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Capítulo 1 - As tessituras de uma construção inacabada

1.4 Mapeando discursos de qualidade da/na educação

O que importa consiste em ‘não produzir algo verdadeiro, no sentido definitivo, absoluto [...] mas de dar ‘peças’ ou ‘bocados’, verdades modestas, novos relances, estranhos que não implicam em silêncio [...] mas que sejam utilizados por outros, como chaves de uma caixa de ferramentas’(VEIGA-NETO, 2002: 26).

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O movimento de fazer pesquisa pressupõe escolhas, e prevê mudanças de caminhos a partir das pistas encontradas ora na empiria, ora no diálogo teórico, ou com outros pesquisadores que lançam seus olhares para os mesmos objetos “estranhos que não implicam em silêncio”. Assim, o ato de pesquisar é inusitado, várias chaves de uma mesma caixa de ferramentas, nas mãos de um pesquisador, abrem portas que levam a lugares diferentes, ainda não conhecidos.

Importa, pois, explicitar as escolhas feitas para a realização de um mapeamento bibliográfico que, desde o início, envolveu tomada de decisões. Retomo aqui um dos

objetivos dessa pesquisa - Problematizar os processos de significação do conhecimento

escolar como parte da luta política pela qualidade da educação no contexto das políticas de avaliação da Educação Básica - para posicionar minhas lentes, a fim de perceber nas

produções que contornos as expressões qualidade da educação e políticas de avaliação

assumem num local privilegiado de produção de saberes legitimados: ocampo acadêmico.

A escolha destas expressões não foi feita ao acaso. Embora essa afirmação possa parecer desnecessária no contexto metodológico de uma pesquisa, ressalto que nelas estão as fronteiras movediças desse trabalho. Cada expressão é aqui tomada como uma unidade diferencial e por isso não me contento com a obviedade de evidenciar as relações ou distanciamentos entre elas. Pretendo colocá-las numa mesma cadeia discursiva para pensar os processos de significação que estabelecem os limites do conhecimento adjetivado “escolar”.

Antes de passar a discorrer a despeito das produções encontradas, julgo importante esclarecer as escolhas metodológicas que propiciaram a realização desse mapeamento e, porque não dizer, guiaram-me até os “achados” com os quais pude dialogar. Entendo que os trabalhos produzidos contribuem para configurar um sistema discursivo, neste caso, o campo educacional em geral e o campo do currículo em particular.

Procurei, assim, mapear os trabalhos entendendo os limites desse sistema discursivo, não abrindo mão de pensá-los como produções contingentes em contextos específicos e com demandas particulares.

Por isso mesmo, sem a pretensão de encontrar “prontas” ou mesmo incompletas as articulações que desejo fazer, mas com o olhar atento para pistas, possibilidades de leituras acerca das questões que me interessam, estabeleço alguns critérios: o primeiro, o temporal, não por ordem de importância, mas por limitar o espaço/tempo e as contingências das produções. Considero, assim, tanto o Plano Nacional de Educação (PNE) que vigorou na

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última década (2000-2010) e traz como um dos seus objetivos a melhoria da qualidade do ensino em todos os níveis, bem como as discussões a despeito do novo PNE (2011-2020), textos importantes, como marcos cronológicos que provocam discussões no campo educacional. Elejo, desta forma, como recorte temporal, as produções da última década para diálogo (2002-2012). Soma-se a esse critério, outra escolha: as produções no campo do currículo que é, para além da escolha, o lugar de onde falo.

Reconhecendo universos de espaços de produção acadêmica, faço a opção para a realização do mapeamento de utilizar as ferramentas disponíveis em meio eletrônico nos fóruns específicos de discussões acadêmicas do campo educacional brasileiro, a saber, no

âmbito das Reuniões anuais da ANPEd (GT12)25, no Scielo e no portal de periódicos da

Capes26.

Optei, assim, por catalogar os trabalhos que apresentavam exatamente as seguintes

expressões: qualidade da educação, qualidade na educação, qualidade em educação,a fim de

não negligenciar os que utilizassem uma ou outra nomenclatura.

