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2.2 A História da Infância

2.2.6 Infância Contemporânea

A infância contemporânea, a partir do final do século XX, e, atualmente no século XXI, está se metamorfoseando e recebendo influências de recentes formatos familiares, configurações históricas, políticas, culturais, econômicas e sociais. Esses novos modos infantis não podem ser ignorados e, principalmente, os novos contextos nos quais essas crianças vivem e convivem.

Quanto a esses contextos, destaca-se atualmente o fenômeno da globalização que tem afetado intensamente diferentes setores da sociedade, como a aproximação de pessoas e de culturas locais, reduzindo as dimensões espaciais e culturais, propiciando a importação e a exportação de ideias, mercadorias, valores e tradições individuais e coletivas.

No que diz respeito à infância, a globalização política propiciou: a) crescente apreensão das agências internacionais em relação à melhoria da saúde, à redução das taxas de natalidade, à proteção legal para as crianças, à redução ou negação de trabalho para as crianças; b) a constituição de políticas de opinião pública de natureza humanitária e, por último, uma visão universal dos direitos das crianças.

Apesar da globalização politica aparentemente apresentar avanços no que diz respeito à infância, Ferreira (2013) nos instiga a estranhar e desnaturalizar a trama discursiva de governos sobre a infância através das normas de organizações internacionais como a UNICEF e Banco Mundial. Essas instituições que surgiram, a partir da segunda metade do século XX, com o propósito de dar assistência emergencial às criança, no pós-guerra, e, posteriormente, atuando junto a infância até os dias atuais, são apontadas como importantes mecanismos de governo da infância que ditam os modos de vida de milhões de crianças e suas famílias. O discurso em prol de um investimento cada vez mais prematuro na infância e a importância da educação da infância para o desenvolvimento da autoestima, autoproteção e independência econômica, revela uma governança de cunho neoliberal, em que esses termos de inspiração psicológica se integram com interesses mercadológicos de produtividade e acesso ao poder de compra.

Passa-se então de uma sociedade de produtores para uma sociedade de consumidores, onde a liberdade é produzida e consumida ao mesmo tempo. Mais do que “fazer uso de”, consumir representa pertencer a um novo mundo, um mundo criativo, o qual exige dos indivíduos que nele habitam a capacidade de gerir a sua própria vida como seus infortúnios (FERREIRA, 2013, 117).

Em relação ao campo discursivo dos direitos da criança, na esteira da formação de professores, insere-se em uma arena onde o ideal dessa formação simplesmente está reduzido à transmissão de um conjunto de preceitos teóricos sobre Direitos Humanos (CARVALHO et al., 2005). A escola precisa trabalhar a temática dos direitos da criança na formação de professores não como um conjunto de conceitos de democracia, direitos humanos, defesa e proteção da criança; mas como um compromisso do docente pelas suas condutas e práticas, de formas favoráveis e protetivas, que sejam capazes de auxiliar seus alunos em situações adversas. Dessa forma o destaque na formação é levar o professor a ver a importância de seu compromisso com o desenvolvimento de seus alunos frente a situações de violência. Ou seja, compreender que sua função é de um agente de proteção da infância que vai além da informação sobre os direitos de seus alunos, mas que suas condutas sejam guiadas pela ética pública e democrática.

Outro enfoque da globalização é o consumismo. Esse fenômeno global tem afetado e, consequentemente, modificado valores e comportamentos de inúmeras crianças no Ocidente e em outras sociedades. Na concepção de Dornelles (2011), as crianças na contemporaneidade percebem que, desde a tenra idade, têm de consumir e ter um determinado objeto ou marcadores sociais, adotar um determinado modo de vida para serem felizes ou terem poder.

Dornelles (2011) ainda ressalta que entre as muitas infâncias no mundo globalizado existem duas maneiras de ser criança: pela infância ninja e pela cyber-infância.

Ainda, conforme Dornelles (2011), a infância Ninja é aquela que se encontra privada de tudo, ou seja, das novas tecnologias, dos jogos eletrônicos, da internet. Muitas delas estão fora de casa, sem acesso aos produtos de consumo, são encontradas em esgotos, pontes e embaixo de viadutos. São encontradas em semáforos, comercializando objetos ou mendigando; essa infância apavora o adulto, pois ela consegue sobreviver, mesmo sem a proteção e amparo deste.

A cyber – infância é considerada a infância on-line, que está conectada ao campo digital dos computadores, da internet, dos jogos eletrônicos, do controle remoto, DVD, CDs, MP3, que obtém obras literárias inteiras no formato em PDF, blogs, diários virtuais. É uma infância da multimídia e das novas tecnologias que encontra uma nova forma de se sociabilizar e se produzir como indivíduos infantis nos nossos dias.

