)

e trabalhar em comum, durante o dia, de acordo com suas aptidões e as ocupações anteriores, desde que compatíveis com a privação da liberdade. O trabalho externo só é admitido excepcionalmente, em obras públicas.

Como bem observou Mirabete:

O regime fechado caracteriza-se por uma limitação das atividades em comum dos presos e por maior controle e vigilância sobre eles. Devem cumprir pena nesse regime os presos de periculosidade extrema, assim considerados na valoração de fatores objetivos: quantidade de crimes, penas elevadas no período inicial de cumprimento, presos reincidentes etc.45

Registre-se, por oportuno, que o condenado a esse tipo de regime deve ser submetido, no início do cumprimento da pena, a exame criminológico de classificação para individualização da execução, nos termos do art. 34 do Código Penal, a ser realizado por Comissão Técnica de Classificação (art. 6°, LEP), que levará em conta os antecedentes e a personalidade do apenado (art. 5°, LEP).

1.5.1.2 Regime semi-aberto

Trata-se, consoante Armida Bergamini Miotto, de um meio-termo entre a prisão fechada – servida de aparatos físicos ou materiais que garantem segurança máxima, a fim de que se evitem fugas – e a prisão aberta.46

Sobre a origem desse regime, Manoel Pedro Pimentel assinala que:

[...] a evolução da pena mostrou ser necessária redução ao máximo possível do período de encarceramento na prisão de segurança máxima. Daí a origem da prisão semi-aberta como estabelecimento destinado a receber o preso em sua transição do regime fechado tradicional para o regime aberto ou de liberdade condicional.47

A idéia de prisão semi-aberta surgiu na Suíça, com a construção da prisão de Witzwill. Nela, a pena deve ser cumprida em colônia agrícola, industrial ou similar,

44 Sobre esse isolamento em cela individual no período noturno, Bitencourt comenta que, na prática:

“[...] não passa de ‘mera carta de intenções’ do legislador brasileiro, sempre tão romântico na fase de elaborações dos diplomas legais. Com a superpopulação carcerária constatada em todos os estabelecimentos penitenciários, jamais será possível o isolamento dos reclusos durante o repouso noturno.” (BITENCOURT, Cezar Roberto. Op. cit, p. 556).

45 MIRABETE, Julio Fabbrini.

Op. cit., 2004, p. 268.

(35)

ou ainda em compartimento coletivo que observe os requisitos de salubridade exigidos nos arts. 91 e 92 da Lei de Execução Penal.

O trabalho externo – inclusive na iniciativa privada – é admissível, bem como a freqüência a cursos supletivos profissionalizantes, de instrução de segundo grau ou superior (art. 35, §2°, CP).

1.5.1.3 Regime aberto

Identificados, paulatinamente, os defeitos e os resultados insatisfatórios da execução da pena em prisões fechadas, e sendo animadores os índices de ressocialização obtidos nas prisões semi-abertas, acelerou-se o processo de sua institucionalização, caminhando-se para um progressivo estágio, que é representado pela prisão aberta.

Baseia-se, esse regime, na autodisciplina e no senso de responsabilidade do condenado, uma vez que a pena é cumprida sem qualquer vigilância. Dessa forma, deve ser concedido apenas àqueles que apresentarem – pelos seus antecedentes ou pelo resultado dos exames a que foram submetidos – fundados indícios de que vão a ele ajustar-se (art. 114, inciso II, CP).

Durante o dia, o condenado deve trabalhar ou comprovar a possibilidade de fazê-lo, e, no período noturno, tem que se recolher à Casa de Albergado ou estabelecimento adequado, não sendo admitido o cumprimento desse regime em residência particular, salvo as exceções do art. 117 da Lei de Execução Penal, justificadas pelas condições pessoais do agente (condenado maior de 70 anos ou acometido de doença grave, e condenada gestante ou com filho menor ou deficiente físico ou mental).

(36)

1.5.2 Regime inicial

De acordo com o art. 59, inciso III, do Código Penal, a determinação do regime em que o condenado deve iniciar o cumprimento da pena deve ser feita pelo juiz que proferir a sentença condenatória, com observância das circunstâncias mencionadas no caput, a saber: culpabilidade, antecedentes, conduta social,

personalidade do agente, motivos, circunstâncias e conseqüências do crime, e comportamento da vítima.

