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Os revolucionários de

No documento A Insurreição Comunista de 1935 (páginas 158-162)

Dentre todos os trabalhos publicados a respeito da Insurreição de 1935, merece especial destaque o de Marly Viana,

sobre o tema. Examinando com perspicácia numerosas fontes de pesquisa, incluindo os autos dos processos do Tribunal de Segurança Nacional (no Arquivo Nacional, Rio de Janeiro), a autora traz uma contribuição inestimável. No entanto, há vários equívocos quando se refere ao Rio Grande do Norte (capítulo 7 – Sob a Aleluia Nacional da Liberdade). Vejamos.

Ao se referir ao resultado das eleições de outubro de 1935, afirma que “O PC ficou neutro diante de tais manifestações, apesar de manter ligações com os golpistas, através de João Café Filho, mas no interior, muitos comunistas tomaram parte nos tumultos” (p. 185). Bem, que o PC ficou neutro é uma afirmativa que faz sentido na medida em que o partido era contra o que considerava “as forças oligárquicas em luta” (a Aliança Social e o Partido Popular), mas não há qualquer indício de ligação com os golpistas (presume-se que seja o partido do Interventor, Mário Câmara, a Aliança Social), que era acusado exatamente de reprimir os comunistas... e muito menos havia qualquer ligação com Café Filho, que havia sido inclusive chefe de polícia na Interventoria de Bertino Dutra e nunca teve qualquer ligação com os comunistas. Como testemunha, o próprio Café Filho, no seu livro de memórias (Do sindicato ao

catete), e o conjunto de documentos sobre o Levante no Rio

Grande do Norte (autos dos processos). No dia do Levante, ele estava no Rio de Janeiro, exercendo o mandato de Deputado Federal (eleito em 1934). Diz ele:

Ao tomar conhecimento da insurreição, reagi com ceticismo. Ou a notícia era improcedente o, ou havia um equívoco na interpretação do fato. Parecia absurdo que os comunistas do Rio Grande do Norte, tão escassos, pudessem realizar uma façanha daquela envergadura. Como Chefe de Polícia, por duas vezes, observara de perto suas atividades. Cheguei, não raro, a ter pequenos atritos com eles por causa de suas habituais manobras subversivas (CAFÉ FILHO, 1966, p. 80).

E mais adiante, ao se referir ao Levante do 21º BC (op. cit., p. 84).

Espalharam-se logo a confusão e o terror, naturais nas emer- gências como aquela, feitas de surpresa e pânico. Registrei, como me foi contado, a negligência do comando do 21º BC no tocante às medidas preventivas, resultando quase num convite à indisciplina e à desordem, em meio à minoria comunista, organizada e ativa, como sempre.

Quanto à participação dos comunistas no interior do estado em “tumultos”, como vimos, houve a formação de três colunas guerrilheiras que se deslocaram para o interior, con- quistando facilmente 17 dos 41 municípios.

Ao se referir ao Levante do 21º BC, afirma que “os rebeldes tentam, em vão, convencer algum oficial a assumir a direção”. Nas circunstâncias como se deu o Levante e à formação de uma Junta Governativa Revolucionária, constituída exclusivamente por militantes comunistas, não havia tempo para tais convites e ainda mais considerando que o partido prendeu todos os oficiais que conseguiu. Parece não fazer sentido convidar algum oficial que fosse do partido (e não havia) e muito menos no “calor da luta” a assumir a direção do movimento.

Há outros pequenos equívocos, como a afirmativa de que o prefeito de Natal, Gentil Ferreira, seu secretário de gabinete Paulo Viveiros e o jornalista Edgar Barbosa tenham sido presos (p. 191). Não foram; que o soldado (músico) Raimundo “tarol” era sargento (p. 189) e que José Macedo, integrante da Junta Governativa, teria ido ao Banco do Brasil e solicitado as chaves do cofre ao gerente, tendo este se recusado a entregá-las. Na rea- lidade, os bancos não abriram na segunda-feira e José Macedo, junto com outras pessoas, foi à residência do gerente solicitar a chave, tendo este informado que não estava com ele, e sim com o tesoureiro do banco (para onde eles se dirigiram); que Benilde Dantas era sargento do 21º BC (p. 198). Ele era civil, estudante e natural da cidade de Ceará-Mirim. Participou da ANL e, com a vitória dos insurretos do 21º BC, atua intensamente, sendo destacado como um dos comandantes das “colunas guerrilhei- ras” que se deslocaram para o interior; há também exageros ao

afirmar que “nas ruas o povo continuava festejando a revolta do 21º BC” ou “o povo que comemorava nas ruas a alegria de estar dono da cidade” e que “a junta foi constituída por aclamação do povo em praça pública”. Na verdade, não houve festança popular. A maioria da população sequer sabia do que se tratava e muito menos “aclamação em praça pública”.

Há também dados conflitantes a respeito do número de indiciados nos processos do Rio Grande do Norte, com a infor- mação de que em Natal estiveram envolvidas 763 pessoas – 63% dos insurretos e há indicação de profissão para 613 deles. No interior, foram indiciadas 447 pessoas, 37% do total, 294 com profissão indicada. Portanto, há dados sobre profissão de 907 indiciados, o que constitui uma amostragem expressiva de 75% (p. 210-215). Na nossa pesquisa nos autos dos processos do Tribunal de Segurança nacional do Rio de Janeiro, o total de 1.039 (ver parte relativa aos processos do Rio Grande do Norte e apêndice, com a lista dos nomes, profissão – onde havia esta informação – e as respectivas penas ou absolvição quando do julgamento pelo TSN em 1938).

Afora esses aspectos, o argumento mais problemático da autora é a afirmativa em relação à espontaneidade do movimento e “seu descompromisso com a ANL e o PCB”. Se houve esse des- compromisso, como explicar que são justamente os membros do partido que assumem a direção e formam a Junta Governativa? Para ela, “os comunistas foram os únicos a participar da junta porque foram os únicos a aceitar a aventura”. Ora, os comunistas formam uma junta com membros do partido (todos) porque foi o partido que esteve à frente e não fazia sentido compor uma junta com integrantes que não fossem do partido. E quanto à “espontaneidade”, se foi tão espontâneo e sem planejamento, por que, então, comunistas como João Francisco Gregório e Epifânio Guilhermino, à frente de vários civis, invadem o quartel do 21º BC pouco depois do início do Levante? Ela confirma isso ao dizer “senhores do quartel, os rebeldes abriram suas portas aos militantes do PC que chegaram para participar”.

No documento A Insurreição Comunista de 1935 (páginas 158-162)