A partir de tudo isso, Dornelles (2011) considera que o cyber – infantes passam a ser indivíduos que nos escapam. Para a autora, essas crianças impõem medo ao adulto por este não conhecer procedimentos que anteriormente só competiam a eles. Assim, os adultos

perderam a autoridade que anteriormente tinham por saberem coisas que antes a criança protegida não conhecia.

A partir dessa lógica, a perda da garantia de que somente o adulto ou até mesmo o professor detinha o conhecimento nos remete aos escritos de Baumann(2000), quando trata dos sentimentos de incerteza, de quebra de garantias e de inseguraça devido às transformações macroeconômicas e politicas.

Nessa perspectiva, pode-se refletir sobre a situação do professsor que possuía a segurança de que o conhecimento conquistado através de uma graduação e até mesmo da pós- graduação e cursos de formação era suficiente para considerá-lo qualificado a ministrar em sala de aula. Hoje, o professor não tem mais a garantia de deter os saberes. Muitos saberes e procedimentos que antes somente o professor detinha, hoje, são conhecidos pela criança e pelo adolescente. Esses alunos estão à frente de seus mestres, ao interagir, via internet, em tempo real, com um familiar ou amigo que está em outro país. Podem fotograr e encaminhar, em questões de segundo, para familiares e amigos que estão a milhares de quilômetros. Essa infância que nos amedronta, inquieta, questiona, surpreende e desarticula, exige a busca por novas maneiras de trabalhar.

Por outro lado, essa reflexão é fundamental para se pensar na infância desumanizada, a infância vítima de violência doméstica. Essas crianças que chegam com marcas de violência e de formas indignas de sobreviver, muitas vezes, são individuos que nos escapam por não conhecermos formas de alfabetizá-los e que conteúdo selecionar diante da realidade tão brutal que vivenciam. Elas nos impõem medo por não sabermos como lidar com uma criança vítima de violência no contexto da família.

Segundo Arroyo (2000):

Nosso dever de oficio será mais complexo, exigirá um profissionalismo mais refinado diante das marcas e desconfigurações humanas que a infância e adolescência trazem na passagem da rua e do trabalho para a escola. (...) reeducar nosso olhar pedagógico. Dirigi-lo para os sujeitos humanos para sua condição de humanização. Reeducar nosso olhar sobre a infância e adolescência, os educandos. Quando reeducamos nosso olhar de mestres não veremos neles apenas analfabetos ou alfabetizados, aprovados ou repetentes, lentos, aceleráveis ou acelerados. Reeducando nosso olhar nos reeducamos (ARROYO, 2000, p.245).

Nesse embate, é fundamental considerar que uma das funções no período de formação de professores seja captar e conhecer a diversidade de experiências sociais. O trabalho com essa diversidade é inseparável da literatura, das artes, da linguagem e das ciências. Somente a partir do

momento em que o professor compreender o significado dessas vivências discentes, ele poderá trabalhar com seus alunos no sentido de obter um viver mais humano, digno e justo.

As tensões vividas por milhares de crianças e adolescentes, muitas vezes, não fazem parte do contexto da formação docente. Falta a incorporação de experiências sociais nesses cursos, que dê significado ao ato de educar.

Arroyo (2000) afirma que a matéria do percurso formador docente é a infância e a adolescência. Para esse autor, a infância e a adolescência são as primeiras leituras; trata-se de uma matéria que nunca é apreendida, nem aprovada, porque sempre está surpreendendo. Para ele é importante refletir sobre a prática, selecionar temas para projetos, mas sem se esquecer do sujeito, dos seus caminhos tortuosos que não pertencem a nenhum tema, mas o transbordam. Ele traz para a discussão as concepções de Paulo Freire para destacar que a formação como educador está atrelada à leitura e à escrita atentas ao movimento de humanização.

A capacidade de escuta sempre atenta e renovada da realidade onde se formam as crianças, adolescentes e jovens faz parte do nosso dever de oficio. A arte de diagnosticar, auscultar, perceber; é tão importante nos profissionais de saúde quanto a capacidade e o tino para regular e intervir. Todo oficio é uma arte reinventada que supõe sensibilidade, intuição, escuta, sintonia com a vida, com o humano (ARROYO, 2000, p.47).

Nesse sentido o olhar do professor deve “ir além do olhar ‘carente’ para um olhar das positividades”. E é esse novo olhar proposto que Arroyo (2004) afirma ser importante elemento para formação de um “docente-educador”. Dessa forma, para o autor, métodos, concepções, atitudes e planos de aula, podem ser mudados de forma tão radical que nos estimule a aprender, ler, estudar em conjunto com outros professores novas teorias, metodologia e didática. Dessa maneira, a forma como enxergamos os discentes pode ser decisiva para influenciar a maneira como educamos.