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INEP como espaço formulador e regulador da política educacional

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Capítulo 3 - Políticas de avaliação como espaço de regulação do discurso de qualidade da educação qualidade da educação

3.1 INEP como espaço formulador e regulador da política educacional

Nesta seção apresento, de forma abreviada, as políticas públicas inspiradoras das políticas de avaliação, tendo em vista que o objeto de estudo deste trabalho constitui-se neste contexto discursivo. A intenção não é a de esgotar este debate, nem mesmo estabelecer uma relação de causa e efeito, mas evidenciar alguns condicionantes que contribuem para a formação discursiva das políticas de avaliação da Educação Básica, em particular o ENEM.

Com efeito, o referido exame entra no jogo político que articula as demandas de conhecimento a outras demandas sociais. Em diálogo com Retamozo (2009), encontro argumentos para sustentar essa afirmação. Afinal, na luta pela significação do conhecimento escolar de qualidade em nossa contemporaneidade, da qual o ENEM participa diretamente, é possível evidenciar a presença de demandas sociais, isto é, demandas que são formuladas em movimentos sociais.

Ao trazer esse argumento, destaco a força do discurso hegemônico que associa o conhecimento de qualidade e avaliação na manutenção de uma relação entre a tradição da eficiência e de eficácia e as reivindicações de justiça social que se constituem como processamento de pedidos (demandas) endereçados à escola.

Formulados esses pedidos, cabe ao INEP formalizar as políticas de avaliação da Educação Básica com vistas a atender as demandas de qualidade. Desse modo, este lugar

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constitui um espaço discursivo onde as demandas de conhecimento de qualidade são pretensamente satisfeitas.

Criado por lei em 1937, como Instituto Nacional de Pedagogia, esta instituição iniciou seus trabalhos no ano seguinte, com a publicação do decreto lei n°580, que não só regulamentou sua estrutura e organização, mas modificou seu nome para Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos, tendo como diretor geral o professor Lourenço Filho. Entendo que a

inclusão do termo estudo na sigla referente a este órgão pode ser interpretada como uma

estratégia discursiva que ratifica sua finalidade. Digo isto pois nos artigos 2°e 3° do decreto- lei de 1938, define-se:

Art. 2º Compete ao Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos:

a) organizar documentação relativa à história e ao estudo atual das doutrinas e das técnicas pedagógicas, bem como das diferentes espécies de instituições educativas;

b) manter intercâmbio, em matéria de pedagogia, com as instituições educacionais do país e do estrangeiro;

c) promover inquéritos e pesquisas sobre todos os problemas atinentes à organização do ensino, bem como sobre os vários métodos e processos pedagógicos;

d) promover investigações no terreno da psicologia aplicada à educação, bem como relativamente ao problema da orientação e seleção profissional; e) prestar assistência técnica aos serviços estaduais, municipais e particulares de educação, ministrando-lhes, mediante consulta ou independentemente desta, esclarecimentos e soluções sobre os problemas pedagógicos;

f) divulgar, pelos diferentes processos de difusão, os conhecimentos relativos à teoria e à prática pedagógicas.

Art. 3º Constituirá ainda função do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos cooperar com o Departamento Administrativo do Serviço Público, por meio de estudos ou quaisquer providências executivas, nos trabalhos atinentes à seleção, aperfeiçoamento, especialização e readaptação do funcionalismo público da União. (BRASIL,1938)

Como procurei ilustrar com os excertos, as finalidades deste Instituto são descritas por um conjunto de ações para garantir o processamento de informações, instituir a cultura dos registros e documentações para que possa haver monitoramento e elaboração de propostas.

Tais ações caracterizam sua estreita relação com a pesquisa a fim de subsidiar as tomadas de

decisão acerca da educação brasileira.

Não cabe nos contornos do meu trabalho detalhar, historicamente, as configurações assumidas por este instituto como bem fez Bonamino (2002) ao contextualizar as políticas de avaliações, mais especificamente os contextos de produção do Saeb. Faço apenas dois destaques neste histórico: o primeiro é o ano de 1972, pois o INEP é convertido em órgão autônomo, sendo nomeado Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais. O

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segundo destaque é a partir de 1990, após o período de reestruturação (de 1985 a 1990). Durante esse período de reorganização, não houve por parte deste órgão o desenvolvimento de pesquisas, pois o INEP passou a dedicar-se ao assessoramento dos centros decisórios do MEC, sendo quase extinto, no governo Collor .

Ao fazer o primeiro destaque, chamo atenção para a marca discursiva da pesquisa.

Interpreto que o emprego desta palavra não foi por acaso, já que, neste ano, havia uma forte pressão por reformas de ensino previstas, inclusive, pela força imperativa de lei. Daí, o compromisso de realizar levantamentos sobre a condição educacional brasileira, que pudessem subsidiar a reforma de ensino em andamento prevista na lei 5692/71.

