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5. APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS

5.2 DESCRIÇÂO DA HISTÓRIA DE VIDA E DE TRABALHO DOS

5.2.6 Matheus

O primeiro contato com Matheus ocorreu no dia da entrevista, quando ele veio ao Centro Pop para atendimento psicossocial e para suprir necessidades básicas, tais como almoçar, escovar os dentes e tomar banho. O convite do pesquisador ocorreu em uma rápida conversa na área de convivência do Serviço, onde Matheus contava sobre suas tentativas de trabalho no CEASA/SC (Central de Abastecimento do Estado de Santa Catarina) para outros usuários. O mesmo aceitou rapidamente da pesquisa, com a ressalva de que o chamariam para tomar banho dentro de alguns minutos.

Matheus é solteiro, tem 21 anos de idade, não possui filhos e estudou até a quinta série do ensino fundamental. Sobre sua saída da escola, explica: “comecei a matar aula. Reprovei, daí saí da escola. Depois eu voltei de novo, no outro ano seguinte, comecei a estudar e parei com 14, na quinta série”. Atribui como motivo para isso o fato de ter conhecido a droga aos 10 anos, quando fumava maconha. Está em situação de rua há três meses, porém, já esteve na rua em outras ocasiões. Ele frequenta Centros Pop “de vez em quando” para “tomar um banho, pra se alimentar” e não participa de movimentos sociais. Quando questionado acerca de sua relação com a família, diz que “faz tempo já que eu não tenho”. O entrevistado se define como um peregrino, sempre se desloca de uma cidade a outra sem lugar fixo.

Atualmente, tem convivido com “dois camaradas que ta na caminhada comigo procurando por uma melhoria”. Comenta tê-los conhecido há um ano e que “se cruzaram novamente” há algum tempo e

estão se apoiando, querem “criar coragem pra nós ir atrás de um serviço”. Apesar disso, geralmente costuma viver sozinho.

Quando questionado acerca dos motivos pelos quais vive na rua, afirma que isso aconteceu após a separação de sua esposa, em um contexto de perda de emprego e uso de drogas:

Primeira vez é que eu vim pra cá, assim, pra alugar uma quitinete, daí eu aluguei, trabalhei numa firma, daí eu cai. Cai assim, nas drogas. Daí comecei a usar crack e não tive motivo pra [fim da frase]. Daí você acabou saindo da firma? Acabei saindo da firma por causa da droga, né? Acabei saindo da firma, perdi o emprego, daí a casa que eu morava, daí cai na rua. E nessa última vez agora? Por causa da droga também. Acabou seu casamento? Isso.

A trajetória laboral de Matheus, conforme pode ser verificado na figura a seguir, é marcada pelo precoce início das atividades laborais e pela predominância de vínculos informais de trabalho:

Figura 06 – Trajetória Laboral de Matheus

Fonte: Elaboração do autor, 2017.

Matheus teve seu primeiro trabalho aos 10 anos de idade vendendo picolés no Paraná, o que fez durante cerca de dois anos. Começou a trabalhar porque sua “família não era muito bem de dinheiro”. Naquela época ganhava cerca de R$15,00 por dia, dinheiro que gastava comprando “figurinha, comprava doce, essas coisas de criança né”. Por volta dos 14 anos, trabalhou em um campo de tênis como boleiro, o que desenvolveu por um ano. Ganhava cerca de R$50,00 por dia “mais as gorjetas ainda”. Aos 15 anos, trabalhou no ramo da pintura, inicialmente lixando paredes.

Aos 16 anos, passou a vender abacaxi. Ganhava cerca de R$50,00 “mais o almoço e mais o lugar pra mim morar ainda”. Nessa época, morava junto com seu “patrão”.

Fui até os 18 vendendo abacaxi com o mesmo cara. Era um cara que eu ia atrás da caminhonete, só enchendo a sacola. Ou eu ia no portão batendo com a faquinha “ó senhora, compra um abacaxi docinho, direto de Frutal. Esse aqui chegou hoje, tá fresquinho”, sabe? Eu vendia abacaxi.