Devem ser igualmente observadas as regras contidas no art. 33 e seus parágrafos, do mesmo diploma legal, que estabelecem que o regime inicial é determinado pela espécie e quantidade de pena imposta e pela reincidência.

Consoante o caput desse último dispositivo, a pena de reclusão deve ser

cumprida em regime fechado, semi-aberto ou aberto, e, a de detenção, em regime semi-aberto ou aberto, exceto quando se verificar a necessidade de transferência a regime fechado. Por sua vez, o §2° do mesmo artigo estabelece, que:

a) o condenado a pena superior a 8 (oito) anos deverá começar a cumpri-la em regime fechado;

b) o condenado não-reincidente, cuja pena seja superior a 4 (quatro) anos e não exceda a 8 (oito), poderá, desde o princípio, cumpri-la em regime semi-aberto;

c) o condenado não reincidente, cuja pena seja igual ou inferior a 4 (quatro) anos, poderá, desde o início, cumpri-la em regime aberto.48

São, portanto, essas as regras legais que devem servir de parâmetro para o magistrado, na determinação do regime inicial de cumprimento das penas privativas de liberdade. Caso a sentença não faça expressa menção ao regime inicial, deve ser aplicado o regime mais benéfico, desde que juridicamente cabível.

1.5.3 Progressão de regime

Vimos que o sistema penal brasileiro consagra o sistema progressivo para o cumprimento da pena privativa de liberdade, o qual surgiu da necessidade histórica

(37)

de um novo modelo que suplantasse o fracasso dos sistemas penitenciários que o antecederam.

Sendo uma das funções da pena a integração ou reinserção social (art. 1°, LEP), seu processo de execução deve ser dinâmic o, sujeitando-se a mutações, de acordo com o comportamento do apenado diante do tratamento penitenciário de que é paciente. Desse modo, satisfeitas determinadas exigências legais, deve-se possibilitar a transferência do condenado de um regime mais rigoroso para outro mais suave, com vistas à sua paulatina reintegração ao meio social. Não é outra a lição de Mirabete:

Não havendo condições de promover-se o fim da pena no ambiente agressivo do cárcere em regime fechado e sendo necessária a gradual integração social do condenado, possibilita-se que ele conquiste a progressão quando dê sinais de modificação de comportamento depois de ter recebido orientação adequada, instrução e ensinamento com vistas a sua profissionalização ou aperfeiçoamento. A progressão, porém, deve ser efetuada por etapas já que, nas penas de longa duração, a realidade ensina que se deve agir com prudência para não permitir que o condenado salte do regime fechado para o aberto.49[

sic]

No Brasil, a progressividade dos regimes tem seu fundamento legal no art. 33, §2°, do Código Penal, e no art. 112 da Lei de E xecução Penal (LEP). O primeiro destes dispositivos assinala que: “As penas privativas de liberdade deverão ser executadas em forma progressiva, segundo o mérito do condenado [...].”

O art. 112 do diploma que trata da execução penal, por seu turno, dispõe: A pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva com a transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos 1/6 (um sexto) da pena no regime anterior e ostentar bom comportamento carcerário, comprovado pelo diretor do estabelecimento, respeitadas as normas que vedam a progressão50. (grifo nosso)

São, portanto, dois os requisitos exigidos legalmente para que se admita a progressão: um objetivo, que é o cumprimento de interstício temporal mínimo (pelo menos um sexto da pena no regime anterior), e outro subjetivo, que é a existência de

49 MIRABETE, Julio Fabbrini.

Op. cit.,2004, p. 387.

50 A expressão ‘respeitadas as normas que vedam a progressão’, foi acrescentada pela Lei nº

(38)

mérito do condenado, evidenciado por seu bom comportamento carcerário51. Aponte-se, por oportuno, que, se o regime inicial de cumprimento for o fechado, a passagem pelo regime intermediário (semi-aberto) é obrigatória.

Com o advento da malfadada Lei nº 8.072/90, no entanto, o direito à progressão restou vedado por seu art. 2°, §1°, na m edida em que esse dispositivo estabeleceu – em total dissonância com o nosso sistema normativo penal e com os princípios constitucionais que regem a aplicação da resposta punitiva estatal – que os condenados por crime hediondo deverão cumprir a pena privativa de liberdade em regime integralmente fechado. Com a devida vênia aos que defendem essa medida, trata-se de norma flagrantemente inconstitucional, e dela trataremos nos capítulos seguintes.