O processo de seleção exigiu-me paciência, cuidado e rigor para que, nesse exercício, fosse possível ver, escutar, fazer falar, ir encontrando pistas para a construção de argumentos e percepções acerca dos sentidos de conhecimento articulados nas discussões a respeito da qualidade da Educação Básica e das políticas curriculares. O levantamento foi realizado em várias etapas, como um trabalho manual de coletar, peneirar e refinar, conforme exponho nessa seção.

Primeiros passos

No primeiro momento do mapeamento, ocupei-me com a busca da expressão qualidade da educação/qualidade na educação sem a preocupação de combiná-la com

nenhuma outra de meu interesse, como, por exemplo, conhecimento/currículo, a fim de

perceber, em se tratando de qualidade da educação, em que medida as questões do conhecimento escolar entram ou não em jogo.

25O GT12 se ocupa das discussões de currículo. Esclareço, porém, que no banco de dados da Anped, até o ano

de 2005, não constam os resumos e nem as palavras-chave dos textos. Desse modo, os dados apresentados aqui são referentes apenas ao período de 2006 a 2010.

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A busca realizada trouxe, no primeiro momento, 207 trabalhos (teses e dissertações) encontrados no Portal Capes e no 13 scielo.

Considerando esse universo, para minha surpresa, em uma década de trabalhos apresentados no GT de currículo da Anped, apenas uma produção, no ano de 2012, foi dedicada à temática “qualidade da Educação”, mais especificamente, o trabalho ocupou-se com essa discussão no âmbito da Pós-Graduação, procurando tratar das condições de produção frente às assimetrias regionais.

Ter sido surpreendida por esse quantitativo escasso de trabalhos no GT de currículo da Anped dedicados à temática pesquisada, trouxe-me a reflexão de que há sempre uma disputa pela hegemonia, pela fixação de um discurso. A luta pela hegemonia nos discursos de um campo não se faz às avessas à lógica de um jogo político, ou seja, de associação de demandas particulares a outras que reúnam condições de representação de um interesse comum.

Após os primeiros passos, iniciei um processo de refinamento de dados. Para tal, enveredei essa busca considerando o título e as palavras-chave, como guias no processo de refinar e selecionar o acervo. Tê-los como guia significa uma aposta de que num trabalho acadêmico eles assumem a função de anunciar, de forma sintética, o foco das discussões desenvolvidas e, portanto, pistas potentes para auxiliar-me nesse processo.

Diante dessa escolha, o acervo ganhou outras nuances, não só no aspecto quantitativo, conforme explicitado na tabela 1, mas, sobretudo, aguçou minha curiosidade à medida que percebi diferentes elementos sendo acionados, dada a teia de complexidade no qual se insere esse significante.

Tabela 1 - Trabalhos - Portal Capes

Resultado da 2ª busca - expressão nos títulos e palavras- chave

2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 TOTAL

10 5 10 14 11 19 19 23 27 29 40 207

Fonte:www.capes.gov.br

Ao utilizar a ferramenta eletrônica do banco de teses do portal capes, percebi, ainda, que não há possibilidade de restringir a pesquisa a uma determinada área de conhecimento. Os filtros disponíveis para a realização de uma pesquisa são: autor, assunto, instituição, ano, nível (mestrado, doutorado ou profissionalizante). Portanto, ao incluir as teses e dissertações nesse quantitativo, sem fazer esse filtro, correria o risco de cometer equívocos na divulgação dos

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dados, apresentando um problema na construção do acervo. Desse modo, antes de passar à leitura atenta dos resumos, procurei verificar por que terrenos caminhavam as discussões, ou seja, que áreas do conhecimento se dedicavam a tratar de um tema que, aprioristicamente, trata de questões educacionais.

Pude perceber, conforme evidenciado no gráfico 1, que este é um tema de interesse das mais variadas áreas. Dos 207 trabalhos encontrados, 148 se identificam pertencentes a área educacional. Com esta constatação, afirmo que este é um significante em disputa em contextos discursivos e comunidades epistêmicas bem distintas. O que o faz assim? Seria a força desse enunciado, qualidade?

Gráfico 1 - Áreas do conhecimento - Portal Capes

Considerando o mote do trabalho aqui proposto, senti a necessidade de novamente

afinar as lentes e depurar minha busca, selecionando apenas os trabalhos que apontavam

como área de conhecimento a Educação, entendendo que estes formariam um sistema discursivo que mantivesse no interior da cadeia as lentes do campo educacional.