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4.2 AS METAMORFOSES NO MUNDO DO TRABALHO NA

4.2.1 A informalidade no trabalho

Quando considerados os elementos supracitados, conclui-se que o mundo do trabalho apresenta uma realidade em que formas de reestruturação e heterogeneidade se intensificaram, com o desemprego, flexibilização, desqualificação e precarização das relações de trabalho. Apresenta-se um aumento significativo das formas flexíveis e precárias de emprego no país, estas que se inserem em um contexto de constantes crises econômicas, cujos desdobramentos afetam significativamente os modos de trabalhar na contemporaneidade (COUTINHO, SILVA, 2011). É possível afirmar que esses fenômenos se configuram enquanto problemas centrais na sociedade brasileira e estão diretamente relacionados com as desigualdades estruturais, o que perpetua contraditoriamente a acumulação de renda e a pobreza e produz situações desprovidas de direitos e marcadas por insegurança e instabilidade (BARROS, PINTO, 2006; COSTA, 2010). Ao passo que mais pessoas passam a depender da informalidade, as mesmas deixam de ter acesso a direitos trabalhistas. Todos esses elementos contribuem para a ampliação da pobreza, das desigualdades sociais e da insegurança da classe trabalhadora (SILVA, 2009).

Antunes (2011) retrata que o capital (em seu sentido destrutivo) tem desempregado cada vez mais trabalhadores estáveis, substituindo-os por trabalhadores precarizados em diversos setores, como o agrário, industrial e de serviços. Para ele, a informalização do trabalho torna-se um traço constitutivo e crescente da acumulação de capital dos dias atuais. Há uma ampliação acentuada de trabalhadores submetidos a sucessivos contratos temporários, sem estabilidade, sem registro em carteira, dentro ou fora do espaço produtivo das empresas, em atividades mais instáveis ou temporárias, ou mesmo na condição de desemprego. Isso faz com que grande parte da população tenha encontrado sua fonte de renda em variadas formas de trabalho autônomo, ambulante, temporário, irregular e precário (ANTUNES, 2011).

Cabe salientar que em um país como o Brasil, cujo mercado de trabalho caracteriza-se pela heterogeneidade, o emprego formal, com todas as garantias e direitos sociais características deste, nunca se tornou generalizável a toda a população. Ele sempre conviveu com outras formas de trabalho, de ordem informal, c omo a subcontratação, o trabalho por

empreitada ou em domicílio (COUTINHO et al., 2013). Ainda assim, mesmo sendo possível afirmar que essas formas de trabalho informal sejam tradicionais no país, é possível constatar que elas obtiveram um crescimento significativo nas últimas décadas.

Costa (2010) traz enquanto exemplificações desta afirmação o crescimento da presença de vendedores nas ruas dos grandes centros urbanos; e o aumento do número de antigas atividades jamais reconhecidas, tais como guardadores de carro nas ruas, “outdoors” humanos e carregadores de feira. A chamada “informalidade urbana”, que se expande em atividades diversas, contribui ainda mais para uma heterogeneidade do mercado de trabalho, por vezes negando princípios básicos de cidadania e reproduzindo desigualdades sociais (COSTA, 2010). As consequências dessa realidade são as mais diversas, como a própria ideia de planejar uma carreira, que perde seu sentido original ao defrontar-se com situações de dificuldades de pertencer a uma única categoria profissional ou, até mesmo, ao identificar que uma parcela significativa da população não encontra nem mesmo o dia a dia garantido de forma digna (BARROS, PINTO, 2006).

Especificamente sobre o uso do termo “informalidade”, ele historicamente remete a uma forma de atividade laboral distinta da atividade de emprego formal característico do contexto capitalista, ou seja, que costuma aparecer em contraposição ao emprego formal (COUTINHO et al., 2013). Atualmente, ainda é compreendida como desqualificada e ilegítima, com ônus para a atuação profissional/social dos trabalhadores (ORGANISTA, 2006; CAMPOS, 2005). Isso ocorre, pois, a carteira de trabalho, embora não garanta acesso material aos direitos, assume o papel de controle de populações excluídas dos direitos fundamentais, sendo vista como um documento de separação entre os ditos “cidadãos”, que seriam os trabalhadores, daqueles considerados “suspeitos”, sem contrato assinado de trabalho (BRANT, 1991 apud BARROS, PINTO, 2006; BARROS, PINTO, 2006).

