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5. APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS

5.2 DESCRIÇÂO DA HISTÓRIA DE VIDA E DE TRABALHO DOS

5.2.10 Tereza

Tereza foi a primeira das entrevistadas, por indicação dos técnicos do serviço. A entrevistada, desde o primeiro dia do levantamento de informações, estava presente no Centro Pop com uma postura participativa em relação à pesquisa, colocando-se à disposição.

Tereza tem 44 anos de idade e mantém um relacionamento estável com Guilherme51 há cerca de 12 anos. Estudou até a 7ª série do ensino fundamental e não soube informar o período em que está na rua, mas acredita que seja por volta de 12 anos, sendo 4 anos de forma ininterrupta, quando saiu de um albergue, onde ficou por 2 anos. É natural da região da Grande Florianópolis, filha de pescadores. Ela teve 19 filhos, “9 estão mortos e 10 vivos”, porém, não mantém contato com os mesmos, pois foram “retirados pelo conselho tutelar”. Esse é um assunto tratado rapidamente, pois a entrevistada não gosta de falar a esse respeito. Tereza garante ter diversos problemas de saúde que a impedem de trabalhar, mas nunca conseguiu sua perícia.

Tereza utiliza o Centro Pop como espaço de convivência, para suprir suas necessidades básicas e para dormir. Atualmente, divide a vida com seu marido e com as pessoas que “vivem” no Centro Pop, a quem chama de “filhos”, considera-se a mãe de todos. Tem grande preocupação com os demais em situação de rua e diz que “cada um que acontece alguma coisa, eu quase morro do coração”. Ela diz não ter atividades de lazer e que vive para a “luta”, ou seja, a militância no MNPR, no qual se diz titular municipal e estadual. O seu objetivo no movimento e na vida é “fazer com que as leis se cumpram, que não são cumpridas, porque eles sabem exigir os nossos deveres, mas não cumprem os nossos direitos”. Ao longo de toda a entrevista, Tereza refere-se muito à luta e aos objetivos coletivos, de manter um Centro Pop aberto e em condições adequadas de funcionamento, bem como a ampliação da rede socioassistencial para a população de rua. Afirma ter “abraçado a causa com amor” e que “não recebe nada pra isso”.

No que se refere aos vínculos familiares, Tereza não mantém nenhum tipo de relacionamento com a família por conta do seu pai, este com quem “teve uma revolta” e não quer ter contato. Gostaria de um contato apenas com um único tio, que mora na região da Grande Florianópolis, porém, não o vê há mais de 5 anos, pois não quer que ele sofra com sua situação. O vínculo mais consistente que mantém, além das

pessoas em situação de rua, é com uma tia do seu marido, com quem se dá muito bem.

A entrevistada remete a várias vivências em momentos distintos de sua vida para se referir aos motivos para viver na rua. Segundo Tereza, o principal motivo para estar na rua atualmente é ter saído do albergue onde ficava, local onde foi agredida por um interno. Antes do albergue, “estava trabalhando na jardinagem” e sua “patroa” alugou uma casa para ela, cujo aluguel não foi pago. Por isso, foi despejada, teve que sair desse trabalho e ir para as ruas. A principal razão atual é “não conseguir a minha perícia” e “ficar desempregada” após o trabalho na área de jardinagem. A primeira vez que esteve na rua, aos 19 anos, foi porque descobriu “os casos” do seu pai e que ele batia em sua mãe, o que ela não aceitava. Nessa época, saiu de casa e foi para a rua, onde dormiu na praia. Nesse primeiro momento, as condições de vida na rua eram diferentes das atuais:

Só que na época que eu fui pra rua não era o risco que tem hoje em dia. Polícia não te incomodava, não era essa montueira de gente morando na rua, também fiquei pouco tempo. Conheci um pessoal, minha tia tava morando com uma amiga dela, eu fui pra casa dela, depois fui morar com outras meninas. Daí fui pescar com uma das meninas, com um irmão dela, entendeu? Fui fazer o que eu gosto, pescar né. Então, um bom tempo fiquei assim, depois me casei, trabalhei de servente de pedreira com meu ex-marido, de tudo na minha vida eu fiz um pouco, honestamente, sabe?