Aos 18 anos, parou de desenvolver essa atividade, pois veio para Santa Catarina e conseguiu seu primeiro trabalho com carteira assinada. Decidiu vir para a região “porque falaram que aqui era bom”. Esse emprego foi como ajudante de pedreiro, o que fez durante dois meses e ganhava R$1100,00 de salário, mais uma cesta básica. Depois disso, Matheus conta: “eu perdi meus documentos e daí eu comecei essa vida, sem documento [...]. E aí comecei essa vida que to levando, que nem um maluco, cada dia to em um serviço, to inventando coisa pra trabalhar”. O último “trabalho fixo” de Matheus foi este como ajudante de pedreiro. Após esse período, desenvolveu várias atividades, tais como cuidar de estacionamento, ser carregador no CEASA e “catar latinhas”, esta última que realiza apenas quando está “desesperado”:

Porque é só no verão que dá latinha, nas praias, eu até gosto de fazer, mas só no verão. Agora não. No inverno é rocha. Que daí no verão eu cato um carrinho de reciclado e daí eu encho o carrinho. Daí é menos pernada. Ficar catando de saquinho em saquinho é foda, né? Daí eu encho um carrinho, vou catando de saco em saco e vou enchendo o carrinho. Daí quando eu faço o carrinho inteiro, eu vou lá e vendo. [...] No inverno não dá pra fazer nada. Vai quase ninguém pra praia. Se o cara for trabalhar mesmo, sem futuro esse trampo.

5.2.6.1 Cotidiano de vida e trabalho

Matheus desenvolve atividades variadas de acordo com as oportunidades que lhe aparecem: “tem dia que eu cuido de carro, tem dia que eu trabalho batendo caixa de fruta, agora tem dia que eu já preciso catar um recicrado”. Também trabalha como "chapa", da seguinte forma: “a gente fica na beira da estrada, com um tapetão, alguma coisa escrito chapa, fico sentado, já tem os pontos aí, os caminhão para pra ajudar a

bater carga”. De todo modo, expõe que gostaria de ter um emprego por conta dos benefícios, tais como o décimo-terceiro salário.

Ele não realiza atividades como flanelinha diariamente, pois não tem um lugar fixo de trabalho, e que o faz “em qualquer lugar, na cidade que eu vou”. Em relação ao processo de trabalho, descreve que “chega no lugar e... se eu vejo que não tem ninguém cuidando, eu pergunto se tem alguém que cuida ali, se tem eu peço se ele pode me dar um apoio, daí eu cuido”. Fala para os clientes: “bem cuidado”, “posso dar uma olhadinha”. As reações são variadas, desde aqueles que são receptivos, até os que são grosseiros. A remuneração é instável: “tem dias que, se for um dia bom, uns R$50,00, R$70,00. Agora tem dia que tu faz 20, 15 real só”. O dinheiro normalmente é utilizado para comprar drogas e bebidas.

Como pode ser percebido, ele realiza diversas atividades: “tento fazer pra não ficar parado. [...] Todo dia eu faço alguma coisa, quando não é o dia, eu faço outra”. Ele traz uma queixa de que, apesar de fazer muitas coisas, não tem um emprego, realizando o que for necessário “pra sobreviver na rua”. Em relação ao seu dia a dia, Matheus normalmente dorme até as oito horas da manhã e, após isso:

Daí eu saio, tomo café da manhã. Daí a hora que dá meio dia e pouco assim, vou no Centro Pop ou eu pego e já vou atrás de umas balinhas pra mim vender, aquelas balinhas que a gente ganha no sinaleiro. Vou atrás pra vender bala, eu sempre quero trabalhar, quero trabalhar, sempre, mas no momento to sem emprego fixo, to sem meus documentos tudo. Sempre buscar alguma coisa pra trabalhar, né? Buscando cuidar de carro, vender bala ou trabalhar carregando fruta ou trabalhar de chapa, sempre buscando alguma coisa.