51 Registre-se, ainda, que o desmérito do condenado também pode conduzir à regressão de regime

(39)

2 A LEI DOS CRIMES HEDIONDOS

2.1 Contexto Histórico

2.1.1 A Constituição Federal de 1988 e o Movimento da Lei e da Ordem

A Constituição Federal de 1988 albergou – em seu artigo 5º – uma série de direitos, garantias e princípios de cunho penal, processual penal e de execução penal, alguns dos quais nunca antes vislumbrados em nenhuma Carta Constitucional anterior, o que representou um significativo avanço para a sociedade brasileira, em termos de valorização do princípio democrático.

Não obstante a promulgação de um Diploma Constitucional de caráter nitidamente liberal e garantista, o final da década de oitenta se caracterizou pela acolhida, no campo político brasileiro, de movimentos em prol do recrudescimento do Direito Penal, os quais influenciaram o legislador constitucional a inserir, naquele mesmo artigo 5º, um inciso que, na sua visão, representava uma garantia contra o avanço da onda de criminalidade que assolava a sociedade brasileira à época. Senão vejamos sua redação:

... XLIII - a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem;

Esse dispositivo constitucional se assenta nas premissas difundidas pelo denominado Movimento da Lei e da Ordem (Law and Order), que surgiu na década de setenta, nos Estados Unidos, como reação ao crescimento da taxa de criminalidade, intensificou-se, na década de noventa, com a implementação da política de tolerância zero – conduzida pelo então prefeito de Nova York –, e ganhou ares de cientificidade com a teoria das janelas quebradas.52

52 Essa teoria se baseava no seguinte raciocínio, absurdo e inverificável: se a janela de uma

(40)

Esse movimento representa o uso de uma resposta penal altamente severa, com vistas a prevenir e intimidar a prática criminal, e, de acordo com João Marcelo Araújo Júnior, sustenta-se nos seguintes pontos:

a) a pena se justifica como um castigo e uma retribuição no velho sentido, não se confundindo esta expressão com o que hoje se denomina "retribuição jurídica";

b) os chamados delitos graves hão de castigar-se com penas severas e duradouras (morte e privação de liberdade de longa duração);

c) as penas privativas de liberdade impostas por crimes violentos hão de cumprir-se em estabelecimentos penitenciários de máxima segurança, submetendo-se o condenado a um excepcional regime de severidade distinto ao dos demais condenados;

d) o âmbito da prisão provisória deve ampliar-se de forma que suponha uma imediata resposta ao delito;

e) deve haver uma diminuição dos poderes individuais do juiz e o menor controle judicial na execução que ficará a cargo, quase exclusivamente, das autoridades penitenciárias.53

Observa-se, portanto, que se trata de um discurso ideológico de caráter punitivo-retributivo. Seus defensores acreditam que, somente por intermédio da criação de novos tipos penais, elevação ao máximo das penas já existentes e supressão de direitos e garantias processuais – dentre outras atitudes –, é que se pode restabelecer a lei e a ordem, como se prisões cheias fossem sinônimo de segurança social. A sanção penal passa, assim, a ser considerada um remédio para todos os conflitos sociais, que geram a criminalidade.

O resultado de sua aplicação é uma “política criminal”54 simbólica, excessivamente intervencionista e, consoante Luiz Flávio Gomes, de caráter paleorrepressivo [sic], que utiliza o Direito Penal e Processual Penal de forma

meramente promocional, como instrumento de tranqüilização da opinião pública, em face da violência urbana.

manutenção da ordem, e começariam a atirar pedras, para quebrar as demais janelas, o que daria início à decadência dessa rua e de sua comunidade como um todo. Com isso, buscava-se sustentar - sem qualquer comprovação - que o combate à grande criminalidade deveria ser iniciado através da austera repressão dos pequenos delitos, de modo a evitar a “primeira janela quebrada”.

53

apud SANTOS, Simone Moraes dos. A coerção penal no âmbito da Lei dos Crimes Hediondos .

Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 177, 30 dez. 2003. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4690>. Acesso em: 30 out. 2006.

54 Colocou-se o termo entre aspas, porque não se pode considerá-la verdadeiramente uma política

Referências

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