Quanto a sua trajetória laboral52, Tereza menciona que trabalha “com qualquer coisa” e que sua profissão principal é como pescadora, com o que trabalhou dos 11 anos até os 14 anos, com seu pai e não faz mais atualmente. Ela lembra dessa fase como algo “que adorava”. Aos 15 anos, engravidou de sua primeira filha. Por esse motivo, seu pai não a deixou mais estudar. Depois disso, começou a fazer faxinas e crochê para vender, o que aprendeu com sua mãe.

Sem informar o período, Tereza comenta ter realizado atividades em jardinagem, “só que não era carteira assinada, daí os meus patrões começaram a me dever, saí fora, porque eu já não posso trabalhar com peso, tenho problemas de rins de nascença, a mulher ficar me comendo

52 Não foi possível elaborar uma linha da vida laboral com base nas informações produzidas.

dinheiro não dava né”. Conforme dito anteriormente, nesse período voltou a ficar em situação de rua.

Comenta que seu maior sonho é ter carteira assinada, o que nunca teve, porque eu tinha “filhos pra cuidar, aluguel para pagar, então, era complicado. Eu não pude escolher carteira assinada, bem complicado”. 5.2.10.1 Cotidiano de vida e trabalho

O cotidiano da entrevistada consiste em cuidar dos usuários do Centro Pop. Considera que essa sua “missão” é seu trabalho. Seu maior objetivo, segundo ela, é “não vê-los recaídos, é ver dentro de um Albergue, se recuperando, arrumando serviço”, porém, comenta que as pessoas em situação de rua não têm oportunidades de trabalho por conta do preconceito. Comenta que as empresas, ao verificarem nos currículos que o endereço é a casa de apoio ou o Centro Pop, “deu, eles não te contratam”.

Questionada acerca dos trabalhos que realiza, Tereza responde que “de faxina não peguei nenhum sabe [...] Até porque se for fazer faxina direto eu já nem pego, né? To proibida, né? Porque eu tenho doenças crônicas dos rins de nascença”. Em relação a limpar quintais, cita que “limpava lá em um amigo meu” e que, em algumas ocasiões, trabalhou com reciclagem com ele. Comenta que tudo o que é “honesto pra mim fazer, eu faço”.

Quanto ao crochê, está sem produzir por conta da falta de óculos (está esperando uma consulta com oftalmologista) e porque seu material de crochê foi roubado na rua, o que a impede de desenvolver suas atividades. Também destaca as dificuldades para vender seus produtos:

É um sufoco. Eles acham bonito teu trabalho, perguntam o preço. Quando tu dá o preço, dizem ‘ai, é muito caro’, me dá uma agonia. Eu geralmente não gosto de abaixar meu preço, porque é o valor do meu trabalho, to gastando linha, é material, é revista, é agulha. Pra não mandar tomar naquele lugar, eu falo sempre: “então o senhor, a senhora, compra a revista, compra as agulhas e faz. Fazer o trabalho. Mas eu falo mesmo, é um jeito de valorizar.

Em alguns momentos, ela diz que seu marido leva suas produções para vender no semáforo, onde ele vende pirulitos. Dependendo da produção, comenta já ter feito rifas de trilhos, toalhas e jogos de banheiro.

Ela diz “eu boto na rifa o trabalho, vendo baratinho o bilhete, depois de vender tudo sorteia o bilhete”, esta seria uma forma de conseguir um dinheiro mais rápido. Às vezes acompanha seu marido quando este cuida de um estacionamento próximo ao Centro Pop, esse é um dos meios pelos quais o casal consegue dinheiro para se manter na rua. Gasta o dinheiro que ganha comprando “café, açúcar, coisa pra comer. Não compro besteira não, não sou usuária de nada. Quando dá pra uma cervejinha, quando dá”.