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O cenário dos acontecimentos: Natal em

No documento A Insurreição Comunista de 1935 (páginas 84-90)

1935. Natal era uma pequena cidade com aproximada- mente 40 mil habitantes.16 O movimento comercial era concen- trado em dois bairros: a Cidade Alta, no centro e o da Ribeira, onde se localizava o cais do porto, na Av. Tavares de Lira.

A cidade tinha um considerável movimento portuário, sendo frequente a presença de navios estrangeiros que levavam, para a Europa, algodão e sal, além de navios brasileiros, de cargas e de passageiros. Havia três companhias de navegação em Natal, todas na Ribeira: a Companhia Carbonífera Rio-grandense (Rua Chile, 102), com linha regular, quinzenalmente, de Porto Alegre ao Maranhão (através dos cargueiros Porto Alegre, Piratini, Butiá, Chuí, Herval, Taqui e Tambaú) que passavam em Natal; a Companhia Nacional de Navegação Costeira (Rua Frei Miguelinho, 116) e a Companhia de Navegação Lloyd Brasileira (Rua Dr. Barata, 220).

Além disso, havia o Serviço Aero Condor (cargas, pas- sageiros e correio) com um voo semanal e o Serviço Aero London-Lufthansa, que anunciava voos Brasil /Europa em 4 dias, todas as quintas-feiras. Os voos regulares eram os hidro- aviões da Panair, que pousavam no Rio Potengi (usava-se o 16 O Departamento Estadual de Estatística do Rio Grande do Norte não dispõe de dados precisos sobre o ano de 1935. Os dados de população são aproximações tendo em conta os censos de 1920 e 1940, que dão, para a cidade de Natal, respectivamente, 30.606 e 55.119 habitantes.

termo “aquatizou”– “aquatizou às 14 horas o avião horário da Panair”) perto do cais Tavares de Lira (a Panair dispunha de lanchas e de um flutuante onde as pessoas esperavam os embarques e desembarques). Quando eram as autoridades que chegavam, como eram os casos, por exemplo, de políticos ou do Interventor, seus correligionários organizavam recepções no cais, com bandas de música, discursos etc.

Após o fechamento do comércio, o movimento se concen- trava no cruzamento das avenidas Rio Branco e João Pessoa, no centro da cidade e no bairro da Ribeira, onde ficavam alguns cafés muito frequentados, como o café “Cova da Onça” (Rua Tavares de Lira). Esse movimento geralmente crescia após as 21 horas, com o término das sessões de cinema.

Natal tinha na época três cinemas: O Royal Cinema, “o Cinema da elite” (Empresa irmãos Cavalcante) que ficava na Rua Vigário Bartolomeu, esquina com a Rua Ulisses Caldas no centro da cidade, onde além das sessões cinematográficas, apresentava-se uma orquestra, (considerada de excelente qua- lidade); o Cine Teatro São Pedro, “o Cinema de Natal”, no bairro do Alecrim (este Cinema divulgava só exibir filmes da Metro, United Paramount, Universal, Fox e Programs Art e Broadway) e o Politheama, na Praça Augusto Severo, no bairro da Ribeira, próximo ao Teatro Carlos Gomes (depois, Alberto Maranhão). Inaugurado em 2 de dezembro de 1911, era o segundo cinema da cidade (o primeiro foi o “Cinema de Natal” inaugurado em 1909 e funcionava no Teatro Carlos Gomes que, de 1928 a 1932 passa a se chamar “Cine Teatro Carlos Gomes” com sessões regulares de cinema). O Polytheama era o mais moderno: além de uma sala de exibições tinha ainda uma sala de jogos (bilhar), bar e sorveteria. Os filmes exibidos na cidade eram quase, simultaneamente, as grandes produções da Metro, United, Paramount, Universal, Fox e Propaganda Art e Broadway que haviam estreado no sul do país. Aos domingos, tinha as “matinês” e “vesperais” e até mesmo uma “sessão das moças” e, no jornal A República,

havia uma coluna chamada “palcos e telas” (sem periodicidade regular) com sinopses dos filmes em cartaz e uma outra, mais irregular, com o nome “Cinema”, de crítica cinematográfica.17

Em julho de 1935, Mário Câmara institui, através de um decreto, pela primeira vez, um cinema educativo em Natal, dirigido pelo Departamento de Educação. Ainda foram exibidos alguns filmes no salão do orfanato João Maria, com a presença do próprio Mário Câmara. No entanto, essa iniciativa não teve continuidade no governo que o sucedeu.

