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2.3 O contexto do problema da violência doméstica contra crianças

2.3.2 Violência doméstica contra crianças

Crianças e adolescentes são considerados pelos pesquisadores como os mais vulneráveis a sofrerem transgressões dos seus direitos, comprometendo e afetando, direta ou indiretamente, sua saúde física, mental e social.

[...] crianças e adolescentes negros, mais do que os brancos, estão sujeitos à discriminação; crianças e jovens do sexo masculino, mais do que do sexo feminino, estão sujeitos à violência fatal; crianças e adolescentes do sexo feminino são mais vitimizados pela violência não letal; deficientes físicos, portadores de HIV/AIDS e crianças e adolescentes pobres são mais vulneráveis e expostos aos acidentes e violência e aos danos por estes provocados (SOUZA; JORGE, 2007, p.26).

As diferentes formas de violência contra crianças no Brasil estão arraigadas em contextos extensos e complexos que exigem atuações em diferentes categorias, levando em consideração os vários aspectos e perspectivas.

De acordo com o Centro de Referência, Estudos e Ações sobre Crianças e Adolescentes – CECRIA (1999), apresentar uma análise sobre a violência contra crianças e adolescentes no Brasil necessita levar em consideração extensões territoriais, densidade demográfica, diversidade cultural, processos históricos, estruturais e culturais para a compreensão do fenômeno da violência.

A violência doméstica contra crianças, tema desse estudo, é aquela que implica em todo ato ou omissão praticado por pais, parentes ou responsáveis, – sendo capazes de causar à vítima dor ou dano de natureza física, sexual e/ou psicológica – e, por outro lado, a transgressão do poder/dever de proteção do adulto, isto é, na negação do direito de crianças e adolescentes a serem tratados como sujeitos e pessoas em condição peculiar de desenvolvimento (AZEVEDO & GUERRA 2006).

A violência doméstica pode ser perpetrada dentro e fora de casa por qualquer membro da família, abrangendo pessoas que passam a assumir função parental, ainda que sem laços de consanguinidade, em relação de poder a outra. Assim, a violência doméstica não está restrita somente ao espaço físico da casa, mas às relações construídas e efetuadas entre os membros familiares (CESCA, 2004).

Por meio de pesquisas, tem-se conhecimento de que a violência contra crianças é igualmente difundida entre os vários segmentos da sociedade. Apesar de os dados constituírem um alerta real, essa realidade não pode ser considerada passível de medição. O fenômeno da violência contra a criança é culturalmente construído, histórico e complexo, pois,

[...] por mais que se tente mapear todas as manifestações de violência contra crianças, tal esforço seria sempre incompleto, pois à medida que se avança na construção da consciência social acerca dos seus direitos, no conhecimento científico sobre as consequências de certos atos e processos, acaba-se por identificar novas formas de violência a serem enfrentadas (DESLANDES, 2004, p. 44).

A violência, no interior da família, revela-se de diferentes formas, e, quando relacionada à criança e ao adolescente, costuma ser classificada como negligência, violência física, violência sexual e violência psicológica. O que a literatura aponta é que existe uma predominância do agressor conhecido nas ocorrências de violência contra crianças com menos de 12 anos.

A violência física caracteriza-se pelo uso da força física, de forma intencional, não acidental, praticada por pais e/ou responsáveis, com o objetivo claro ou não de ferir, deixando ou não marcas evidentes. É uma das formas mais evidentemente identificadas, inclusive pelo sistema de saúde. Segundo concepções mais recentes, o castigo repetido, não severo, também é considerado violência física (BRASIL, 2001). Nessa categoria, são comuns murros, tapas, agressões com diversos objetos e queimaduras por objetos ou líquidos quentes (RIBEIRO et al., 2005).

A violência sexual refere-se ao ato ou jogo sexual, relação heterossexual ou homossexual, considerada como abuso de poder, no qual se usa a criança e/ou o adolescente para a gratificação sexual de um adulto. É importante ressaltar que a criança é sempre vítima e não pode ser transformada em ré. De acordo com Sanderson (2005), a atividade na violência sexual pode envolver contato físico, incluindo atos penetrantes (por exemplo, estupro ou sodomia) e atos não penetrantes. Pode incluir atividades sem contato, tais como levar a

criança a olhar ou produzir material pornográfico e a assistir a atividades sexuais ou encorajá- la a comportar-se de maneira sexualmente inapropriada.

A violência psicológica refere-se a:

[...] rejeitar: quando o adulto não aceita a criança, não reconhece o seu valor, nem a legitimidade de suas necessidades; isolar: o adulto afasta a criança ou o adolescente de experiências sociais habituais à idade, impedindo-a de ter amigos e fazendo-a crer que ela ou ele está só no mundo; aterrorizar: o agressor instaura clima de medo, faz agressões verbais à criança, atemoriza-a e fá-la crer que o mundo é hostil; ignorar: o adulto não estimula o crescimento emocional e intelectual da criança ou do adolescente; criar expectativas irreais ou extremadas sobre a criança e o adolescente; corromper: ato de o adulto induzir a criança ou o adolescente à prostituição, ao crime, ao uso de drogas (BRASIL, 1993, p. 13).

A negligência é compreendida como a ação familiar de se “omitir em prover as necessidades físicas e emocionais de uma criança ou adolescente. Configura-se no comportamento dos pais ou responsáveis quando falham em alimentar, vestir adequadamente seus filhos, medicá-los, educá-los e evitar acidentes” (BRASIL, 1993, p. 14). A negligência é um termo internacionalmente utilizado para indicar a omissão de pais ou responsáveis, em termos de prover as necessidades físicas, de saúde, educacionais, higiênicas de crianças e adolescentes e/ou de supervisionar suas atividades. Uma forma extrema de negligência é o abandono (AZEVEDO; GUERRA, 2000; SOUZA; JORGE, 2007).

No que se refere às diferentes formas de violência doméstica - física, sexual, psicológica, negligência/abandono -, é necessário destacar que crianças e adolescentes estão expostos a mais de uma forma de violência e, de forma geral, são vítimas dessas concomitantemente. Dificilmente, a criança sofre um único tipo de violência, pois,

Ao se analisar a violência sexual de forma mais contextualizada, destaca-se a inadequação de isolá-la das intimidações constituídas como violência psicológica e violência física que, frequentemente, a acompanham, e cujos efeitos, algumas vezes, se inscrevem como agravantes maiores que os da própria violência sexual (INOUE; RISTUM, 2008, p.18).

Em relação aos dados estatísticos, estes são insuficientes e pouco confiáveis para identificar com precisão a grandeza do problema. De acordo com Azevedo e Guerra (2008), os dados estatísticos sobre violência doméstica contra criança e adolescente são considerados impertinentes e inquietantes, pois, geralmente, envolvem medo, vergonha e culpa. Entretanto, dados levantados a partir de registros e notificações de serviços, como Conselho Tutelar, serviços de SOS, pesquisas realizadas por entidades governamentais e não governamentais,

são importantes para o planejamento de atendimento à vítima e à sua família em condição de violência. Certamente esses números levantados servem de base para compor os perfis da vitima e do agressor, para procedimentos de profissionais que trabalham diretamente com o público infantil, bem como para o estudo de práticas e âmbitos em que o problema da violência doméstica ocorre.