Ao tentar uma conceituação do termo, Noronha (2003) chega a um entendimento de "trabalho informal" que deriva da ordem jurídica, em que são informais os empregados que não possuem carteira de trabalho assinada. Os contratos de trabalho "informais" têm sido percebidos no Brasil como problemas econômicos e sociais, que representam rupturas com um padrão contratual praticamente único, que é o contrato "formal". Duas premissas estão implícitas nessa afirmação: a boa sociedade deve ter apenas um tipo de contrato, ou seja, o “formal”, e para isso deve contar com algum órgão central, o Estado, que possa definir padrões de legalidade para os contratos de trabalho (NORONHA, 2003).

Noronha (2003), considerando os questionamentos já apontados, identifica a polissemia do conceito de informalidade, o qual abarca um conjunto bastante amplo e variado de fenômenos. Para ele, a compreensão dos contratos atípicos – termo utilizado pelo autor ao se referir a informalidade — decorre da concepção de contrato formal predominantemente adotada em cada país, região, setor ou categoria profissional, não podendo ser analisada de forma simplista, reducionista ou generalizável a qualquer contexto. Assim, aponta-se três fontes de interpretação possíveis sobre informalidade: a dualidade formal/informal é característica das interpretações econômicas; os juristas analisam a questão da perspectiva do par legal/ilegal e; a população, em decorrência das visões de economicistas e juristas (entre outras influências), classifica os trabalhos como justos ou injustos, estes últimos associados à ausência do registro formal na carteira de trabalho. Todas essas interpretações apresentam a relação entre trabalho formal e informal de modo binário; em que a informalidade estaria sempre associada ao pólo negativo, em que o informal seria reconhecido como ilegal e injusto (NORONHA, 2003).

Na mesma direção, Sato (2011) reconhece a diversidade de significados relacionados à informalidade – a qual ela denomina como trabalho não-regulado - e que, no âmbito do trabalho, é normalmente reconhecida como algo anormal, que não é correto, nem justo. Ao analisar atividades informais organizadas pela população pobre para viabilizar sua sobrevivência, ainda que reconhecendo os limites da informalidade e as desigualdades sociais a ela associadas, enfatiza a importância de se reconhecer e se descrever tais atividades, com a análise da vida cotidiana desses trabalhadores. Ainda que entendendo as peculiaridades das formas de trabalho informal, é importante reconhecer sua existência não somente como versão negativa do trabalho formal, e sim, apreendendo suas positividades, sem perder de vista a busca da proteção social que lhe falta (SATO, 2011).

Uma forma de analisar as chamadas “modalidades” de informalidade é efetivada por Antunes (2011). A primeira das modalidades explicitadas pelo autor é a dos chamados “trabalhadores informais tradicionais”, que vivem de sua força de trabalho, inc luindo-se nessa categoria os trabalhadores "menos instáveis", que atuam na prestação de serviços, realizam trabalhos ocasionais quando se encontram desempregados, mas visam retornar ao trabalho assalariado. Outra modalidade engloba os “trabalhadores informais assalariados sem registro”, que seriam, segundo o autor, “o arrepio da legislação trabalhista”, muitas vezes subcontratados de empresas de grande porte, os

quais perderam o registro formal e os benefícios sociais associados a ele. Uma terceira modalidade seria composta pelos “trabalhadores por conta própria”, com pequenos negócios inseridos na economia informal, considerados produtores simples de mercadorias, cuja força de trabalho utilizada é a própria, de seus familiares ou proveniente da subcontratação de força de trabalho assalariada (ANTUNES, 2011).