O bairro mais importante da cidade era o da Ribeira onde se concentrava o comércio mais variado. Era o bairro das grandes lojas, casas comerciais, empresas e bancos. E também dos melhores hotéis: Hotel Avenida, Hotel dos Leões, Hotel Internacional (na Rua Chile). Era também onde ficava o Teatro Carlos Gomes (inaugurado em 1906), o jornal oficial A

República o escritório de duas companhias francesas de aviação:

a Compangnie Générale Aéropostale, a Latécoère e um dos pontos mais frequentados pela elite da cidade: o café “Cova da Onça”, em especial os partidários do Partido Popular (José Augusto, quando governador, costumava frequentá-lo após o expediente). E era também o bairro que, durante décadas, se concentravam os desfiles do carnaval.

O transporte coletivo era o bonde elétrico, inaugurado em2 de outubro de 1911(em 1909, foi inaugurado, com grande festa, o bonde puxado a burro, o “ferro carril” que tinha como trajeto a Rua Dr. Barata, na Ribeira, até a Praça Padre João Maria, na Cidade Alta). Neste ano, chegam também a Natal a luz elétrica e o telefone.

17 Um bom trabalho de pesquisa sobre a história do cinema em Natal foi feito pelo jornalista Anchieta Fernandes Écran Natalense (Capítulos da História do cinema em Natal), de onde tirei boa parte das informações sobre os cinemas de Natal.

No centro da cidade, semanalmente, a banda de música do 21º BC realizava concertos ao ar livre, atraindo um bom número de pessoas, o que era citado na imprensa como “o elegante footing da Av. Rio Branco”. Eram destaques os cafés “Magestic”, o “Petit Bar” e o “Grande Ponto” frequentado pela intelectualidade e as elites.

Circulavam quatro jornais: A República – órgão oficial do governo; A Razão, do Partido Popular; A Ordem de orientação católica (e integralista), fundado em 14 de julho de 1935, e O

Jornal, fundado em 6 de agosto de 1931, pertencente a João Café

Filho. Afora esses, havia também os de duração efêmera como “O Feitiço”, um semanário que foi anunciado no dia 29 de março de 1935 formado por um grupo de intelectuais para “defender a arte e as letras potiguares” contando com a colaboração “dos melhores poetas e prosadores contemporâneos”, entre os quais Luís da Câmara Cascudo e o poeta Jorge Fernandes. Circulou também, neste ano, com periodicidade irregular, um vespertino chamado O Debate, criado em 5 de julho de 1934, dirigido por Antônio Alves e de apoio ao Interventor Mário Câmara.

Havia na cidade apenas uma biblioteca pública, com 9.691 volumes, um teatro, dois arquivos públicos (um estadual e um municipal) precariamente organizados e uma livraria, a “Cosmopolita”, localizada no bairro da Ribeira (as Casas Pernambucanas e a Casa Gondim, entre outras coisas, também vendiam livros e sempre anunciavam nos jornais à chegada em Natal de livros lançados no sul do país. No início de 1935, por exemplo, anunciará por vários dias a chegada dos livros A

Selva, de Ferreira de Castro, e Alma Bravia, de Policarpo Feitosa).

Embora, ao que tudo indica, a venda de livros não fosse expres- siva e, tampouco, grande e diversificado o estoque de livros, após os acontecimentos de novembro de 1935, João Medeiros Filho, o chefe de polícia da época, dirá que “a bem dizer, a verdadeira propaganda comunista começou neste Estado no Governo do Sr. Mário Câmara [...] as livrarias outra literatura não exibiam em

suas vitrines senão a de Lenine, Stalin, Tolstoi, Marx, Engels, Kropotkin, Bakunin, Owen etc. (MEDEIROS FILHO, 1937, p. 45).

A difusão da literatura marxista provavelmente não era tão expressiva como se sugere. A própria direção local do Partido Comunista pouco conhecia de marxismo (até porque eram raros os livros) e por ocasião da repressão ao movimento de novembro de 1935, na qual foram realizadas centenas de prisões, muitas das quais com invasão policial nas casas de indiciados em processos, é insignificante o número de livros apreendidos e, dos listados nos autos dos processos, não há praticamente literatura marxista.18

