• Nenhum resultado encontrado

Infiltração policial e o caso do telegrama forjado

No documento A Insurreição Comunista de 1935 (páginas 150-154)

Alguns autores atribuem à Insurreição do 21º BC em Natal a uma precipitação – que efetivamente houve, considerada a articulação do Partido Comunista em nível nacional – em função de uma infiltração policial que teria contribuído para o desen- contro de informações quanto a data da eclosão do movimento. É o caso do chefe de polícia na época, João Medeiros Filho, quando afirma “A surpresa com que irrompeu o movimento e sua má organização levam-me a aceitar a versão de ter sido mesmo precipitado pelas autoridades do Rio de Janeiro, a fim de que o plano subversivo não surtir o efeito que era de se esperar e temer” (MEDEIROS FILHO, 1937, p. 47). Leôncio Basbaum, ao

se referir ao esse episódio, diz que o telegrama foi forjado em Natal “O chefe de polícia, Aluísio Moura, fez amizade com um membro do Partido Comunista por nome “Santa” e através dele que a polícia consegue a confirmação da chave do telegrama“ (BASBAUM, 1976, p. 81). Eliezer Pacheco tem uma versão idêntica: “Através destas infiltrações, a polícia sabia que a revolução eclodiria entre fevereiro e março de 1936, sendo o seu início determinado por telegrama cifrado e remetido aos dirigentes de cada estado. Passou então a empenhar esforços no sentido de descobrir a senha a ser transmitida através de telegrama. Esta descoberta foi obra do chefe de polícia de Natal o qual conseguiu tornar-se amigo de um membro do CR do PCB de nome “Santa” ou “Santana”. Este, acreditando nas “inclinações comunistas” do policial, revela a senha para o início da Insurreição. Ali mesmo, na capital do Rio Grande do Norte, a polícia envia a “Santa” um falso telegrama, datado do Rio de Janeiro, determinando o início do movimento, que é feito apesar da absoluta falta de condições” (PACHECO, 1984, p. 169).

John Foster Dulles faz referência a cartas que foram encon- tradas pela polícia em princípios de 1936 quando “Santa” foi preso. As cartas eram dirigidas a “GIN” abreviatura dos “nomes de guerra” dos três líderes do movimento: Garoto (Prestes), Índio (Guioldi) e Neto (Harry Berger):

Uma das cartas de GIN dizia que o levante de 23 de novembro em Natal fora desencadeada por um inimigo dos comunistas” e cita trechos da carta “Foi iniciado pelo oficial do exército Aluísio Moura, ex-chefe de polícia de Natal [...] durante a luta ele controlava tudo [...] e enganava nossos camaradas, desarmando-os (DULLES, 1985, p. 21).

José de Campos Aragão, general de divisão do exército, afirma que “há flagrante suspeição de que foi o governo que fez precipitar os acontecimentos” (ARAGÃO, 1973, p. 47).

João Café Filho supõe que o presidente Getúlio Vargas tenha incentivado, mesmo que indiretamente, os aconteci- mentos “não só por inadvertência, mas também por cálculo e

talvez pelo empenho de desmontar, através da precipitação de levantes isolados, a conspiração que era de seu conhecimento” (CAFÉ FILHO, 1966, p. 92).

Eduardo Maffei afirma que “há evidências de que Getúlio não só sabia que o movimento ia estourar como agiu para que tal acontecesse e com precipitação” (MAFFEI, 1987, p. 94).

Vejamos estas versões. No primeiro caso (João Medeiros), é muito curiosa, porque ele era o chefe de polícia na época, homem de confiança do governador (que o havia ido buscar na Paraíba exclusivamente para assumir a chefia de polícia) e foi preso pelos insurretos e, segundo sua própria versão, o tentaram tirar por três vezes do improvisado xadrez do 21º BC com o objetivo de fuzilá-lo. E não só ele foi preso, como o comandante da Polícia Militar, o comandante do 21º BC, vários oficiais e o governador só não foram presos também porque se esconderam no início do Levante (e sequer sabia do que se tratava) se asilando em seguida. Assim sendo, que sentido teria a polícia (do Rio de Janeiro? como?) em provocar uma precipitação se as principais autoridades do estado foram pegas de surpresa e o próprio chefe de polícia foi preso?

Quanto a versão de Leôncio Basbaum, o equívoco é enorme. Em primeiro lugar, Aluísio Moura não era chefe de polícia na época, mas capitão comissionado no 21º BC (fora, até pouco antes do Levante, o Comandante da Polícia Militar). E só não foi preso pelos insurretos porque não foi encontrado em sua residência. E seria muito estranho que um telegrama forjado em Natal pela polícia pegasse de surpresa... o próprio chefe de polícia!

Em relação a Eliezer Pacheco, talvez a fonte tenha sido o próprio Leôncio Basbaum. Na realidade, não havia a suposta amizade entre o chefe de polícia e “Santa”, conforme depoimento do próprio “Santa” (GOMES, 1988, p. 73-118). Aliás, o chefe de polícia vai acusar exatamente “Santa” de querer assassiná-lo (MEDEIROS FILHO, 1980, p. 19).

Aluísio Moura, conforme dissemos, só não foi preso por não ter sido encontrado, o que contradiz afirmações como a de que durante o movimento ele “controlava tudo” segundo uma das cartas apreendidas pela polícia.

Paulo Sérgio Pinheiro, ao discutir esta questão, diz: “No desencadear das rebeliões e sua data, nada indica que tivesse algo a ver com infiltrações de espiões” (PINHEIRO, 1987, p. 603). Creio ser esta a versão mais correta. O autor se baseia em extensa documentação, que corresponde também às evidências dos autos dos processos do Tribunal de Segurança Nacional relativos ao Rio Grande do Norte nos quais são indiciadas (e ouvidas) mais de mil pessoas, entre testemunhas de defesa e acusação, relatórios policiais e documentações apreendidas e não há qualquer referência a infiltração policial ou telegrama falso. Evidenciado também pela forma como se deu o Levante do 21º BC, conforme relatamos. O próprio presidente Getúlio Vargas, numa carta a Osvaldo Aranha, datada de 14 de dezembro de 1935, diz, entre outras coisas, “Ninguém seria capaz de supor que os tóxicos da propaganda subversiva houvesse ganhado tanto terreno, a ponto de determinarem um movimento de articulação tão extensa e seriamente ameaçador”.43 Como diz José Nilo Tavares,

seria difícil admitir que o chefe de governo provocasse deli- beradamente as mortes e os prejuízos materiais ocasionados pela insurreição” e acrescenta “mas não parece restarem dúvidas quanto ao fato de que o governo soube utilizar o levante no sentido de fortalecer-se, quebrar a resistência oposicionista no congresso e na sociedade civil, que não era fraca, e preparar o caminho para o golpe em gestação (TAVARES, 1985, p. 74).

43 Arquivo de Getúlio Vargas, CPDOC (Centro de Pesquisa e Documentação)/ Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro.

No documento A Insurreição Comunista de 1935 (páginas 150-154)