Diante de todos os elementos expostos sobre informalidade, percebe-se uma dificuldade em se obter uma definição clara acerca do trabalho informal, ou seja, do próprio conceito de informalidade, este que tem englobado uma variedade de formas de trabalho (NORONHA, 2003; PICCININI, OLIVEIRA, RUBENICH, 2006). Na tentativa de definir a abordagem desta dissertação, afirma-se que aqui se corrobora com as definições de informalidade presentes nos estudos de Antunes (2011), Sato (2011) e Noronha (2003), e considera-se a informalidade como sendo marcada por: assalariamento sem carteira, o trabalho autônomo e de sobrevivência (CACCIAMALI, 2000), e engloba os trabalhadores informais clássicos (ALVES, TAVARES, 2006), aqueles com um mínimo de conhecimento e meio de trabalho, que realizam trabalhos informais enquanto procuram por um emprego. Além disso, utiliza-se do modelo de Bendassolli (2015), que organiza um conjunto de peculiaridades as quais os trabalhadores informais enfrentam no contexto socioeconômico em que exercem sua atividade, sendo elas: ausência de uma instituição social reguladora; afastamento das conquistas trabalhistas; diferenciação em relação ao modelo taylorista-fordista e; o foco na obtenção de renda para sobrevivência e não necessariamente na produção de lucro.

Não se entende a informalidade apenas como o pólo negativo e oposto à formalidade, porém, compreende-se suas particularidades que levam a diferentes produções de sentidos. Parte-se do pressuposto de uma informalidade que surge no bojo do capitalismo vigente com estratégias cotidianas de fazer, “se virar” nos desafios impostos pela atividade, em uma organização social excludente, indiferente, que leva à invisibilidade dos trabalhadores informais (BENDASSOLLI, 2015).

Vale demarcar que a tendência à informalidade no mercado de trabalho tem gerado uma maior produção científica acerca de tal temática. Na própria literatura atual sobre os sentidos e significados atribuídos ao trabalho há estudos relacionados a diferentes formas de trabalho. Assim, coexistem estudos junto a trabalhadores em empregos formais (DUGNANI, SOUZA, 2011; TOLEDO, KEMP, MACHADO, 2014; PADILHA, GRANDE, 2011; COUTINHO, DIOGO, JOAQUIM, 2008) e um crescente interesse em investigações com trabalhadores em novas

formas de trabalho/emprego. Em uma pesquisa nas bases de dados SciELO e PePSIC no período compreendido de 2005 a 2015, é possível identificar alguns exemplos, tais como com jovens de empreendimento solidário (BITENCOURT et al., 2014), profissionais de indústrias criativas e artísticas (BENDASSOLLI, TORRES, 2014; BENDASSOLLI, BORGES-ANDRADE, 2015), mulheres serventes de limpeza (DIOGO, MAHEIRIE, 2007; 2008), ex-trabalhadores de empresas públicas, trabalhadores informais da cidade de Florianópolis, cooperados em um "empreendimento solidário" (COUTINHO, 2009), entre outros. Assim demarca-se o interesse dos próprios autores nacionais sobre essas novas formas de trabalho, em sua maioria, relacionadas à informalidade.

Em um estudo junto a sete trabalhadores informais da cidade de Florianópolis/SC, tais como trabalhadores domésticos, pedreiros, guias de turismo e professoras de inglês, Coutinho (2009), privilegiou a perspectiva qualitativa, na qual encontrou histórias que revelaram a informalidade como uma opção e não a falta de opção dos participantes, pois todos os participante apresentavam experiências de inserção no mercado formal, consideradas como ruins e, portanto, não pretendiam retornar àquela condição. Os sujeitos vislumbravam na informalidade as possibilidades de maiores ganhos e de melhores c ondições de trabalho, concomitante a dificuldade de custear os encargos trabalhistas, a incerteza de manutenção da renda e a insegurança quanto ao futuro pela ausência de direitos trabalhistas e previdenciários (COUTINHO, 2009).

No mesmo estudo, ainda foi demonstrado que o mercado de trabalho informal possibilitou aos sujeitos um maior controle sobre sua atividade e sobre os modos de operar, embora não eliminasse dificuldades inerentes a informalidade, tais como a imprevisibilidade dos serviços e de renda e a falta de seguridade social (CAMPOS, 2005; COUTINHO, 2009). Dessa forma, chama a atenção o destaque a uma informalidade que não se mantém apenas enquanto pólo negativo em comparação a formalidade, mas que pode ser vista como meio de realização profissional e de conquista de melhores condições de vida e trabalho. Em que pese às conotações negativas associadas ao trabalho informal, essa forma de trabalho pode ser considerada como uma opção diante da precariedade que não é exclusiva a informalidade, mas que também atinge aos próprios trabalhadores inseridos no mercado de trabalho formal.