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O PCB e sua atuação no Rio Grande do Norte entre 1926 e

No documento A Insurreição Comunista de 1935 (páginas 74-79)

Reconstituir, mesmo que brevemente a história do Partido Comunista no Rio Grande do Norte não é uma tarefa fácil. Não há praticamente registros documentais (o Partido, ao contrário de outros similares na América Latina, não tem uma história oficial) e tampouco referências na bibliografia historiográfica do Rio Grande do Norte. O registro que fazemos tem como base algumas entrevistas com antigos militantes e, fundamentalmente, das informações contidas nos autos dos processos do Tribunal de

Segurança Nacional, que faz referências esparsas, necessitando de um verdadeiro trabalho de “garimpagem” nos processos.

A respeito da organização do partido em Natal a única referência é de José Praxedes, que atribui a alguns sapateiros, entre os quais ele mesmo, como os primeiros a organizarem o partido. Segundo seu depoimento, o partido começa a se orga- nizar em novembro de 1926. Nesse período, ele trabalhava numa fábrica de calçados em Natal e havia ajudado a organizar, pouco antes, a União dos Sapateiros do Rio Grande do Norte. Diz ele:

nesse ano o jornal A Nação publica uma notícia sobre a pre- paração do I Congresso da Classe Trabalhadora que seria realizado no Rio de Janeiro, com o objetivo de organizar a Confederação Geral dos Trabalhadores do Brasil [...] os sapateiros decidem mandar um representante [...] que toma contato com o pessoal do Partido Comunista e faz um relato do trabalho desenvolvido pelo grupo União dos Sapateiros. Cristiano Cordeiro, fundador do partido e seu secretário geral, que morava no Recife, envia um representante a Natal para organizar o grupo de sapateiros [...] quem veio a Natal foi o companheiro Lourenço Justino, de Recife. No final de novembro ele faz uma reunião com o nosso grupo na casa do sapateiro José Claudino [...] e expôs a linha do partido, falou da necessidade de nos organizarmos nas empresas [...] dessa reunião participaram seis pessoas: Eu, Pedro Marinho, Artur da Silva, Aristides, José Pereira e o José Claudionor, o dono da casa. Todos eram sapateiros. Ali fomos admitidos no Partido Comunista e planejamos as próximas tarefas (OLIVEIRA FILHO, 1985, p. 32).

De novembro de 1926 até a Primeira Conferência Estadual realizada em abril de 1935, as informações no que diz respeito a Natal são escassas. Sabe-se da ida, em 1932, de José Praxedes ao Rio de Janeiro, a chamado da direção nacional e só retornando a Natal no dia 14 de janeiro de 1935. O partido ajuda na formação da União Geral dos Trabalhadores (1932) e a contribui para a formação de alguns sindicatos, como o dos estivadores em Natal – o qual tanto seu primeiro presidente como o vice são militantes do partido – dos motoristas, funcionários públicos e

passa a atuar entre os operários de pequenas fábricas como as de sabão e bebidas. Em Mossoró, situada na região Oeste e a segunda cidade mais importante do estado, o partido tem uma atuação mais expressiva, organizando diversos sindicatos, sendo o mais importante deles, o de salineiros, que, na época, representava a categoria de um dos maiores contingentes de operários.

O sapateiro Aristides Galvão em depoimento no Tribunal de Segurança Nacional (Processo nº 4, volume 1) se refere a uma reunião que teria participado em abril de 1935 na qual estavam presentes Lauro Lago, José Macedo, João Batista Galvão e Adamastor Pinto e que “depois todos assinaram a ata, inclusive o depoente, dando como organizado o Partido Comunista em Natal” e recebe como incumbência a tarefa de “propagar nos meios operários as ideias comunistas” o que procurou fazer e, não conseguindo a contento, lhe foi dado a incumbência de organizar a União Feminina, órgão ligado ao PCB e a ANL.

No entanto, as referências de Aristides Galvão não são da fundação do partido em Natal, mas da realização da I Conferência Estadual, na qual foi eleita a direção do partido no estado, for- mada por José Praxedes, Lauro Lago, diretor da casa de detenção, ambos de Natal e Francisco Moreira e Raimundo Reginaldo, de Mossoró (irmão do Lauro Reginaldo, o “bangu” que depois foi designado pela direção do partido para atuar no Rio de Janeiro e posteriormente integrou o Comitê Central). Raimundo foi um dos fundadores do partido em Mossoró, em 1928, e quem convidou Aristides Galvão a participar da conferência.

Nesta conferência, além da reestruturação do partido, é discutida a organização da Aliança Nacional Libertadora (ANL) no estado, conforme expressa orientação da direção nacional do Partido Comunista.

