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Os sentidos do trabalho na concepção do construcionismo social

4.3 SENTIDOS E SIGNIFICADOS DO TRABALHO

4.3.2 Os sentidos do trabalho na concepção do construcionismo social

produção de sentidos do trabalho no cotidiano. A visão construcionista social tem como principais precursores Peter Berger e Thomas Luckmann, Kenneth Gergen e Tomás Ibáñez, todos esses vinculados à Psicologia Social (SPINK, MEDRADO, 2004). O construcionismo social é voltado para a reflexão sobre os processos de significações construídos pelas pessoas em seu cotidiano (GERGEN, WARHUUS, 2001). Nessa abordagem, o cotidiano é entendido como a base material em que as pessoas constroem experiências sociais e produzem sentidos. Os conhecimentos sobre a vida cotidiana se circunscrevem nas objetivações dos processos e significações subjetivas pelas quais o mundo intersubjetivo é construído no senso comum, sendo que as ações produzidas no dia a dia constituem as relações sociais, historicamente datadas e culturalmente localizadas (BERGER, LUCKMANN, 2004; SPINK, 2004).

O conceito de sentido empregado constitui-se em uma construção dialógica e social, um empreendimento coletivo e interativo, por meio do qual as pessoas, na dinâmica das relações sociais, constroem os termos a partir dos quais compreendem e lidam com as situações e fenômenos a sua volta, ou seja, suas vivências cotidianas. A produção de sentidos se dá num contexto interacional, com atravessamentos por questões de ordem histórica e cultural, permitindo o relacionamento das pessoas com situações e fenômenos sociais. Em linhas gerais, eles são criados e recriados pelas pessoas em um jogo de ações e interações que as situam no mundo e decorrem do uso dos repertórios interpretativos de cada sujeito11 (SPINK, FREZZA, 2004; SPINK, 2010; GERGEN, 2009; PINHEIRO, 2004).

Dar sentido ao mundo é uma força poderosa e inevitável na vida em sociedade, que vai além de uma atividade cognitiva e se constitui como uma prática social que implica na linguagem em uso (SPINK, MEDRADO, 2004). A investigação dos sentidos atribuídos a alguma atividade profissional, por exemplo, pode ser realizada por meio das narrativas ou discursos produzidos sobre a atividade desenvolvida. Assim, essa investigação é efetuada mediante as narrativas das pessoas sobre suas vivências, que são concebidas como discursos elaborados por meio de múltiplos fatores sociais, econômicos e políticos nos quais as pessoas são envolvidas no curso de suas vidas (GRAF, COUTINHO, 2011; GERGEN, WARHUUS, 2001). Por esse motivo, as práticas

11 Repertórios interpretativos são entendidos como o conjunto de termos, descrições, lugares-comuns e figuras de linguagem utilizados por cada pessoa em seu cotidiano (SPINK, MEDRADO, 2004).

discursivas12 constituem-se no foco principal de análise da abordagem construcionista, que implicam em uma variedade de produções sociais como expressão, incluindo as ações, seleções, escolhas, linguagens e contextos. O discurso, portanto, é uma modalidade privilegiada para o estudo da produção de sentidos, dada a informalidade das situações em que ocorre (SPINK, MENEGON, 2004, SPINK, FREZZA, 2004).

No construcionismo social, protagonismo se dá ao espaço da interpessoalidade, ou seja, a relação com o outro (GERGEN, WARHUUS, 2001; GERGEN, 2009; SANCHES-JUSTO, FERREIRA, VASCONCELOS, JUSTO, 2010). As histórias contadas pelas pessoas constituem-se em desempenhos sociais que explicam os processos pelos quais descrevem, explicam e/ou compreendem o mundo em que vivem e a elas mesmas. Nos estudos dessa abordagem, são focalizadas as estruturas sociais e mentais para compreensão de ações e práticas sociais e, principalmente, os sistemas de significação que dão sentido ao mundo. Para Pinheiro (2004), ao relacionar as práticas discursivas com a produção de sentidos, assume-se que estes estão no próprio discurso, o qual faz da linguagem uma importante ferramenta para a construção da realidade13.

A produção de sentidos é entendida como um fenômeno sociolinguístico, em que o uso da linguagem sustenta as práticas sociais geradoras de sentido. É a partir das narrativas que as pessoas tentam expressar essa realidade inacabada, recontam a experiência humana de estar no mundo, apresentando como a experiência foi construída e pensada. Sob essa lógica, a realidade é uma construção social, em que as pessoas, ao conversarem, processam narrativas e produzem sentidos que as situam no mundo (GERGEN, 2009; PINHEIRO, 2004). Os fenômenos sociais são compreendidos a partir de construções históricas e a linguagem é uma forma de nomeação dessas construções, mas esses fenômenos não são reduzidos à linguagem (SPINK, FREZZA, 2004).

No que se refere ao método, que será apresentado em seu capítulo específico, essa abordagem enfoca a compreensão dos processos pelos

12 “Expressão utilizada para demarcar e distinguir o foco de interesse das pesquisas voltadas para o papel da linguagem na interação social” (SPINK, BRIGAGÃO, NASCIMENTO, CORDEIRO, 2014, p. 327). Constituem-se em um caminho privilegiado para compreender os sentidos produzidos no cotidiano (SPINK, FREZZA, 2013).

13 O discurso é entendido como uma ação, um processo relacional de interações sociais que não se originam nem no mundo interno nem no mundo externo dos sujeitos (DALMASO, COUTINHO, 2010).

quais as pessoas entendem e produzem sentidos sobre o mundo, com foco no cotidiano da vida das pessoas, pois é nesse contexto que os sentidos são construídos e vivenciados. Ao produzir sentidos, as pessoas constroem o mundo a sua volta por meio da narrativa, utilizando-se para esta atribuição de sentidos os repertórios pessoais e os posicionamentos identitários. Para o construcionismo social a realidade é construída com base no entendimento de senso comum que as pessoas constroem e constitui-se em sentidos, não afirmando a existência de uma verdade absoluta ou que processos sociais têm uma validade interna relativa a uma realidade externa aos sujeitos (SPINK, 2004).

Como exemplo da utilização dessa abordagem em pesquisas sobre os sentidos do trabalho, é possível citar a realizada por Graf e Coutinho (2011), que identificaram as inter-relações entre as pessoas e o trabalho em seus contextos sociais, contextualizando-os a partir de uma leitura crítica da integração do social com o pessoal. As autoras consideraram a constante presença dos sentidos para quem executa uma atividade laboral, em que os sentidos podem ser atrelados a aspectos positivos, negativos ou neutros, mas sempre construídos nas tramas do cotidiano.