A dimensão da pesquisa traz para o INEP o compromisso com o mapeamento e estudo do contexto educacional brasileiro e a produção de conhecimento a respeito das ações educacionais, o que mais tarde vai se configurar na formulação de políticas de avaliação para regular e satisfazer as demandas de qualidade. Tendo como referência neste mapeamento os resultados obtidos pelas pesquisas, este instituto assume a função de oferecer subsídios e reflexões para ações educacionais qualificadas.

O segundo destaque feito na história do INEP corresponde ao período logo após sua reestruturação. Seu novo desenho institucional, após 1990, ratifica sua posição anterior de fomento à pesquisa, cabendo a este órgão a produção de políticas educacionais. Neste ano, inclusive, acontece a primeira edição do Saeb, conforme já dito anteriormente.

Vale lembrar que, em 1990, a reforma da política educacional se configura como um componente da reforma do Estado. A educação é alvo de orientações, já que é entendida como instrumento de crescimento econômico e de redução da pobreza, capaz de concretizar as reformas estruturais para expansão do capital. Em escala mundial, adensa-se a formação discursiva posicionando a educação como meio de ascensão social, enfrentamento da desigualdade, bem como elemento essencial na formação da cidadania, fortalecendo a hegemonia do discurso da qualidade social.

Trago esses dois momentos da história do INEP para reforçar este espaço como produtor de políticas educacionais que têm a avaliação como reguladora da qualidade da educação e do conhecimento que circula na escola. Ressalto a presença hegemônica do discurso de que a educação, mais especificamente do que o acesso ao conhecimento, é a saída-chave para o combate à pobreza, à marginalidade, ao emprego desqualificado, ou seja, é a cura para todos os males.

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E neste cenário, retomando suas funções em 1990, o INEP atua com especialistas de diferentes áreas do conhecimento – planejamento, finanças, comunicação, estatística, entre outros – para elaborar, organizar e gerenciar o Saeb, primeira política de avaliação em larga escala no país, e do mesmo modo, em 1998, para composição do primeiro ENEM.

Ao fazer esta breve descrição situando historicamente, o INEP como um dos espaços de produção discursiva, nas discussões sobre avaliação, estou operando no terreno da política, entendendo que:

É certo que no agenciamento de seus lugares sociais/discursivos, os agentes possuem numerosas formas de articulação de intervenções. Estratégias, interesses, cálculos, são constituídos, não apenas para fazer funcionar em proveito dos enunciatários os recursos do discurso em que se situam, mas também para resistir a determinadas restrições colocadas pelas regras vigentes. (BURITY,2008 p.39)

O INEP, percebido aqui, como um dos contextos de produção de políticas de avaliação, abarca os processos de formulação dos textos e orientações, visando ao direcionamento das ações na prática. Com essa configuração, as propostas produzidas por este instituto ganham legitimidade e reforçam a hegemonia das políticas de avaliação como saída para a propalada crise educacional, estabilizando o discurso da cultura dos exames associada ao conhecimento de qualidade a ser ensinado na Educação Básica.

Nessa direção, as avaliações em larga escala ganham relevo como ações legítimas de sustentação dessa associação. As avaliações são tomadas como instrumentos que podem assegurar o acesso, a permanência e a circulação do conhecimento de forma igualitária nas instituições escolares.

Dentre essas políticas de avaliação, realço o ENEM, em sua configuração atual, como aquela capaz de reunir e sintetizar as demandas de qualidade na Educação Básica. Com a força de demanda de qualidade da educação, esta política mobiliza a ideia de conhecimento de qualidade, uma vez que é uma avaliação aplicada aos alunos concluintes do Ensino Médio e, ao mesmo tempo, seleciona aqueles que terão oportunidade de continuidade de estudos na maioria das universidades públicas deste país. Portanto, é a política de avaliação com visibilidade social que garante o selo de qualidade à Educação Básica em sua dupla dimensão (institucional/aprendizagem) bem como se propõe a funcionar como uma política de democratização tanto de acesso ao Ensino Superior quanto de acesso ao conhecimento de qualidade.

Diferentemente das outras políticas de Educação Básica (Saeb e Provinha Brasil) que em diferentes escalas também regulam os discursos de qualidade, não havendo nenhuma

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obrigatoriedade de adesão dos participantes (escola/alunos), o ENEM merece destaque pois funciona como política de acesso aos estágios subsequentes de estudo e de aprendizagem. Desse modo, tem sua estreita vinculação com a regulação do conhecimento, que para ser considerado de qualidade passa pelo crivo da avaliação. Nesse cenário, as avaliações em larga escala ganham força como ações políticas que permitem atender a essas demandas.