Em agosto de 1935, vem a Natal o Capitão do 29º BC, sediado em Recife, Silo Meireles. Recém-chegado de Moscou, a sua vinda tinha, entre outros objetivos, se reunir com a direção

do PCB para discutir a preparação de um Levante nos quartéis que o partido articulava em nível nacional (antes já estivera em Natal outro capitão do 29º BC, Otacilio Lima, também do PCB). A reunião com a direção do PCB é realizada, na qual foi comunicado a entrada de militares do 21º BC no partido (desde abril, havia alguns pequenos núcleos da ANL organizados no quartel), entre eles os sargentos Quintino Clementino de Barros, Eliziel Henrique Diniz e os cabos Gilberto de Oliveira e Giocondo Dias que, segundo seu depoimento, já era membro do partido há aproximadamente um ano e meio (DIAS, 1983, p. 142). O objetivo era ampliar o trabalho dentro do quartel, com novas filiações e preparar o Levante.

O comitê regional se reunia na casa de João Galvão Filho, que trabalhava como secretário do Colégio Estadual do Atheneu. Além de sua casa, as reuniões ocorriam também debaixo dos postes de iluminação pública, sempre em pequenos grupos (três pessoas). As decisões tomadas pelo comitê regional eram passadas para os “grupos dos postes” que, por sua vez, deveriam transmiti-la para outras células. Era destacado um militante para fazer a ligação entre o comitê regional e as células dos “postes” e essa tarefa era geralmente feita pelo sargento do 21º BC Eliziel Henrique Diniz. Havia ainda reuniões na padaria Palmeiras, situada na Rua Frei Miguelinho, pertencente a João Fagundes. Essas reuniões eram realizadas sempre tarde da noite, no sótão da padaria, com as luzes apagadas para não chamar a atenção e nas quais compareciam com frequência o sapateiro e membro da direção regional, José Praxedes de Andrade. Outro lugar era na casa do motorista Epifânio Guilhermino. Ali as reuniões eram realizadas de 8 em 8 dias “para tomarem conhe- cimento das correspondências provenientes do Rio de Janeiro”14 14 Depoimento prestado à polícia, em janeiro de 1936, por Leonila Felix,

esposa de Epifânio Guilhermino, dirigente do partido comunista em Natal e um dos mais ativos participantes da Insurreição do 21º BC em novembro de 1935. Processo nº 2 (Tribunal de Segurança Nacional, Arquivo Nacional, Rio de Janeiro).

e cujos frequentadores eram João Maranhão – conhecido como José Pretinho – Francisco Moreira, José Costa e José Praxedes. Havia reuniões ainda na sede da União dos Estivadores. Segundo o relatório do procurador da República, enviado ao Tribunal de Segurança Nacional “foram nesses lugares onde a trama revolucionária foi tramada”.15

O chefe de polícia, João Medeiros Filho, vai atribuir ao Interventor a responsabilidade pela expansão do comunismo no estado “a bem dizer, a verdadeira propaganda comunista começou nesse estado no governo do Sr. Mário Câmara. O Rio Grande do Norte era considerado, naquela época, o paraíso dos comunistas. Nos cadastros policiais dos centros adianta- dos, no tocante a ordem social, Natal, Mossoró e Areia Branca eram tidos como verdadeiros quartéis generais dos agentes de Moscou” (MEDEIROS FILHO, 1937, p. 45). Embora o Rio Grande do Norte e as cidades citadas pelo o então chefe de polícia não fossem exatamente o “paraíso dos comunistas”, é fato que o partido atuava, mas sem o estímulo de Mário Câmara, filho de uma tradicional família do estado, e um conservador. Suas divergências com as oligarquias, em particular com o Partido Popular era em função das circunstâncias de como se deu a luta pelo poder político local e não por qualquer afinidade com os setores mais organizados da classe trabalhadora que se opunham a essas oligarquias, especialmente os comunistas.

O Partido Comunista vai ter um papel fundamental na organização de diversos sindicatos, principalmente na região Oeste. Em Natal, no ano de 1935, além da direção de sindicatos como o de sapateiros, funcionários públicos, motoristas e esti- vadores, organizam os poucos núcleos da ANL de abril a julho e inicia um trabalho de organização dentro do quartel do 21º BC, especialmente, cabos e sargentos. Esse será um aspecto 15 Relatório do Procurador da Justiça do Rio Grande do Norte ao pre-

sidente do Tribunal e Segurança Nacional (Tribunal de Segurança Nacional. Arquivo Nacional, Rio de Janeiro).

importante para se compreender a Insurreição em Natal, porque terá início no quartel e sob a direção de militantes comunistas que lá atuavam.

No documento A Insurreição Comunista de 1935 (páginas 74-79)