No que diz respeito à educação, o índice de analfabetismo era expressivo. Em 1920, o censo escolar havia revelado que 81% dos 547 mil habitantes eram analfabetos. Na década de 1930, o índice continua praticamente inalterado. Em 1933, por exemplo, por ocasião das eleições para a Assembleia Constituinte, a popula- ção do estado era de 764.571 habitantes, sendo que apenas 18.959 puderam se inscrever para votar. Em 1934, menos de 2% dos 22 mil jovens em idade escolarizável tinham acesso à escola. No censo de 1940, o índice de analfabetismo continua praticamente 18 No processo número 2 do Tribunal de Segurança Nacional relativo aos acontecimentos de novembro de 1935 no Rio Grande do Norte, num dos relatórios policiais, consta uma relação de aproximada- mente 30 livros que foram apreendidos pela polícia. Se se pudesse falar em literatura marxista, quem talvez tivesse o maior acervo no estado eram os irmãos Reginaldo (Jonas, Raimundo e Lauro) em Mossoró, que além de documentos e livros enviados pela direção do partido, no Rio de Janeiro, ainda os adquiriam numa pequena livraria pertencente a Lauro Escócia que, por sua vez, comprava dos viajantes que chegavam ao porto da vizinha cidade de Areia Branca, que, na época, junto com Natal, eram portos importantes para o escoamento da produção do sal e algodão, inclusive para a Europa, não sendo raro, portanto, a presença de navios estrangeiros. Desde 1934, quando Mario Câmara cria a Agência da Companhia Carbonífera, esses portos passam a ser itinerário dos navios que faziam o trajeto de Porto Alegre (RS) a São Luís (MA).

o mesmo (80% da população) e algo em torno de 90% das crianças em idade escolar, continuavam não tendo acesso à escola.

Do ponto de vista econômico, o ano de 1935 será de gran- des safras de algodão e sal, que batem o recorde de produção, significando um crescimento nas exportações19 e o exercício financeiro de 1935 termina com um saldo em cofre de quase três mil contos de reis.20

Em relação à indústria, praticamente não havia, a não ser pequenos estabelecimentos. Os dados existentes quanto à produção industrial de 1936 revelam que, das 245 fábricas existentes no Estado, a maioria, 151, era constituída de calçados e 77 era fabriquetas de bebidas, empregando um número muito pequeno de trabalhadores. Das126 registradas em Natal, 89 tinham até 6 empregados e as demais (37) com 6 a 12 empregados. Em 1943, por exemplo, haviam sido cadastradas 155 empresas, sendo a maioria, 45, constituída de oficinas mecânicas e 29 alfaiatarias e o restante de pequenas fábricas como as de sabão, por exemplo, com uma média de 5 empregados. Esses dados são importantes porque revelam que a classe operária no Estado era pouco numerosa, considerado o conjunto da população economicamente ativa.

Em termos populacionais, até 1935, o crescimento de Natal é pouco significativo. O processo de concentração da 19 O Rio Grande do Norte, do ponto de vista econômico, era um dos menos desenvolvidos do país, caindo na obscuridade desde a queda (gradual) da cultura açucareira depois do século XVIII. A abolição da escravatura e as secas que se seguiram contribuíram ainda mais para a queda de sua produção. No inicio do século XX, amplia-se a plantação do algodão, que passa a ser o principal produto da economia regional nas décadas seguintes. No inicio de 1930 a produção sofre uma brutal queda em função dos acontecimentos de 1929 (queda da bolsa de Nova York etc.) e só a partir de 1935, tem inicio, com uma safra recorde, um aumento expressivo da produção e exportação do algodão.

20 Relatório do Interventor Mário Câmara referente aos anos de 1933- 1935. Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Norte, Natal/RN.

população nas cidades mais importantes, como Natal e Mossoró, foi muito lento. Em 1870, quando o algodão se torna o principal produto de exportação do Rio Grande do Norte, em substituição a cana-de-açúcar, Natal tinha 8.909 habitantes. Em 1900, passa para 16.059 habitantes. Nas duas primeiras décadas do século, o crescimento também não é tão expressivo, em 20 anos, ou seja, em 1920, a população era de 30.696 habitantes e representava cerca de 5% da população do Estado. Crescimento significativo só se dará a partir de 1940, com um crescimento populacional muito superior a média do Nordeste.21

Quanto à segurança pública havia, em 1935, a Polícia Militar, o 21º Batalhão de Caçadores e a Guarda Civil. Não há registro nos arquivos pesquisados quanto aos respectivos contingentes. Pelos dados de 1933, a Polícia Militar tinha 18 oficiais e 348 praças. A Guarda Civil tinha um Inspetor (ou comandante), 12 graduados e 408 guardas, sendo, na época, o 6º maior contingente das Guardas Civis do Brasil. Com exceção do 21º BC, o Interventor indicava os respectivos comandantes.

Uma cidade insurgente: O Levante

No documento A Insurreição Comunista de 1935 (páginas 84-90)